Acórdão nº 0978/19.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução02 de Abril de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    A……………. - identificado nos autos – recorreu «per saltum» para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 151.º do CPTA, da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 29.10.2019, que julgou improcedente o seu pedido de INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS requerido contra a ORDEM DOS ADVOGADOS, através do qual pretende que a requerida seja condenada a aceitar a sua inscrição como Advogado Estagiário.

    Nas suas alegações – cfr. fls. 383 ss. – formulou as seguintes conclusões: «1. A douta Sentença recorrida enferma de manifesta nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, por não se ter pronunciado sobre todas questões a que se impunha pronúncia: totalmente omissa quanto à questão da proibição de analogia/interpretação extensiva relativamente a normas restritivas de direitos fundamentais, in casu o artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA, que, por ser restritiva é uma norma excecional, e sendo excecional não comporta aplicação analógica, nos termos do artigo 11.º do CC, artigo 18.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio geral de Direito in dubio pro libertate.

    1. Se se entender que a douta Sentença recorrida não fez aplicação analógica/interpretação extensiva da norma restritiva (artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA), mas sim aplicação direta, então estamos perante erro grosseiro e clamoroso de julgamento, profundamente injusto e violador da dignidade humana do recorrente, na medida em que lhe elimina qualquer pretensão (direito fundamental) ao desenvolvimento da sua personalidade (artigo 26.º, n.º 1, CRP), para além se também ser eliminado o seu direito fundamental à livre escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, CRP).

    2. Nesse caso, haverá erro grosseiro e clamoroso de julgamento, porque, 4. Os militares da GNR não são, desde 1983, membros das Forças Armadas (estas apenas são constituídas por três ramos: Exército, Marinha e Força Aérea).

    3. Os militares da GNR, sendo militares, não são militarizados [forças militarizadas são estruturas (de funcionários civis/carreiras especiais) que se encontram acopladas às Forças Armadas e funcionam, tal como estas, sob o “chapéu” do Ministério da Defesa Nacional, servindo interesses complementares aos das Forças Armadas], pois, 6. Por definição não se pode ser militar e militarizado ao mesmo tempo.

    4. Os militares da GNR não estão – em estado de normalidade constitucional – sujeitos há forte hierarquia militar, hierarquia militar a que estão sujeitos os militares das Forças Armadas derivada da vigência do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), logo, 8. Cai por terra o argumento substantivo que motiva a OA, e, por aderência, a douta Sentença recorrida (por suposição nossa, admitindo que raciocinou por analogia, pois esta é omissa quanto à essência, quanto ao fundo material justificador da interpretação e aplicação que faz da lei), a. De quererem reconduzir contra legis a situação de militar da GNR, dizendo que é a mesma coisa, à situação de “Membro das Forças Armadas” (artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA), e b. De que a forte hierarquia militar existente na GNR põe em causa a independência e isenção necessárias ao exercício da advocacia.

    5. Apenas em caso de estado de anormalidade constitucional poderão (não é obrigatório) – estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência – os militares da GNR ficar sujeitos ao RDM, logo à forte hierarquia militar.

    6. Destarte, em regra (normalidade constitucional), e desde 1999, os militares da GNR estão sujeitos a um regulamente disciplinar próprio, o Regulamento de Disciplina da GNR (RDGNR), que é um regulamento do «cariz civilístico», baseado no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, adotando, inclusive algumas soluções menos gravosas, muito semelhante ao atual Estatuto Disciplinar da PSP.

    7. Assim, se comparado o RDGNR com o atual Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos (outrossim os seus antecedentes), bem como com o Estatuto Disciplinar da PSP, facilmente verificamos que todos eles estão muito longe do RDM (onde estão previstas penas privativas da liberdade, de onde sobressai, de facto uma forte hierarquia militar a que estão sujeitos, a todo o tempo, os militares das Forças Armadas.

    8. Os membros da PSP, a desempenhar funções exclusivas de apoio jurídico têm realizado o estágio na OA, bem como exercido – e exercem – a advocacia em regime de exclusividade e subordinação ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do EOA, uma vez que não estão sujeitos a uma forte hierarquia militar que coloque em causa a independência e isenção necessárias ao exercício da profissão de advogado, ora, 13. Verifica-se que, atualmente (desde 1999, ou seja, desde há 20 anos), também os militares da GNR não estão sujeitos à forte hierarquia militar, derivada do RDM, logo, 14. Não existe qualquer fundamento material para não permitir que os militares da GNR exerçam a advocacia ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do EOA (ainda que interpretando esta norma extensivamente, tal como referido na Sentença de 1.ª instância no âmbito do processo n.º 977/19.2BELSB), contudo, 15. Em caso de guerra, estado de sítio ou de emergência, com sujeição dos militares da GNR ao RDM, então neste caso e só neste caso, estaremos perante uma incompatibilidade superveniente – a declarar nos termos do artigo 91.º, alínea d), do EOA.

    9. Da mesma forma que se um cidadão advogado for chamado a prestar serviço militar, v.g., em caso de guerra, à luz da Lei 174/99 de 21 de setembro (Lei do Serviço Militar), automaticamente estará perante uma incompatibilidade superveniente.

    10. De outra banda, a interpretação das leis é, nos dias de hoje, atualista e objetivista, ademais, na interpretação de leis restritivas de direitos fundamentais (caso das normas onde se preveem incompatibilidades, por restringirem o direito à livre escolha de profissão, bem como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, artigo 47.º, n.º 1, e artigo 26.º, n.º 1, ambos da CRP) são proibidas a analogia e a interpretação extensiva, valendo o princípio in dubio pro libertate.

    11. Seja como for, como acima já concluímos, mesmo que a analogia fosse possível, não existe qualquer lacuna legal a carecer de integração analógica.

    12. A disposição legal restritiva do direito fundamental – ao livre acesso a profissão, bem como ao desenvolvimento da personalidade –, constante do EOA, no segmento em crise fala em “Membro das Forças Armadas ou militarizadas”.

    13. Logo, forçosamente se conclui, como concluiu a douta Sentença de 1.ª instância no âmbito do processo 977/19.2BELSB, que a disposição em causa não é aplicável aos militares da GNR, que, tal como o recorrente, se encontrem a desempenhar exclusivamente funções de apoio jurídico e se pretendam inscrever como Advogados Estagiários ou Advogados tendo em vista o exercício da advocacia ao abrigo do artigo 83.º, n.º 3, do EOA, tal como não é aplicável aos membros da PSP (que a OA aceita pacificamente).

    14. Destarte, a interpretação artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA, no sentido de abranger (o que só se concebe por aplicação analógica ou interpretação extensiva/extensão teleológica) os militares na GNR que se encontrem a desempenhar exclusivamente funções de apoio jurídico e se pretendam inscrever como Advogados Estagiários ou Advogados tendo em vista o exercício da advocacia ao abrigo do artigo 83.º, n.º 3, do EOA, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 47.º, n.º 1, artigo 26.º, n.º 1, e artigo 18.º, n.º 2 e 3, todos da CRP, não obstante, 22. Existir ainda uma dimensão interpretativa desconforme à CRP, violadora do seu artigo 13.º, na medida em que trata – interpreta e aplica o direito – as duas situações materialmente idênticas (intensidade da hierarquia na GNR e PSP) de forma desigual.

    15. Logo, mal andou a Sentença de 1ª instância ao não intimar a OA a que procedesse à inscrição do ora recorrente como advogado estagiário.

    16. Pese embora não tenha sido trazido à colação no presente processo, pois apenas se tem discutido, em síntese, se os militares da GNR cabem ou não na...

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