Acórdão nº 01745/10.2BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – O Banco A………… Portugal, S.A., com os sinais dos autos, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que, em 6 de Março de 2019, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo aos anos de 2006 e 2007, no montante de € 1.389.473,23 e respectivos juros compensatórios no montante de € 121.928,21, apresentou recurso, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: 1) Em causa nos presentes autos estão as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros referentes aos anos de 2006 e 2007, cujas correções são respeitantes ao direito à dedução do IVA de bens e serviços de utilização mista por parte da Recorrente que enquanto instituição financeira desenvolve, simultaneamente, atividades sujeitas (locação financeira) e isentas (concessão de crédito) desse imposto.

2) Os fundamentos das liquidações impugnadas constam do RIT (o qual se louvou, igualmente, no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro), considerando a AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata não pode ser incluída: (i) a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de Leasing e de ALD celebrados pela Recorrente, nem (ii) as rendas securitizadas, nem (iii) as indemnizações/abates decorrentes da perda total dos bens dados em locação financeira, uma vez que, na opinião da AT, tais parcelas não constituem proveitos na esfera da Recorrente.

3) Com o devido respeito, parece-nos que mal andou o Tribunal a quo ao aderir à posição da AT e, consequentemente, julgar a impugnação judicial totalmente improcedente.

SENÃO VEJAMOS:

  1. QUANTO À AMORTIZAÇÃO FINANCEIRA: 4) Baseando-se no entendimento sufragado pelo TJUE no “Caso Banco Mais” (Processo C-183/13), bem como no acórdão do STA que julgou procedente o recurso interposto pela AT da sentença proferida nos presentes autos a 19.09.2012 – revogando a sentença então recorrida e determinando a baixa dos autos novamente à 1ª Instância a fim de ser substituída por outra que decidisse, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos apontados –, veio o Tribunal a quo a julgar, agora, improcedente a presente impugnação judicial.

    5) Com o devido respeito, considera a aqui Recorrente que a sentença recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23.º do CIVA, assim como uma intolerável admissão de fundamentação sucessiva ou a posteriori e na incorrecta aplicação do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.

    6) Antes do mais, e ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do Acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva.

    7) Para além disso, no caso dos autos seria essencial considerar que, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.

    8) Ao contrário do que veio o Tribunal a quo a considerar, do Acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso dos autos e em conformidade com o RIT e o Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro – e independentemente de os valores em causa serem ou não considerados proveitos próprio -, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

    9) No Acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que não foi corretamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.

    10) De facto, como escreveu já JOSÉ MARIA MONTENEGRO em comentário ao Acórdão do “Banco Mais” «(…) não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva.» Cfr. JOSÉ MARIA MONTENEGRO, ob.cit.

    , pág. 321, cuja cópia se junta às presentes alegações.

    .

    11) Defendendo ainda esse autor – na linha, aliás do PARECER já junto aos autos da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - que «Em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art.º 23.º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n.º 4 do art.º 23.º - e que são objetivas na determinação daquela percentagem – o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n.º 4».

    12) Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Sexta Diretiva preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro-rata) a VERDADE É QUE NÃO FOI ESSA A OPÇÃO SEGUIDA PELO LEGISLADOR NACIONAL NO CÓDIGO DO IVA.

    13) Efetivamente, e como muito bem refere o citado autor «É verdade que a Sexta Diretiva no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c)), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo» Cfr.

    ob. cit.

    , pág. 321.

    .

    14) E nem se diga que o que acima se concluiu vai contra o entendimento sufragado no mencionado Acórdão do “Caso Banco Mais”, sendo aqui de aderir in totum à posição defendida pelo Digno Ministério Público no âmbito do Processo 2533/11.4BELRS (respeitante à mesma questão de direito, com os mesmos intervenientes, mas relativo ao ano de 2009), no qual se pugnou pela procedência da impugnação judicial ao se entender que a AT extravasou os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 23.º do CIVA e se concluiu que tal entendimento não afrontava «o entendimento ora propugnado a decisão do ac. do TJUE de 10.07.2014 – P. C – 183/13, antes com ele se compatibilizando» Cfr. parecer proferido nos autos do Processo de Impugnação n.º 2533/11.4BELRS, datado de 09.11.2016, o qual adere integralmente ao também mui douto parecer proferido pelo Ministério Público junto do STA, cuja cópia segue em anexo às presente alegações.

    15) Considera a Recorrente que ao assumir que nos termos do artigo 23.º do CIVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro-rata o Tribunal a quo subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido na sentença recorrida, fazendo, consequentemente, uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.

    16) Pelo que a sentença recorrida enferma desse vício original que – entende a Recorrente – pode (e deve) ser facilmente verificado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Diretiva do IVA e no CIVA, constatando-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa – como eventualmente poderia tê-lo feito – a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro-rata no caso concreto.

    17) Posição essa que que tem vingado no Centro de Arbitragem Tributária – CAAD – onde a Recorrente (por referência a cada um do trimestre de 2015) obteve já 4 decisões totalmente favoráveis, a saber:

    a) Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017 (proferida a 20 de Novembro de 2017, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa), na qual se pode ler que: “(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (…).” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).” b) Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 311/2017 (proferida a 09 de Janeiro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro José Poças Falcão), na qual se pode ler: “Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23.º-4 do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado n.º 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da...

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