Acórdão nº 023/19.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | ANA PAULA PORTELA |
Data da Resolução | 07 de Maio de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1. A…………, Procurador da República, intentou neste STA, ação administrativa contra a PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA, impugnando o ato praticado em 7.11.2018 pelo Vice-Procurador Geral da República, em substituição da Procuradora-Geral da República, que determinou a conversão do Inquérito - instaurado por despacho de 5.2.2018, na decorrência do processo crime objeto de condenação por abuso de poder, ainda não transitada, no Tribunal da Relação ……… – em processo disciplinar contra o Recorrente, assim determinando, após o relatório final daquele inquérito que o mesmo constituiria a parte instrutória do processo disciplinar.
2. Sobre essa ação recaiu o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo, proferido em 18.09.2019, que, com fundamento na prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, julgou a ação administrativa procedente, anulando o ato impugnado e condenando a R. a restabelecer a situação que existiria se o ato impugnado não fosse praticado.
3. Inconformada com tal Acórdão, a Procuradora-Geral da República interpôs recurso para o Pleno, alegando, com as conclusões seguintes: 1º. A instauração do inquérito em 5 de fevereiro de 2018 era absolutamente necessária, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório, e o momento certo e correto para converter o inquérito em processo disciplinar foi precisamente quando tal sucedeu, isto é, com o despacho cuja suspensão da eficácia se decidiu, proferido em 7 de novembro de 2018.
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Na fase do processo-crime a que se referia a documentação recebida até 1-02-2018 ainda podia ser exercido o contraditório em julgamento e ainda poderia o arguido, Magistrado do Ministério Público, vir a ser absolvido em julgamento, havendo que garantir, para além dos princípios atrás citados, o da presunção de inocência prevista no art.º 32.º, n.º2, da CRP, e por carecerem os autos ainda da prova concreta em que se havia alicerçado a acusação e a decisão instrutória.
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Sendo a instauração de inquérito indispensável para consolidar as meras suspeitas existentes, em ordem a evitar a ocorrência de situações manifestamente contraditórias e pouco dignificantes para aquela Magistratura, minimizando-se nomeadamente as hipóteses de no procedimento disciplinar se virem a dar por provados factos contrários aos que se provassem em sede criminal.
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Manifestamente só com a condenação do ora Recorrido no Tribunal da Relação …….. se mostrou consolidada a matéria de facto provada e se tomou conhecimento efetivo, com a leitura e audição dos extensos meios de prova registados em julgamento e também na instrução, que até ao momento não constavam do inquérito, elementos que só foram reunidos após as diligências de inquérito até 2-11-2018 e que determinaram a certeza mínima, sem dúvida razoável, e uma convicção segura quanto a poder-se considerar devidamente indiciado um ilícito disciplinar e obter uma noção exata e decisiva sobre a conduta e a credibilidade das declarações do visado que sempre a negou.
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Deste modo, a instauração do inquérito era necessária e suspenderia o decurso do prazo prescricional do direito de instaurar o procedimento disciplinar, nos termos do art.º 178.º, n.ºs 2 e 3, da LTFP, prazo cuja contagem só se iniciou após aquela data, altura em que se concluiu a investigação necessária pela Senhora Instrutora do inquérito disciplinar, altura em que se verificou o conhecimento efetivo e concreto dos elementos indispensáveis e caraterizadores da situação em apreço.
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O Senhor Conselheiro Vice-Procurador Geral lavrou o despacho que mandou instaurar inquérito no âmbito do disposto nos artigos 13.º, nº 1, do EMP, pelo que toda a competência do Procurador-Geral, própria ou delegada, foi exercitada por aquele, enquanto seu substituto legal, e, portanto, dentro da legalidade, passando a ser uma competência própria e exclusiva relativamente aos poderes do órgão substituído, nos termos do art. 43.º do CPA.
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Ainda que se entendesse que se aplica o regime da “suplência” prevista no artigo 42.º do CPA, neste caso, por maioria de razão, tal instituto, com o devido respeito por entendimento contrário, não pode ser considerado como o exercício do poder em nome do órgão competente que se encontre impedido, o substituído.
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Assim, a substituição em causa (ou suplência, se se entender aqui aplicável) não traduz qualquer partilha simultânea de exercício da competência entre substituto e substituído, antes gera a suspensão temporária da aplicação da norma de competência habilitadora do substituído que deixa temporariamente de exercer o seu poder.
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O substituto age, enquanto perdura o impedimento do órgão substituído, como se fosse titular do órgão, o que implica necessariamente que o substituído não adquira daí um conhecimento pessoal e direto relativamente ao ato praticado em sua substituição, uma vez que aquele atua com competência própria e exclusiva nesse âmbito, nos termos do art.º 42.º, ou do art.º 43.º do CPA.
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No âmbito disciplinar a Procuradora-Geral da República atua como qualquer outra entidade administrativa, detendo um poder que é atribuído ao substituto ou ao suplente temporariamente e com fundamento, apenas, na necessidade de assegurar a continuidade dos serviços, em caso de urgência e de impossibilidade do substituído.
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Questão diversa e que não se confunde com estas é a que se prende com o conhecimento efetivo pela Excelentíssima Senhora Conselheira Procuradora - Geral da República dos elementos concretos que constavam do processo, conhecimento que não pode ser ficcionado mediante a mera aplicação do direito, não se tendo verificado um conhecimento pessoal, concreto, imediato e direto da mesma relativamente a tais elementos, sendo irrelevante o conhecimento apenas pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Vice-Procurador-Geral, questão que pode ser objeto de reapreciação pelo Plenário da Secção desse Supremo Tribunal Administrativo por ser meramente jurídica.
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O "dies a quo" do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no art.º 178.º, n.º 2, da LTFP só se pode iniciar a contar do conhecimento real, efetivo e não presumido por parte do superior hierárquico competente para praticar o ato, não relevando o conhecimento por parte de outros superiores hierárquicos do Magistrado, que não o Procurador-Geral, ou o Conselho Superior do Ministério Público, apenas se podendo considerar dirigentes máximos do serviço aqueles que podem, perante o EMP, instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 10º, al. b), 12º, n.º 2, al. f), 27º, al. a) e 214º, todos do EMP (entendimento que tem sido sempre pacífico e reiterado pela jurisprudência desse STA atrás citada).
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Ora, na data indicada como sendo a da ocorrência da prescrição nenhum daqueles órgãos do Ministério Público tinham ainda, sequer, adquirido o conhecimento pessoal ou colegial necessário dos elementos apurados até 5-02-2018, só o tendo obtido nas datas posteriores indicadas - no caso da Ex.ma Senhora Conselheira Procuradora-Geral só com a citação, realizada em 12-12-2018 - e só os mesmos integram a noção de «dirigente máximo do serviço» contida no art.º 178.º, n.º 2, da LTFP, cujo conceito amplo não é inteiramente aplicável ao Ministério Público.
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Assim, o prazo de 60 dias, a que se refere aquele preceito não se tinha sequer iniciado na data da instauração do inquérito disciplinar, relevando o conhecimento da infração que ocorrer em primeiro lugar e neste caso seria o do CSMP que se verificou apenas com a prolação do Acórdão referido, emitido em 25-09-2018, não se tendo o mesmo, sequer pronunciado no âmbito do processo de inquérito disciplinar - cfr. abundante jurisprudência desse STA e pareceres do Conselho Consultivo da PGR, atrás citados.
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Pelo exposto, não ocorrendo a prescrição invocada e não se verificando os vícios imputados ao ato impugnado, a ação deve ser julgada improcedente e não provada e a Entidade Demandada ser absolvida do pedido.
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O douto Acórdão de que se recorre incorreu em erro de direito ou de julgamento, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade dos artigos 43.º do CPA, 12º, n.º 2, al. f), 13.º, n.º 1, 27º, al, a) e 214º, todos do EMP e 178.º, n.ºs 2 e 3 da LTFP, devendo ser revogado e substituído por outro que decida como exposto.
Assim decidindo farão Vossas Excelências a costumada, JUSTIÇA! 4. O Recorrido, A…………., deduziu contra-alegações, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido e requerendo, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, com as conclusões seguintes: “1.ª) Para sustentar que quando o procedimento disciplinar foi instaurado (em 07/11/2018) já se tinha extinguido, por prescrição ou caducidade, o direito de o fazer, o recorrido sustentou também na p. i. que "por força do estatuído no n.º 3 do art. 178.º da LTFP, a instauração do inquérito n.º ………. apenas teve a virtualidade de suspender o prazo prescricional previsto no n.º 2 do mesmo normativo legal por um período até 6 (seis) meses", pelo que "mesmo a entender-se que o referido prazo prescricional só teve início em 05/02/2018 a suspensão então operada sempre teria cessado em 05/08/2018 (seis meses após), tendo decorrido mais de 60 dias (corridos ou úteis) antes de 07/11/2018"; 2.ª) Resulta da conjugação dos factos provados sob os itens 10, 13 e 15 que o processo disciplinar n.º ……… só foi instaurado mais de 6 (seis) meses após a instauração do inquérito n.º ………; 3.ª) O Tribunal a quo não apreciou a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar sob este prisma e impunha-se fazê-lo, atento o disposto no art. 95.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA; 4.ª) O que acaba de dizer-se configura uma causa de nulidade do acórdão recorrido, prevista na alínea d) - 1.ª parte do n.º 1 do art. 615.º do CPCiv., que argui ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 636.º do mesmo diploma legal, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, para que seja conhecida...
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