Acórdão nº 422/18.0BELLE-R1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução02 de Abril de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1.

A………., co-autor popular em autos de providência cautelar de suspensão de eficácia de ato licenciador de alvará de obras de construção, veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista do Acórdão proferido em 7/11/2019 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, “TCAS” (cfr. fls. 135 e segs. SITAF), o qual, confirmando despacho da Senhora Juíza Desembargadora Relatora de 25/9/2019, revogou decisão do TAF de Loulé de 4/6/2019, assim admitindo o recurso de apelação interposto pela Contrainteressada “C………., Lda.

” do despacho exarado nestes autos cautelares naquele TAF, em 4/4/2019, que julgara improcedente a exceção da sua ilegitimidade ativa como autor popular, sustentada pela entidade requerida (“Município de Lagoa”) e pela indicada Contrainteressada.

  1. O ora Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 165 e segs. SITAF): «1.ª) A questão que importa dilucidar no presente recurso de revista prende-se com saber se, tendo sido considerada improcedente uma exceção de legitimidade processual ativa pelo Tribunal “a quo” num processo cautelar, a decisão em causa é imediatamente recorrível ou é apenas recorrível a final para o Tribunal “ad quem”, após ser proferida a decisão de mérito; 2.ª) A questão em causa constitui uma daquelas que, nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental, assim se achando preenchido o primeiro requisito de interposição de recurso de revista excecional; 3.ª) Assim é, porquanto, desde logo, não obstante existir uma jurisprudência consolidada dos tribunais administrativos no sentido de o recurso apenas poder ser interposto da decisão final, a verdade é que o Tribunal Central Administrativo Sul rompeu com a orientação prevalecente nos tribunais administrativos e veio considerar que a decisão era imediatamente recorrível, porquanto se corria o risco de perda de utilidade de uma eventual decisão favorável da providência cautelar para o Contrainteressado; 4.ª) Ao fazê-lo, além do mais, a decisão recorrida veio pôr em crise a posição firmada pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.° 2/2011 de uniformização de jurisprudência, proferido no Proc. n.º 225/11, de 16 de junho de 2011, que indeferiu o recurso aí interposto pelo Ministério Público, mantendo a orientação propugnada pelo Tribunal Central Administrativo Sul de as decisões intercalares em providência cautelar não são recorríveis imediatamente mas apenas podem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão final; 5.ª) Mais: existe uma total similitude entre a situação-base dos presentes autos e aquela que o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a apreciar no Proc. n.º 225/2011, pois em ambas se encontra em causa a apreciação uma questão de direito relativa à admissão de um recurso jurisdicional, após uma decisão interlocutória proferida num processo cautelar que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa; 6.ª) A relevância jurídica ou social da questão ora colocada perante os Venerandos Conselheiros reside ainda na circunstância de a admissão de apelação autónoma em casos como o dos presentes autos ter ainda o condão de gerar uma profunda insegurança jurídica junto dos cidadãos que recorrem à justiça para dirimir litígios; 7.ª) Na realidade, com base no entendimento do acórdão recorrido, este despacho já não seria suscetível de recurso a final, vendo as partes vencidas precludido o seu direito efetivo ao recurso, se, como sempre aconteceu, aguardarem pela decisão final proferida no processo em primeira instância, hipótese em que o recurso assim interposto será inevitavelmente não admitido; 8.ª) A admissão do presente recurso de revista pode fundar-se ainda no preenchimento do segundo requisito constante do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA: a admissão ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; 9.ª) Isto porque a decisão recorrida contraria um entendimento consolidado na jurisprudência (cfr., entre muitos, Acs. do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de junho de 2018, proferido no Proc. n.º 01085/08.7BEBRG-S1, do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18 de outubro de 2018, proferido no Proc. n.º 87/09.0BEPDL-S1, bem como de 5 de março de 2009, prolatado no Proc. n.º 03480/08), que sempre tem entendido que o recurso da decisão que conhece da exceção dilatória de ilegitimidade ativa apenas pode ser interposto a final e não numa apelação autónoma; 10.ª) De resto, também a circunstância de a decisão recorrida ser antagónica ao entendimento perfilhado pelo já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de uniformização de jurisprudência n.° 2/2011 é outro fator que contribui para o recurso de revista ser admitido, em nome de uma melhor aplicação do direito; 11.ª) Em obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 150.º do CPTA, a presente revista tem como fundamento a violação de lei processual: as normas constantes do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA e do artigo 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC, que foram objeto de uma incorreta interpretação pela decisão recorrida, gerando, assim, um erro de direito; 12.ª) Com efeito, a interpretação das normas em causa é a de, como também tem salientado a jurisprudência administrativa, as decisões proferidas em despacho interlocutório, no âmbito de processos cautelares, para resolução de questões prévias, nomeadamente para apreciação de exceções arguidas, apenas podem ser objeto de impugnação com o recurso da decisão final; 13.ª) Para efeitos da determinação do âmbito de aplicação do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, deve considerar-se que, em processos cautelares, o recurso autónomo da decisão intercalar apenas pode ter lugar em situações limitadas em que uma impugnação posterior se revelasse inútil e que são os casos de recursos de decisões relativas ao incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida, a que se refere o artigo 128.º, n.º 5, e ao decretamento provisório previsto no artigo 131.º, n.º 6, ambos do CPTA, como bem foi salientado pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 2/2011; 14.ª) O alcance prático da inflexão de jurisprudência promovida pelo acórdão recorrido é o de, a partir de agora, quaisquer decisões intercalares, sobretudo as mais frequentes que são as que apreciam exceções, terem de ser imediatamente impugnadas, sob pena de a parte vencida que não o fizer logo já não mais poder fazê-lo posteriormente; 15.ª) Como bem se assinalou no Acórdão n.º 2/2011: “(…) despropositada seria recorribilidade imediata de toda e qualquer decisão intercalar, como afinal é reconhecido. Ao contrário de cumprir uma exigência de urgência, faria pulular pelos tribunais recursos e mais recursos desprovidos de interesse na sua imediata resolução, sem qualquer exigência intrínseca de urgência, muitos deles destinados a perder utilidade em função do resultado final do processo, apenas congestionando, ainda mais, o funcionamento da justiça”.

