Acórdão nº 0454/14.8BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI] interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 23.11.2018, que, «negando provimento à apelação que interpôs da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra» [TAF] a confirmou - embora com diferente fundamentação -, desta forma mantendo o julgamento de procedência da acção administrativa especial [AAE] intentada por A………..

    e anulando, assim, a decisão que o puniu com a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão.

    Conclui as suas alegações de revista formulando estas conclusões: 1- A admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito [ver artigo 150º, nº1, do CPTA], na medida em que o douto acórdão impugnado não serve de orientação aos tribunais de 1ª instância no tratamento de questões de direito com inescapável relevância jurídica ou social, como são as questões da prescrição do procedimento disciplinar e da identificação da decisão final do procedimento disciplinar; 2- Torna-se necessária a intervenção do STA para indicar qual a decisão administrativa que marca o termo final da contagem do prazo de 4 anos e meio de prescrição do procedimento disciplinar na PSP; 3- Concretizando, impõe-se identificar se esta decisão final relevante é a decisão a que alude o artigo 88º do RD/PSP, que é tomada pela hierarquia competente [de acordo com o QUADRO ANEXO B], no termo do processo disciplinar, ou se é a decisão do último recurso hierárquico que tenha sido interposto pelo interessado; 4- O douto acórdão impugnado defende esta última posição, mas incorre em erros de direito, que o Supremo Tribunal está em condições de corrigir, admitindo o presente recurso de revista; 5- Instaurado o PD, o procedimento visa atingir um de dois desideratos: ou o arquivamento ou a punição disciplinar [ver artigos 87º, nº1, e 88º, do RD/PSP]; 6- De um modo ou outro põe-se termo à situação de indefinição acerca do exercício do poder disciplinar; ou seja - é a posição que agora defendemos -, põe-se termo à contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar; 7- A decisão tratada no artigo 88º do RD/PSP põe termo ao procedimento disciplinar e constitui um acto administrativo, tal como ele é definido pelo artigo 148º do CPA; 8- Essa decisão poderá ser objecto de impugnação, mas, se tal não acontecer, ficará a ser a decisão [definitiva] da PSP em matéria de exercício de poder disciplinar; 9- A decisão do artigo 88º põe termo ao procedimento disciplinar, que o RD/PSP trata nos artigos 75º a 89º e que distingue com clareza da fase dos recursos, que é regulada nos artigos 90º a 96º; 10- O processo disciplinar na PSP é um procedimento administrativo, não sendo por isso de estranhar que siga o padrão instituído pelo CPA, que igualmente separa o tratamento da fase do procedimento administrativo [artigos 53º a 183º] da fase das reclamações e recursos administrativos [artigos 184º a 199º]. Ou seja, 11- O CPA e o RD/PSP estabelecem, com clareza, que a tomada de decisão administrativa, no termo do procedimento, é coisa diversa da impugnação administrativa da decisão tomada; 12- Deve até ser considerado que o novo CPA reforçou, na revisão de 2015, a centralidade da emissão do acto administrativo, do acto de 1º grau, como resulta do disposto nos artigos 129º e 197º, nº4; 13- Nesses termos, deve sublinhar-se que o CPA só institui o dever legal de decidir relativamente aos actos de 1º grau, e uma vez emitido o acto de 1º grau, cessa, em regra, o dever legal de decidir. Com efeito, 14- A autoridade perante quem seja apresentada a impugnação administrativa não tem o dever legal de a decidir; 15- E, perante tal silêncio, cumpre dar aplicação ao disposto no artigo 198º, nº4: o interessado tem a faculdade de impugnar contenciosamente o acto do órgão subalterno; 16- Ora, é bem verdade que esse silêncio da autoridade ad quem é impensável em processo criminal [ou administrativo]: o tribunal superior tem o dever de decidir o recurso jurisdicional, porque a decisão deste - e só ela - será a decisão final da justiça portuguesa sobre aquela situação; 17- Pode, assim, afirmar-se que o acórdão impugnado errou porque incorreu numa confusão entre o regime dos recursos administrativos [hierárquicos] e o regime dos recursos jurisdicionais, no tratamento desta matéria [prescrição do procedimento]; 18- O regime dos recursos jurisdicionais estatui que, em caso de recurso, é a decisão do último tribunal interpelado aquela por que se aguarda e aquela que fica a valer. Ora é muito diverso o regime das impugnações administrativas [hierárquicas]: o superior hierárquico pode ignorar, pura e simplesmente, a impugnação do interessado; e, nesse caso, o interessado impugnará em tribunal a decisão expressa do subalterno; 19- O que se disse conduz à conclusão de que a decisão final que marca o termo do prazo de prescrição é a decisão a que se refere o artigo 88º do RD/PSP. No caso, o despacho do Senhor Comandante Distrital da PSP de Leiria, de 10.04.2012 [ver ponto 21 do provado]; 20- Por assim ser, impõe-se a conclusão de que o acórdão do TCAN, de 23.11.2018, errou ao considerar que a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar só terminou com a emissão do despacho do Senhor Secretário de Estado, de 07.03.2014 [ver ponto 31 do provado]; 21- O STA tem ainda ocasião de corrigir um outro erro do acórdão impugnado, quando afirma: «No caso, face ao artigo 55º, nº5, do RD/PSP, não há que ressalvar qualquer tempo de suspensão» [ver folha 26]. Com efeito, 22- O acórdão incorre em erro sobre a interpretação do RD/PSP - e sobre a própria norma do nº5 do artigo 55º -, ao desprezar a estatuição do artigo 37º, nº3, que prevê «a suspensão do procedimento até que se conclua processo criminal pendente», quando «a autoridade com competência disciplinar […] o repute conveniente» para a administração da justiça disciplinar.

