Acórdão nº 074/19.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1.

“SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL, SAD” (“SLB, SAD”) interpôs no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo do disposto nos arts. 4º, nºs 1 e 3 a) da Lei nº 74/2013, de 6/9, na redação conferida pela Lei nº 33/2014, de 16/6 (LTAD), contra a “FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL” (“FPF”), recurso de impugnação do acórdão do Conselho de Disciplina da “FPF”/Secção Profissional que manteve a pena disciplinar que havia condenado a “SLB, SAD” na multa de € 18.630,00 pela prática da infrações disciplinares p. e p. pelos arts. 182º nº 2, 186º e 187º nº 1 b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2017 (RD/LPFP).

  1. O TAD, por acórdão de 24/4/2019, no âmbito do seu processo arbitral nº 65/2018, julgou totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão punitiva - cfr. fls. 143 e segs. da paginação “SITAF”.

  2. A “SLB, SAD”, inconformada com esta decisão arbitral, interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 26/9/2019 (cfr. fls. 336 e segs. “SITAF”), concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão arbitral recorrida, anulou o ato disciplinar punitivo ali confirmado.

  3. A “FPF”, agora inconformada com este Acórdão proferido pelo TCAS, veio interpor, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 372 e segs. “SITAF”): «1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 26 de setembro de 2019, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Esta instância, por seu turno, havia decidido confirmar a decisão de aplicação ao SLB de multas por comportamento incorreto do público, p. e p. pelos artigos 182.º, n.º 2, 186.º e 187.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional; 2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno; 3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito; 4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes; 5. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o rebentamento de engenhos pirotécnicos, o arremesso dos mesmos para o relvado, invasões do terreno de jogo, entre outros, tudo por ocasião de jogos de futebol; 6. São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição; 7. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar; 8. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos; 9. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo TAD, ao contrário do que entendeu o TCA Sul; 10. O SLB não colocou em momento algum em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do SLB os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas; 11. Entende o TCA Sul que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta dos Relatórios de Jogo) que o SLB violou deveres de formação a que se encontra adstrito, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível; 12. Assim, os Relatórios da equipa de arbitragem e dos Delegados da LPFP, atento os respectivos conteúdos, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrida no caso concreto. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento (artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP); 13. Isto não significa que os Relatórios dos Delegados da LPFP e da equipa de arbitragem contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos respetivos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres.

  4. Para abalar essa convicção, cabia ao SLB apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil; 15. Em sede sancionatória, o “arguido”, não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.

  5. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios dos Delegados da LPFP, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não o SLB.

  6. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.

  7. Os argumentos trazidos aos autos pelo SLB são manifestamente inaptos a comprovar que as eventuais medidas que possa ter tomado são suficientes ou adequadas a evitar os comportamentos incorretos.

  8. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 730/95, diz claramente que “o processo disciplinar que se manda instaurar (…) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)”.

  9. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso n.º 297/18, interposto da decisão do TCA Sul tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB que dando provimento ao recurso de revista diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que contrarie a presunção de veracidade dos relatórios, o que no caso, não sucedeu; 21. Ainda que se entenda – o que não se concede – que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir o SLB, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido – a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres – foi retirado de outros factos conhecidos.

  10. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com nenhum princípio constitucional, tal como o princípio da presunção de inocência ou o princípio da culpa, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos.

  11. A tese sufragada pelo TCA é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência; 24. No que ao tipo disciplinar previsto no artigo 182.º, n.º 2.º do RD da LPFP, pelo qual a Recorrida também foi sancionada, um isqueiro, arremessado da bancada em direção a jogadores que aí se encontram próximos, desarmados, pois, face ao arremesso contra si desse mesmo objeto, pode revelar-se de alta contundência, constituindo, desse modo, um instrumento dotado da potencialidade de poder desencadear um perigo para a integridade física do agente desportivo visado, de consequências que, abstratamente, se podem revestir de especial gravidade em função da parte do corpo atingida.

  12. Sendo certo que um isqueiro, pela simples circunstância de ser um instrumento que permite atear fogo a outros objetos e materiais sempre seria, abstratamente, um objeto idóneo a causar lesão de especial gravidade.

  13. Acresce que, ainda que se considere que tal arremesso constitui uma manifestação de desagrado, não pode deixar de se concluir...

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