    1. ) Mesmo que se enfrentasse a possibilidade de a situação objeto de análise no presente pleito ser suscetível de uma apelação autónoma, através da conjugação da 2.ª parte do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA e do artigo 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC, ainda assim a conclusão não poderia deixar de ser a de que o recurso só poderia ser apresentado com a impugnação da decisão final.

    2. ) A decisão recorrida enferma de erro de direito, no que respeita ao juízo de aplicabilidade que faz do artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC ao caso concreto, pois, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, a apelação autónoma do despacho que determinou a improcedência da exceção dilatória, não se enquadra no conceito de “absolutamente inútil” do artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC; 18.ª) Tem sido entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que o conceito de “absolutamente inútil”, para efeitos de aplicação do artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC, deverá ser interpretado de forma restritiva, ficando a sua aplicação reservada apenas para os casos excecionais em que a impugnação com o recurso da decisão final teria um efeito materialmente irreversível sobre o conteúdo do decidido; 19.ª) O preenchimento do conceito de “absoluta inutilidade” não se basta com o efeito da mera inutilização de atos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual, como tem assinalado a jurisprudência (cfr., entre muitos, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de setembro de 2017, proferido no Processo n.º 02659/11.4BEPRT-A, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de maio de 2019, proferido no Processo n.º 133/13.3TBMMV.1.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1 de abril de 2014, proferido no Processo n.º 40 230/11.0TBSRE-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de maio de 2018, proferido no Processo n.º 1644/15.1T8CHV.G2 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de janeiro de 2016, proferido no Processo n.º 2754/13.5TBBCL-A.G1); 20.ª) Deste modo, a decisão recorrida enferma de erro de direito, no que respeita ao juízo de aplicabilidade que faz do artigo 644.º, n.º 2, al. h) do CPC ao caso concreto; 21.ª) Acresce que, considerando que estamos no âmbito de um processo cautelar, a admissibilidade do recurso de apelação autónoma do despacho intercalar nesta fase coloca em crise a celeridade processual que rege os processos cautelares, desvirtuando um dos seus principais princípios, incorrendo também por essa razão num erro de direito por incorreta interpretação do artigo 20.º da Constituição Portuguesa e artigos 2.º e 112.º e ss. do CPTA; 22.ª) A interpretação segundo a qual o despacho intercalar poderia ser objeto de apelação autónoma constitui um fator suscetível de gerar uma situação de insegurança jurídica, porquanto, este despacho já não seria suscetível de recurso a final, vendo as partes...

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