Acórdão nº 0360/12.0BECBR 449/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. O Representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial «do estorno e acerto de liquidação de IRS referentes ao ano de 2010 e respetivos juros, tudo no saldo de € 8.841,68», interposta por A……….

, contribuinte fiscal n.º …….., com domicílio indicado em …….., ……….., ……-…… Pampilhosa da Serra, e esposa B……..

, contribuinte fiscal n.º ……….., com o mesmo domicílio.

Recurso este que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos está em causa a partilha de um bem na sequência de divórcio, partilha esta que constitui um ato oneroso, subsumível à aI. a) do n.º 1 do art.º 10° do CIRS, por constituir um incremento patrimonial resultante de uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (no caso, um bem imóvel); 2. No entanto, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da liquidação em análise, por considerar que apenas as mais-valias realizadas podem ser tributadas, pelo que, e resultando provado que o pagamento das tornas devidas ao Impugnante não foi efetuado, haverá que considerar que a liquidação em causa carece de facto tributário, o que determina a respetiva anulação; 3. No entanto, tal conclusão assenta, com todo o respeito pela douta sentença proferida, em erro na interpretação efetuada pela Mm.ª Juiz do art.º 10° do CIRS, que conduziu à decisão por tal procedência; 4. O CIRS não fornece diretamente um conceito próprio de transmissão de bens sujeitos a tributação em sede de mais-valias, todavia, e para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a titulo gratuito, aquele que haja sido considerado, ou que lhe serviria de base, se fosse devido, para efeito de liquidação do imposto do selo (IS), no caso de bens ou direitos adquiridos a titulo oneroso, aquele que tiver servido, ou que serviria de base, se fosse devido, para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT), e, por sua vez, o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele, sendo o valor do terreno determinado pelas regras constantes dos referidos n,ºs 1 e 2, conforme se verifica pelo disposto no n.º 1 do art.º 45° e nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 46° do CIRS; 5. Pela leitura destas normas conclui-se que o legislador pretendeu fazer coincidir o conceito de transmissão para efeitos de IRS com o utilizado para efeitos de incidência de IS e/ou IMT, devendo entender-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a IS, operando uma transmissão a título oneroso quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a IMT, independentemente do imposto ser, no caso concreto, devido; 6. De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 1° do CIMT, "O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem", por sua vez, o n.º 1 do art.º 2° determina que "O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional” e, de acordo com a al. c) do n.º 5 do mesmo artigo "Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente: (...) c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário"; 7. Assim sendo, no caso de dissolução do casamento por divórcio, em que um dos ex-cônjuges ficou com o bem imóvel, e relativamente ao excesso da sua quota-parte, estar-se-á perante uma transmissão de bens ou direitos, para efeito de incidência de IMT, pois que adquire do outro cônjuge o direito que este detinha sobre o bem imóvel, pagando-lhe uma parcela, em compensação, vulgarmente denominada "tornas", e, correlativamente, para o outro ex-cônjuge, perante uma transmissão para efeitos de tributação em IRS, a título de mais-valias; 8. Tal conclusão decorre, necessariamente, do disposto no art.º 1°, n.º 1, 2°, n.º 1, n.º 5, al. c) e 4°, al. a), todos do CIMT, conjugado, com os art.º 10° e 46° do CIRS; 9. E isto não obstante o excesso da quota-parte resultante de ato de partilha por efeito de dissolução do casamento se encontrar excluído de tributação, em sede de IMT, de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 2° do CIMT, posto que só é afastado de tributação, o que se encontrava, a priori, sujeito; 10. Por sua vez, o art.° 44º do CIRS, na redação vigente à data, determinava que: 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (...) f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. (...) " 11. Da análise das citadas normas conclui-se que se consideram mais-valias quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, designadamente por via da transmissão onerosa de bens imóveis, ainda que alheios à atividade ou vontade da entidade em cujo património tal valorização se irá repercutir a final, e independentemente do destino de tais rendimentos; 12. Por sua vez, a vantagem patrimonial refere-se, assim, exclusivamente, à diferença entre os valores de realização e de aquisição, sendo totalmente irrelevantes, para efeitos da incidência do IRS, outras circunstâncias da alienação onerosa dos imóveis, designadamente o destino ou finalidade dada ao valor de realização; 13. Considerando-se os ganhos obtidos, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 10° do CIRS "no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, (...), sendo o "ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (...) ", de acordo com o n.º 4 desta norma legal; 14. Conclui-se ainda que a circunstância de o alienante prescindir do valor de realização, e porque só se prescinde daquilo a que se tem direito, não impede a formação do ganho sujeito a tributação, o qual se gera em consequência da referida diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo aquela circunstância inócua para efeitos de aferição da sujeição a imposto; 15. É que, existindo um concreto acréscimo patrimonial, ou mais-valia, traduzida na diferença entre o preço de aquisição e o preço de alienação do imóvel, tal acréscimo entra efetivamente na esfera jurídica do sujeito passivo, ainda que este não receba qualquer valor pecuniário; 16. Pois, de facto, uma coisa é ter obtido ganho (ocasional, fortuito), que derivou da alienação onerosa de direitos reais (in casu direito de propriedade) sobre imóveis, outra bem diversa é o impugnante, ora recorrido, não ter recebido o valor que lhe cabia, sendo o impugnante, sem qualquer dúvida titular daquele rendimento resultante da dita alienação; 17. Pois o transmitente, ora recorrido, terá prescindido do valor a que tinha direito, pois declarou ter recebido as tornas a que teria direito, quando tal não ocorreu, mas, e ainda que o recorrido não houvesse prescindido das mesmas, o que não se concede, e apenas para meros efeitos de raciocínio se admite, sempre se demonstra o seu desinteresse na obtenção do valor de realização, apenas a ele imputável, não lançando mão das providências necessárias para reaver o seu crédito, obtendo, assim, a satisfação do seu direito, prescindindo, assim, e desta forma, desse direito; 18. E tendo o impugnante, ora recorrido, prescindido do valor de realização, pelos motivos que entendeu, estando, de resto, no seu pleno direito de o fazer, no plano do direito civil, quer ao nível do direito das obrigações, ao abrigo da liberdade contratual, quer ao nível dos direitos reais (direito de propriedade) por se tratar de direito disponível, não existe qualquer norma de delimitação negativa ou de exclusão tributária, estando tal ganho resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sujeito a tributação em sede de mais-valias, nos termos do n.º 1, aI. a) do art.º 10° do CIRS, e considerando-se o ganho obtido, no caso sub judice, "no momento da prática dos atos previstos no n.°1", ou seja, na data da partilha do património conjugal; 19. Pelo que a sentença deveria ter interpretado e aplicado o n.º 1, aI. a), nº 3 e n.º 4, todos do art.º 10° do CIRS, neste sentido e ao não fazê-lo violou justamente aquela norma legal e incorreu em erro de julgamento de direito; 20. De facto, aquelas normas deveriam e devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de que o facto de o recorrido não ter recebido o valor do preço a que tinha direito, tal circunstância é fiscalmente irrelevante no sentido que, no plano do direito tributário, a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis nestes termos constituem um ganho, que se considera realizado na data dessa alienação, independentemente do destino que o seu titular dê a esse ganho, designadamente dele prescindindo; 21. No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 2015-06-25, no proc.º 341/14, pode ler-se: "Conclui-se...

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