Acórdão nº 0386/17.8BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 08 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO 1.1 A………., S.A.
, m.i. nos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), criada através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, relativamente ao ano de 2016 e respectivos juros compensatórios.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões: “1. Vem defendendo a impugnante, ora recorrente, que a CESE é, pela sua natureza, conteúdo e continuidade, uma contribuição financeira de natureza não biliteral ou sinalagmática, constituindo um verdadeiro imposto e, como tal, viola, nos moldes em que foi determinada e imposta, os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, bem como, cumulativamente, os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da confiança e da proteção jurídica.
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Todavia, diferentemente deste entendimento, a sentença recorrida acolheu tese qualificativa distinta, assentando na sua fundamentação a construção de que a CESE é uma contribuição extraordinária e transitória, que não se revela desproporcionada, por não ser nem inadequada, desnecessária ou excessiva.
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Pelo contrário, entende a recorrente ser manifesta a sua desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, impondo-se por isso a sua anulação à luz do disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo “ex vi” do artigo 2.º da Lei Geral Tributária.
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Isto porque o artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que contém a tipificação da CESE, instituiu um regime que choca ostensivamente com os mais elementares princípios constitucionais e legais, 5. Designadamente o princípio da capacidade contributiva que consubstancia o critério material da igualdade absoluta e relativa dos impostos, enquanto expressão do princípio da igualdade, o princípio da tributação pelo rendimento real que impõe, de uma forma clara e transparente, que o tributo deverá pautar-se pela adequação, necessidade e proporcionalidade ao abrigo do princípio da proporcionalidade, os princípios da igualdade e universalidade e ainda o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica.
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Viola ainda os artigos 4º, 5.º, n.º 2, 8.º e 13º da LGT ao não revelar de forma totalmente clara e precisa a definição da sua incidência objetiva e os pressupostos do tributo.
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Foi intenção do Governo que fossem as entidades do setor energético a suportar, totalmente, o encargo do novo tributo, sendo a receita que provém da CESE consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, nos termos do preceituado no artigo 11.º do regime jurídico da CESE.
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Em face dos desígnios subjacentes à criação da CESE e do FSSSE, é manifesto que o seu cariz seria forçosamente temporário, com vista não só ao financiamento de políticas de sustentabilidade do setor energético e ao financiamento do défice tarifário, mas também tendo como foco a contribuição para o equilíbrio das contas públicas.
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Assim sendo, para a efetivação da autoliquidação, a CESE apresenta então a sua incidência sobre os ativos líquidos fixos tangíveis, os ativos intangíveis (com exceção de propriedade intelectual) e os ativos financeiros, desde que afetos a concessões ou atividades licenciadas, estando, por isso, intimamente relacionada com a atividade operacional dos respetivos sujeitos passivos os ativos a tributar.
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Foi ainda objetivo de criação da CESE a redução do défice tarifário, dispondo o Decreto-Lei n.º 29/2006 de 15 de fevereiro as bases gerais da organização do SEM, prevendo, designadamente, que relativamente às condições de venda de eletricidade, o Comercializador de Último Recurso (CUR) deve aplicar aos seus clientes tarifas reguladas, publicadas pela ERSE, de acordo com o estabelecido no Regulamento Tarifário.
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Afigura-se inócuo e até abusivo que, para além do esforço empunhado pelos grupos do setor energético, (entretanto divididos em estruturas societárias autónomas por imposição legal) venha ainda a ser imputado a outras empresas do grupo – e em concreto à impugnante A…….. – o pagamento de uma “contribuição” que, sublinhe-se, tem como mesmíssima finalidade o financiamento deste mesmo défice, o qual, em boa verdade, deveria ser suportado pela generalidade dos consumidores de energia.
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No plano jurídico-fiscal, a CESE subsume-se, sem margem para dúvidas, à figura de tributo, sendo essencial avaliar o cumprimento dos preceitos legais e constitucionais que lhe estão intrínsecos, incluindo-se a possibilidade de recondução da CESE a qualquer uma das categorias típicas de tributo, expressamente previstas na lei.
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Nestes moldes, seguindo-se o guião imposto pelos artigos 3.º, n.º 2 e 4.º da LGT, os tributos revestem-se sob a forma de imposto, taxa ou contribuição especial.
