Acórdão nº 0277/12.9BECBR 0485/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

A……….., devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAN, de 26.01.18, que decidiu “revogar a decisão recorrida e julgar a acção improcedente”.

Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF de Coimbra, de 31.10.16, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta pelo A. A………, acção na qual este peticionava o seguinte: “… Ser declarado nulo ou, caso assim se não entenda o que se refere sem transigir, deve ser anulado o despacho nº 9974/2010 proferido em 7.6.2010 por Sua Exa. o Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações que declarou a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação das parcelas do Autor, devidamente identificadas nos artigos 3º, 4º e 5º da presente petição, com todas as devidas e legais consequências”.

  1. O A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 1091 e ss): “1) A questão que se traz a juízo é clara e é a seguinte: Pode ou não ser renovada, em sede de execução de sentença, uma declaração de utilidade pública declarada nula pelos tribunais, quando a obra pública (in casu, uma estrada) está já realizada, assim mesmo antes do acto renovatório; ou, por outro lado, estamos perante uma situação de impossibilidade de execução e, assim, face a uma situação que devemos enquadrar como constituindo uma causa legítima de inexecução.

    2) As instâncias deram uma resposta diferente a esta questão, tendo o Tribunal Central Administrativo Norte sustentado, em erro manifesto, que tal é possível, ao contrário do que afirmou a sentença de primeira instância.

    3) Salvo o merecido respeito, o erro manifesto do acórdão recorrido decorre da circunstância do objecto da declaração de utilidade pública, o prédio tal como o mesmo era, rústico, estar já essencialmente descaracterizado, agora é urbano, em virtude de sobre ele ter sido construída uma estrada, a qual está em funcionamento ainda hoje.

    4) A questão é aliás de difícil resolução, o que é evidenciado pelo facto de se tratar de uma vexatia quaestio, nomeadamente em termos de direito comparado (sobretudo em França e mais propriamente em Itália), tendo, inclusivamente, sobre esta temática existido diversas pronúncias do TEDH.

    5) Por outro lado, como sucede noutras jurisdições, a capacidade de repetição desta questão é evidente e enorme.

    6) Tudo levando a concluir que se deve admitir o presente recurso, nas distintas dimensões que equacionámos - portanto, esta sim, uma pronúncia digna de um Alto Tribunal Português.

    ****7) Face às considerações tecidas no acórdão recorrido relativamente à urgência da realização da obra pública, outra ponderação não é admissível, são as mesmas ostensivamente erradas, atenta a circunstância da obra estar feita e em utilização, não são, aliás, fundamentadas na lei ou em qualquer princípio jurídico, contrariando ostensivamente, por outro lado, quer o princípio da actualidade da acção administrativa, quer o princípio tempus regit actum.

    8) Parece ostensivo que a melhor solução (razoabilidade, proporcionalidade e justiça) é, defendendo os interesses públicos sem detrimento dos interesses privados, verificar a existência de uma impossibilidade jurídica, que é evidente nesta dimensão de urgência que autonomamente encerra a declaração de interesse público, fazendo entrar na discussão a causa legítima de inexecução – os automóveis continuam a passar, a estrada mantêm-se, e irá calcular-se, por efeito da causa legítima de inexecução, a indemnização, mais do que devida, aos particulares.

    9) Quanto à questão essencial que se discute nos autos (ocupação de solos pela administração originariamente ou supervenientemente sem título, mormente por intervenção judicial com efeitos ex tunc), temos que a mesma é uma vexata questio nomeadamente em termos dogmáticos comparados, mormente em Itália e França, e isto ao ponto do TEDH já se ter pronunciado várias vezes sobre o tema, importando, sopesando o nosso ordenamento jurídico e a resposta que o mesmo dá a esta questão (inovadoramente quanto à sistematização e à extensão com que trata a questão da inexecução das sentenças administrativas), enquadrar a solução jurídica no instituto das causas legítimas de inexecução (impossibilidade fáctica ou jurídica do acto).

    10) Tudo dizendo temos que o bem foi (de facto) essencialmente descaracterizado, nunca podendo os solos voltar ao seu status quo ante, a coisa rural plena de árvores seculares e outros verdes...; ou seja, esta transformação do bem, do solo, esta sua alteração de coisa rural para coisa urbana, faz com que se verifique uma situação de irreversibilidade fáctica, faz com que o objecto do acto seja impossível, porque o primeiro esgotou os seus efeitos, faz com que seja profundamente lesivo do interesse público a restituição, que, como o Tribunal de primeira instância afirmou, só poderia ter uma resposta... a verificação de que o novo acto de declaração de utilidade pública só pode ter objecto impossível, com todas as consequências que acertadamente aponta.

    11) A decisão vai mesmo contra o aresto deste Alto Tribunal no proc. n.º 47693A, de 14/07/2008, quando foi aí decidido que é impossível a renovação da declaração de utilidade pública se, no caso, uma alameda, esta via foi já construída e está aberta ao público! 12) Aliás, quando um bem é objecto de construção, mormente por parte da administração pública, por força de uma expropriação ilegal em razão de desvio de fim, o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu que não é possível entregar o bem em retrocessão ao particular, demolindo ou não os prédios nele edificados (atesta, pois, nestes casos a verificação de uma situação de irreversibilidade fáctica e jurídica) entendendo, como sucede no caso, existir impossibilidade fáctica ou jurídica por força do facto de o acto primitivo ter esgotado já todos os efeitos a que tendia ou por verificação de grave dano para o interesse público na restituição do bem - e, assim, uma causa legítima de inexecução.

    13) Impossibilidade essa que, aliás, subjaz com evidência aos casos de reversão em que este Alto Tribunal também tem, reiteradamente e com o aplauso da doutrina, feito intervir, assentando na impossibilidade fáctica, aquele instituto, sendo que é a mesma realidade que justifica a intervenção da causa legítima de inexecução nas situações em que o acto de adjudicação é declaro nulo ou anulado e a obra entretanto já se realizou.

    14) O douto acórdão afronta assim com uma clareza perfeita a melhor doutrina portuguesa a este respeito produzida, quando a mesma refere: "A segunda hipótese abrange a anulação do acto de declaração de utilidade pública num momento em que o bem expropriado já tenha sofrido profundas transformações em face do fim de expropriação, em termos de se encontrar substancialmente modificada ou prejudicada a vocação que tinha à data da expropriação, ou a obra de interesse público já esteja concluída ou em estado adiantado de execução. Neste caso a execução da sentença do tribunal administrativo torna-se absolutamente impossível ou pelo menos acarretaria grave prejuízo para o interesse público. Estamos, para utilizarmos a terminologia corrente na nossa legislação, perante uma causa legítima de inexecução da sentença dos tribunais administrativos (art. 163.° do CPTA)." - cfr. Alves Correia, ob. cit., p. 368 e ss...

    15) Salvo o merecido respeito, em palavras simples, o acórdão recorrido erra manifestamente ao julgar ser ainda possível a execução do acto de declaração de utilidade pública quando a obra, a que essa declaração de utilidade pública tendia, já está executada e em utilização, devendo antes, como foi decidido em primeira instância, julgar-se que a renovação da declaração de utilidade pública não é possível, mas sim impossível, tendo-se assim violado o estatuído nomeadamente no art. 133.º, n.º 2, al. c) do CPA (anterior versão; ou actual art. 161.º, n.º 2, al. c) do NCPA) e arts. 163.º e ss. e 173.º do CPTA”.

  2. A recorrida INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA (IP, SA) produziu contra-alegações, concluindo-as do seguinte modo (cfr. fls. 1134 e ss.): “1) O regime de execução de sentenças de anulação de atos administrativos, constante dos artigos 173.º e seguintes do CPTA é aplicável a todas as decisões anulatórias (atos anulados e declarados nulos).

    2) A Administração não só pode como deve reexercer a sua autoridade por forma a repor a ordem jurídica violada.

    3) O ato impugnado foi praticado a coberto do dever de executar que se impõe à Administração.

    4) A Administração ao praticar o novo ato administrativo, em execução do julgado anulatório, uma vez expurgado da ilegalidade que o afetava, fá-lo em substituição do primeiro, pelo que o conteúdo deste novo ato tem necessariamente que ser idêntico e portanto, não pode deixar de dizer que aquela expropriação se destina à Beneficiação da EN 234 entre Mira e Cantanhede.

    5) De onde que o novo ato (expurgado dos vícios do anterior) teria sempre de ser praticado por referência ao momento situado no passado, de acordo com a situação jurídica e condições de facto existentes na data em que foi praticado o ato impugnado (artigo 173.º n.º 1 do CPTA).

    6) O que é declarado como sendo de utilidade pública é a expropriação e o uso do solo num outro fim, também ele de utilidade pública, qual seja o empreendimento rodoviário.

    7) A inatacabilidade da obra pública construída, bem assim como a sanação do vício inicialmente existente, em benefício dos próprios destinatários, designadamente o aqui recorrente, levam a que se conclua que é válido o ato administrativo que declara a utilidade pública dos terrenos necessários à execução daquela mesma obra que, à data do ato renovado, ainda não estava executada.

    Nestes termos e nos mais...

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