Acórdão nº 01138/18.3BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: 1.“A……………., SA”, melhor identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, intimação judicial para a emissão do alvará de autorização de utilização, nos termos dos artigos 111.º, al c), 113.º, n.º 5 e 112.º, n.º 7, do RJUE, contra o Município de Cascais, pedindo que se intime o Presidente da Câmara Municipal de Cascais a emitir a autorização de utilização que havia requerido.

Por sentença datada de 12 de Dezembro de 2018, o TAF julgou procedente a intimação judicial, intimando o Presidente da Câmara Municipal de Cascais a, no prazo de trinta dias, emitir o requerido alvará de autorização de utilização.

O Requerido interpôs recurso desta sentença para o TCA Sul, o qual, por acórdão de 26 de Setembro de 2019, negou-lhe provimento, confirmando a sentença.

Deste acórdão, o Município de Cascais interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “A.

O douto Acórdão recorrido foi proferido no âmbito de um processo, especial e autónomo, de intimação para emissão de alvará de utilização de edifício, previsto nos artigos 113.º, n.º 5 e 112.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua atual redação, que aprovou o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (doravante RJUE); B.

Tal Acórdão negou provimento ao recurso interposto pelo MUNICÍPIO DE CASCAIS da douta sentença de fls., proferida em 12/12/2018, que decidiu intimar aquela Entidade a emitir, no prazo de trinta dias o alvará de autorização de utilização requerido pela ora Recorrida, A……………., S.A.; C.

O Acórdão em crise – tal como a sentença da primeira instância – efetuou incorreta interpretação e aplicação das normas do RJUE e do CPA em que se motiva, da mesma forma que interpretou tais normas de forma não consentânea com a Constituição, visto que desconsiderou as atribuições e competências que estão cometidas aos municípios por força do artigo 235.º da Constituição e da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro; D.

O Recorrente fundamenta a interposição do presente recurso de revista tanto no pressuposto da existência de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, quanto pela evidência de a admissão do presente recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tudo ao abrigo do disposto no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA; E.

As questões decididas no Acórdão recorrido assumem uma especial relevância jurídica e social, da mesma forma que a admissão e julgamento da presente revista é claramente necessária, e mesmo indispensável, para uma melhor aplicação do direito, em especial do RJUE, cujas normas possuem um campo de aplicação muito vasto, com incidência direta em inúmeras atividades económicas e com evidentes repercussões nas competências das autarquias locais e nos direitos e garantias dos particulares; F.

Com efeito, é questão da maior relevância jurídica e social, determinar com grau de certeza i) se a concessão da autorização de utilização prevista nos artigos 62.º e seguintes do RJUE configura, ou não, um ato vinculado, ii) se tal vinculatividade emerge do relatório das vistorias previstas no artigo 65.º do RJUE, iii) se no referido procedimento de autorização de utilização a competência do presidente da câmara municipal fica limitada à verificação da conformidade da obra executada com o projeto de arquitetura aprovado, iv) se a aprovação do projeto de arquitetura leva à conclusão que o edifício está adequado ao uso pretendido, ainda que factos supervenientes indiciem o contrário, v) se o alvará de autorização não é condição de eficácia do ato autorizativo da utilização do edifício, vi) se o indeferimento expresso do pedido de autorização de utilização não revoga, ou anula, os efeitos de anterior deferimento tácito de tal pedido e vii) se o referido deferimento tácito ocorra, por força do disposto na alínea c) do artigo 111.º do RJUE, quando tenha decorrido o prazo de 10 dias a contar da data da realização da segunda vistoria prevista no artigo 65.º do mesmo diploma; G.

Determina o artigo 411.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) que incumbe ao juiz realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, sendo que o n.º 2 do artigo 107.º do CPTA estatui que “concluídas as diligências que se mostrem necessárias” é proferida pelo juiz a decisão final; H.

A sentença do TAF de Sintra corresponde, necessária e logicamente, ao Despacho Saneador previsto no artigo 88.º do CPTA, pelo que, por força da alínea b) do seu n.º 1, apenas poderia conhecer, como conheceu, do mérito da causa e do pedido deduzido pela A., ora Recorrida, se a questão fosse apenas de direito, ou sendo também de facto, o estado do processo tal permita sem mais indagações; I.

No caso dos autos, nem o julgamento do litígio fazia apelo a meras questões de direito, nem o processo continha, todos os elementos necessários à decisão, tanto mais que ambas as Partes haviam requerido produção de prova testemunhal, pelo que por força do disposto nos artigos 87.º e seguintes do CPTA, sempre se impunha a fase de instrução do processo e a inerente produção de prova; J.