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No sentido estrito da tipicidade tributária, a figura da CESE não se encontra especialmente prevista na LGT e, nesta perspetiva, poder-se-ia concluir que a mesma não integra a classificação de tributos previstos pelo legislador e antes poderia configurar uma contribuição financeira, com acolhimento constitucional expresso no artigo 165.º, n.º 1 alínea i) da CRP.
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A análise abstrata dos conceitos aproxima a figura da contribuição com a da taxa, sendo entre elas sinal diferenciador o sinalagma difuso que pauta a contribuição e que se traduz na impossibilidade de se determinar concreta e individualmente quais e de que modo os seus sujeitos passivos beneficiam da contraprestação, enquanto nas taxas o sinalagma é efetivo, estabelecendo-se uma concreta bilateralidade entre o serviço prestado e a contribuição paga.
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Consequentemente, as taxas e contribuições devem encontrar correspondência com o custo ou valor das prestações públicas, sendo elementar que, no cumprimento da Lei, seja observada uma equivalência efetiva com custos ou benefícios reais e não apenas especulativos ou imaginários.
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Deste pressuposto facilmente se depreende que a figura da CESE não apresenta, “tout court”, a natureza sinalagmática exigida com maior grau de compromisso, no que concerne à taxa e ainda que, com a caracterização já indicada da contribuição, que decorre da LGT, certo é que a CESE não poderá enquadrar-se também neste tipo de tributo.
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O que significa que, perante este circunstancialismo, é concretamente aplicável o regime dos impostos, já que a CESE não consubstancia a contraprestação pela existência de uma troca que, presumivelmente, provoca benefícios para a reclamante ou um aumento do valor dos seus ativos.
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Pelo que, ainda que seja atendível e compreensível a necessidade de fomentar a sustentabilidade sistémica, como vem especialmente evidenciado na sentença recorrida, crê-se não ser a CESE o instrumento tributário correto para aprovisionar o FSSSE.
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Sendo a CESE um verdadeiro imposto, separa-se desde logo dos restantes tributos à luz da unilateralidade que o caracteriza, já que não cria um benefício para os seus sujeitos passivos, mas antes para o Estado em geral e aos consumidores em particular.
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Na mesma linha, reforçando-se a unilateralidade da CESE, tenha-se em linha de conta que os objetivos da figura são o equilíbrio das contas públicas, sustentabilidade sistémica do setor energético, políticas públicas sociais e ambientais do setor energético e a diminuição da divida tarifária, sendo todos eles absolutamente desprendidos do facto tributário que se associa à mera detenção de ativos.
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No entanto, a impugnante entende que a CESE desrespeita claramente os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real porquanto, como ressalta de uma visão meramente superficial, não será correto pressupor a capacidade contributiva de um sujeito passivo com base na mera detenção de ativos.
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Respeitando o princípio da capacidade contributiva, os impostos aplicáveis às sociedades devem incidir sobre o lucro efetivamente obtido pelas empresas, determinado à luz da sua contabilidade, composto posteriormente por determinadas correções fiscais; sendo que, a aplicabilidade deste princípio implica que ao lucro das empresas resultante do desenvolvimento da sua atividade sejam deduzidos os custos em que incorreu, precisamente com o desenvolvimento dessa atividade.
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Deste patamar facilmente se depreende que o legislador errou ao entender que os ativos dos sujeitos passivos da CESE traduzem a sua capacidade contributiva.
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Mais grave é ainda a regra da não dedutibilidade e da não repercussão, estabelecidas pelos artigos 12.º e 5.º do Regime Jurídico da CESE, que violando os princípios da capacidade contributiva e de tributação pelo rendimento real, configuram uma infeliz situação de dupla tributação, cuja invocação desde já se apresenta.
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A CESE, peregrina no ordenamento jurídico português, assenta na tributação do rendimento presumido, aferido de acordo com a expressão monetária dos ativos, sem qualquer consideração pela capacidade contributiva manifestada pelos seus sujeitos passivos e, por essa via, manifestamente violador do princípio da igualdade.
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A CESE e a sua criação não consideraram que já existia um imposto sobre o rendimento das empresas denominado IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas).
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Por conseguinte, retomando a temática da inconstitucionalidade, é de referir que a presunção do lucro por esta via é absolutamente inconstitucional por violação expressa do artigo 104.º, n.º 2 da CRP.
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É manifestamente ilegal a autoliquidação imposta da CESE por ser sustentada em normas inconstitucionais.
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O princípio da proporcionalidade é uma decorrência do princípio da igualdade e do princípio da capacidade contributiva, o qual apresenta...
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