    Termina pedindo a admissão do recurso de revista e o seu provimento, com a revogação do acórdão recorrido por ter julgado prescrito o procedimento disciplinar.

    2. O recorrido – A………..

    - não apresentou contra-alegações.

    3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal [Formação a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA].

    4. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso de revista - artigo 146º, nº1 do CPTA].

    Esta pronúncia mereceu a expressa discordância do ora recorrente, que veio reiterar as teses defendidas nas suas alegações de revista [artigo 146º, nº2, do CPTA].

    5. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

  2. De Facto Os factos que nos vêem das instâncias como provados são os seguintes: 1- Em 05.12.2007, deu entrada nas instalações da Direcção Nacional da PSP missiva subscrita por B……… e C……… à qual se juntou: - Despacho da Magistrada do Ministério Público de Soure, de data ignota, com o seguinte teor: «Valido a constituição como arguido de A……… efectuada nestes serviços do Ministério Público […] - Relato de B………. dirigido ao Director da PJ de Coimbra, donde se retira o seguinte: […] Vem participar criminalmente contra […] A……… […] O que faz nos termos e fundamentos seguintes: 1º No mês de Maio de 2007, em dia que o denunciante não consegue precisar, o denunciado A………..

    e sua esposa D……….

    , deslocaram-se à residência do ora denunciante com o objectivo de receberem uma suposta dívida no valor de mil euros.

    1. Dívida que, segundo o denunciado, a E……… Lda.

      , na qual a esposa do denunciante detinha participação social supostamente teria para com a esposa do denunciado há já três anos enquanto ex-trabalhadora daquela.

    2. O ora denunciante explicou então que não era sócio nem gerente da referida firma mas que era apenas familiar dos sócios da mesma e que, portanto, embora desconhecendo se a dívida existiria ou não ou até mesmo se a mesma já teria prescrito, nada tinha a ver com a mesma.

    3. Perante esta explicação o ora denunciado, aparentemente, aceitou-a, no entanto, alguns dias depois telefonou ao ora denunciante ameaçando este de que, se não pagasse a referida dívida, iria recorrer à solução de cobrança de dívidas difíceis, podendo, o ora denunciante, receber uma visita nesse sentido.

    4. Tal desiderato veio a confirmar-se em 16.06.2007, quando o segundo denunciado se fez transportar no seu veículo de matrícula …………, até à habitação do denunciante, transportando um outro indivíduo que se veio a apurar ser o denunciado F……….

    5. O ora denunciando, F…….

      , ao chegar junto da habitação do denunciante, recebeu instruções do denunciado A……..

      , no sentido de abordar o denunciante por forma a tentar receber, fosse de que forma fosse, a quantia já mencionada, posto o que o denunciado A……….

      se afastou cerca de duzentos metros, aguardando pelo resultado da investida do mencionado F…….

    6. Este último deslocou-se então à habitação do denunciante e falou com a esposa do mesmo a perguntar pelo denunciante, tendo sido informado que vinha cobrar duas dívidas, uma da senhora D………..

      e outra da senhora ………..

      , também esta uma ex-funcionária da mencionada firma.

    7. Assim, ao ser informado que o denunciante não se encontrava em casa, o denunciado F……..

      deixou a promessa de que viria mais tarde tendo tal acontecido no dia 21.06.2007 pelas 15H45.

    8. Com efeito, nesta data o denunciante ao ser confrontado com esta situação e temendo pela sua, assim como da sua esposa, integridade física, bom nome e saúde, solicitou o auxílio dos agentes do posto da GNR de Soure, tendo os mesmos procedido à identificação do denunciado F……..

      , que até então era desconhecido do denunciante.

    9. Na altura em que estava a ser efectuada a identificação do denunciado pelo agente da GNR, Senhor ………..

      , o ora denunciado, A………, surgiu descontrolado e sugeriu que se identificasse também o agente identificador.

    10. Após este episódio, o ora denunciante, começou a receber ameaças para o seu telefone fixo, sendo que a última foi feita no dia 26.06.2007 às 00H30 nos seguintes termos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT