Acórdão nº 0180/19.1BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 08 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação judicial do acto do órgão da execução fiscal com o n.º 180/19.1BELLE 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal julgou procedente a reclamação judicial deduzida pelo acima identificado recorrido, de que fosse anulado o despacho por que o Director de Finanças de Faro decidiu suspender a apreciação do pedido de anulação de venda por ele formulado relativamente a uma venda em sede de execução fiscal. Com o requerimento de interposição de recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1- Deve revogar-se a douta sentença sub judice, julgando-se improcedente a Reclamação, pois na hipótese dos autos tem todo o cabimento suspender a decisão da anulação de venda porque não lhe falta o nexo de prejudicialidade, nos termos da norma contida no n.º 1 do artigo 272.º CPC, em relação à acção deduzida por B……...
2- É que, proposta acção em que a autora requer que se declare a sua propriedade sobre o bem vendido, esta se procedente, de harmonia com o regime da venda de bens alheios (art. 892.º C.C.), torna a venda em execução fiscal nula, destrói os seus efeitos (art. 289.º C.C.), faz desaparecer o objecto da anulação de venda.
3- Logo, é evidente, que essa acção compromete a decisão a proferir na anulação de venda, verdadeira prejudicialidade e dependência tal como se prevê no artigo 272.º n.º 1 CPC que visa a economia e coerência das decisões.
4- Pelo que, a nosso ver, em tais circunstâncias é legítimo sobrestar na decisão da anulação de venda até que o tribunal cível se pronuncie».
1.3 O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.3 O Recorrido contra-alegou o recurso, formulando conclusões do seguinte teor: «a. A douta decisão do Tribunal a quo não merece qualquer censura, nem são procedentes e dissuasores do sentido daquela decisão os fundamentos invocados pelo Representante da Fazenda Pública em sede de recurso.
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Com efeito, como fundamento do presente recurso a Recorrente alega que “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta”, assim se estabelecendo um nexo de prejudicialidade, entendendo que se verifica, no presente caso, este nexo de prejudicialidade, c. A causa de pedir na acção declarativa interposta por B……. (ocupante) corresponde ao acto ou facto jurídico gerador do direito de propriedade desta sobre o imóvel, e esta não é minimamente atacada pelo pedido de anulação da venda efectuada em sede de Execução Fiscal.
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Pois que o pedido de anulação da venda e restituição dos respectivos montantes despendidos é fundado na legítima perda de interesse no negócio e no bem, pelo que é claramente compatível com qualquer sentido que a decisão – favorável ou desfavorável – no processo declarativo cível possa tomar.
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A declaração de B…….. como proprietária ou, contrariamente, como não proprietária do imóvel não é pressuposto ou fundamento do pedido de anulação da venda, o que só se verificaria no caso de o Reclamante, ao invés da anulação da venda, requeresse a imediata entrega do bem, o que não é o caso.
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E mesmo que seja declarado o direito de propriedade de B………, procedendo o pedido efectuado em acção cível, não se tratará a venda judicial de uma venda de bens alheios e, consequentemente, nula, como entende a Fazenda Pública, pois a penhora do referido imóvel é anterior e foi registada anteriormente à aquisição por B………, que assim adquiriu um bem onerado/com encargo, conforme supra explanado, conforme resulta dos factos provados A), D), H), I) e J), não sendo a venda oponível à execução, conforme disposto no artigo 819.º do CC.
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Ou seja, com a decisão que recaia sobre o pedido de anulação da venda, sem que antes seja proferida decisão sobre o peticionado por B………. em acção cível, em nada prejudica a economia e coerência das decisões.
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Nada mais restando, assim, do que concluir que a decisão a proferir na acção cível deduzida por B………. não consubstancia causa prejudicial face ao pedido de anulação da venda formulado pelo Recorrido, dado o seu fundamento, pois que em nada interfere com a decisão a proferir sobre o pedido formulado pelo ora Recorrido, conforme concluiu, e bem, o Tribunal a quo.
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Não se verificando, na verdade, a situação prevista no artigo 272.º, n.º 1 do CPC ex vi do artigo 2.º, al. e) do CPPT, estando assim impedida a suspensão da decisão de anulação nos termos efectuados pela Fazenda Pública.
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Tal é igualmente o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina e jurisprudência, designadamente do Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 07-01-2010, processo n.º 940/08.9TVPRT.P1, do Tribunal da Relação de Évora, em acórdão datado de 15-07-2015, processo n.º 21/12.0TBPSR.E1, e do Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 29/09/1993, processo n.º 084216 e em acórdão de 06/07/2005, processo n.º 05B1522, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Pelo que deve manter-se o decidido pelo douto Tribunal a quo e, em consequência, ser anulada a decisão proferida em 15/01/2019 pelo Director de Finanças de Faro, que suspendeu a decisão a proferir quanto ao pedido de anulação de venda apresentado pelo ora Recorrido.
Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., não deve ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a decisão do douto Tribunal a quo e, em consequência, ser anulada a decisão proferida em 15/01/2019 pelo Director de Finanças de Faro, que suspendeu a decisão a proferir quanto ao pedido de anulação de venda apresentado pelo ora Recorrido».
1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, depois de enunciar os termos da questão a dirimir, com a seguinte fundamentação: «[…] Prescreve o n.º 1 do art. 272.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º al. e) do CPPT, que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Ora, se bem que a decisão da acção onde se discute a propriedade do imóvel seja questão de indiscutível relevo para a resolução de toda a problemática associada ao destino do bem penhorado, cuja venda o Reclamante, ora Recorrido, pretende ver anulada, a verdade é que a decisão do pedido de anulação por este formulado não está condicionado à solução relativamente à propriedade do imóvel.
Assim, tendo em conta os concretos fundamentos em que se suporta o pedido de anulação da venda, dos quais está arredada, quer a título principal, quer incidental, qualquer discussão em torno da questão da propriedade do imóvel vendido, será legítimo concluir, como concluiu a decisão recorrida, que a decisão da acção n.º 20675/18.3T8SNT, a que acima se aludiu, não consubstancia causa prejudicial da decisão a proferir sobre o pedido de anulação de venda formulado pelo Reclamante, que dela não depende».
1.5 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade: «
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Através da AP. 77, de 27-08-1997, foi registada a favor do executado C………., a aquisição do prédio urbano, designado pela letra “G”, destinado a habitação, com arrecadação no sótão, que corresponde ao terceiro andar direito, sito na Rua …………………….-……….., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias …………, Concelho de Sintra, sob o artigo 1463 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém, sob o n.º 562/20031210 (cfr. fls. 59 a 61 do Documento n.º 004496364 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); B) Em 19-01-2009, foi instaurado contra a sociedade D………., Lda., no Serviço de Finanças de Albufeira, o processo de execução fiscal n.º 1007200901003305, ao qual foram apensos os processos 1007201001134604, 1007201001143050, 1007201101039431, 1007201101088572, 1007201201141686, 1007201201164341, 1007201201177540, 1007201301171100, 1007201301171925, 1007201401021117, 1007201401023756...
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