O Acórdão sindicado violou o disposto no artigo 411.º do CPC, nos artigos 87.º, 88.º, n.º 1, alínea b) e 107.º, n.º 2, do CPTA, da mesma forma que violou o princípio da tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º da Constituição e no artigo 2.º do CPTA; K.

E igualmente enferma aquele aresto da nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, uma vez que não conheceu da violação dos artigos 20.º e 268.º da Constituição e do artigo 2.º do CPTA, não obstante tal questão ter sido invocada pela Recorrente [vide alínea I) das Conclusões das Alegações]; L.

O ato de aprovação do projeto de arquitetura constitui uma decisão meramente instrumental e preparatória da decisão final, que não inibe a câmara municipal de ponderar outros factores de manifesto interesse público, nomeadamente os previstos nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 24.º do RJUE, e com fundamento nos mesmos rejeitar o pedido de licenciamento submetido pelo requerente, pelo que contrariamente ao entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, “a margem de livre decisão na apreciação das questões do uso proposto” no projeto de arquitetura não se esgota na fase de análise e aprovação do mesmo, prevista no artigo 20.º do RJUE; M.

Com efeito, os factos enunciados nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 24.º do RJUE, não só não constam do elenco das matérias previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º do mesmo diploma (sobre as quais deverá incidir a apreciação do projeto de arquitetura), como constituem situações diretamente relacionadas e dependentes das concretas utilizações que se pretende dar ao edifício; N.

Carece de fundamento bastante a posição sufragada pelo Acórdão em crise segundo a qual, uma vez aprovado o projeto de arquitetura, fica, definitivamente, assente que o edifício se destina ao uso previsto em tal projeto, e implicitamente autorizada essa utilização, tanto mais que o n.º 1 do artigo 62.º do RJUE estatui que a autorização de utilização de edifícios destina-se a verificar i) a conformidade da obra com o projeto de arquitetura aprovado, bem como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam usos e utilizações admissíveis; O.

A concessão da autorização de utilização não depende apenas da verificação de um único pressuposto, mas de dois: conformidade entre a obra executada e o projeto aprovado; conformidade da utilização com as normas legais e regulamentares aplicáveis; P.

Estatui o n.º 5 do artigo 65.º do RJUE que “[n]o caso da imposição de obras de alteração decorrentes da [primeira] vistoria, a emissão da autorização requerida depende da verificação da adequada realização dessas obras, mediante nova vistoria a requerer pelo interessado, a qual deve decorrer no prazo de 15 dias a contar do respetivo requerimento.”; Q.

Assim, o entendimento perfilhado pelo Acórdão recorrido consubstancia um claro erro de julgamento, já que nada permite concluir – antes pelo contrário – pela aplicabilidade do n.º 4 do artigo 65.º do RJUE à aludida segunda vistoria, uma vez que a norma apenas se refere à primeira vistoria (a determinada nos termos do n.º 2 do artigo 64.º), interpretação esta que resulta quer da inserção sistemática do n.º 4, posto o mesmo anteceder o n.º 5 do artigo 65.º (norma esta que introduz a designada segunda vistoria), quer dos objetivos visados em cada uma das vistorias, objetivos esses que não são idênticos; R.

Improcede manifestamente a argumentação expendida pelo tribunal a quo, segundo a qual o facto de a comissão de vistoria concluir pela inexistência de razões que obstem ao deferimento do pedido de autorização de utilização determinaria a impossibilidade do indeferimento de tal pedido, pelo órgão competente para decidir; S.

Não existe, nem no RJUE, nem em qualquer outra sede, alguma norma que determine que, “após a segunda vistoria, [o ato de autorização de utilização e emissão do respetivo alvará] é um ato vinculado”, sendo que semelhante interpretação – aliás adoptado pelo Acórdão recorrido – redundaria na violação do estatuído na parte final do n.º 1 do artigo 62.º do RJUE, posto conferir ao ato de autorização de utilização um conteúdo e alcance limitadíssimos, uma vez que o mesmo ficaria circunscrito a uma mera verificação (técnica) de conformidade (entre a obra realizada e o projeto aprovado) a qual, a confirmar-se, teria, como consequência, direta e imediata, a permissão de utilização do imóvel, ainda que a mesma se mostrasse contrária às normas legais e regulamentares aplicáveis; T.

O Acórdão recorrido violou, por errada interpretação, o disposto no n.º 1 do artigo 62.º do RJUE, bem como os artigos 64.º e 65.º do mesmo diploma, tendo ainda efetuado de tais normas uma interpretação contrária ao artigo...

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