Acórdão nº 069/19.4BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. RELATÓRIO O Ministério Público, inconformado com a decisão proferida em 17 de Janeiro de 2020 [que concedeu provimento ao recurso interposto por B……… da decisão proferida pelo TAF de Mirandela, no âmbito da presente acção de perda de mandato, e que declarou a perda de mandato do ora recorrido], interpôs o presente recurso de revista.

*Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “A – Incorre na sanção prevista no artigo 8.º, n.º 2, da Lei da Tutela Administrativa, aprovada pela Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, que prevê que é aplicável a sanção da perda de mandato aos «… membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem», o vogal de uma Junta de Freguesia que é simultaneamente Vice-Presidente de um associação particular de solidariedade social e participa em cinco deliberações da Junta que atribuíram donativos patrimoniais a essa mesma associação.

B – A isso não obsta a circunstância de o visado possuir limitadas habilitações literárias (……….), pois tal não o impede de compreender o alcance dessa mesma ilegalidade, ou o facto de não se ter aproveitado desses donativos para seu próprio proveito pessoal, pois a culpa deve bastar-se com a participação consciente do autarca nesse verdadeiro procedimento defeituoso, pautado por um claro impedimento funcional, que por si só põe em causa de modo irremediável as garantias de transparência, de probidade e de imparcialidade que devem presidir à gestão da coisa pública, com clara violação, além do mais, do disposto no artigo 266º nº 2 da Constituição da República e de toda a legislação daí decorrente C – Nem obsta à perda de mandato o facto de a instituição em causa ter uma actividade de interesse social na região em causa e ser até a única na sua área, pois a violação das garantias acima referidas é suficientemente grave, em termos de inobservância dos princípios do exercício e da actuação democráticos da administração - que visam garantir a conduta dos eleitos para cargos públicos no respeito pelos princípios resultantes da Constituição da República e das Leis - para se dever sobrepor aos eventuais fins sociais ou altruístas da associação, os quais, para todos os efeitos não devem ser prosseguidos com base em ilegalidades.

D – Ao revogar a decisão da primeira instância e ter declarado improcedente a acção de perda de mandato interposta pelo Ministério Público contra o autarca B……….., o Acórdão recorrido não aplicou, como devia, designadamente, o disposto no 8º, nº 2, da Lei da Tutela Administrativa, aprovada pela Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto bem assim como as regras que consagram a imparcialidade, probidade e transparência da actuação administrativa, previstas desde logo no artigo 266º nº 2 da Constituição da República.

E - Pelo que deve ser admitido o presente recurso de Revista, e revogada a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 17 de Janeiro de 2020 e substituída por outra que considere a acção procedente relativamente ao autarca B………….., e declare a sua perda de mandato, nos termos constantes do pedido inicial.

”*O recorrido não apresentou contra-alegações.

*O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 02 de Abril de 2020.

*Sem vistos, por não serem devidos.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO As instâncias deram como provados os seguintes factos: “1) O Réu A…………, na sequência das eleições autárquicas para os quadriénios 2013-2017 e 2017-2021, após instalação da Assembleia de Freguesia de ………., Município de ………., em 19.10.2013 e 21.10.2017, foi investido como seu presidente (cfr. actas de instalação da Assembleia de Freguesia que integram o doc. 1 da p.i.).

2) O Réu B……………, na sequência das eleições autárquicas para os quadriénios 2013-2017 e 2017-2021, após instalação da Assembleia de Freguesia de …….., Município de …….., em 19.10.2013 e 21.10.2017, foi eleito tesoureiro no executivo da Junta de Freguesia (cfr. actas 1/2003 e 5/2007 que integram o doc. 1 da p.i.

).

3) Na Freguesia de ……….., ……, está sediada a Associação Particular de Solidariedade Social de ……… (APSS…….), constituída por escritura pública de 26.01.2007 (cfr. escritura pública que integra o doc. 2 da p.i.).

4) Os estatutos da associação referida no ponto anterior têm o seguinte teor parcial:“Artigo 1.ºA associação que se denominará abreviadamente por “Associação de Solidariedade Social de …………” é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, com sede em ……….., concelho de ……..

(…)Art. 38.ºCompete ao presidente da Direção: a) Superintender na administração orientando e fiscalizando os respetivos serviços; b) Convocar e presidir às reuniões da Direção, dirigindo os respetivos trabalhos; c) Representar a Associação em juízo ou fora dele; d) Assinar e rubricar os termos de abertura e encerramento e rubricar o livro de atas da Direção; e) Despachar os assuntos normais de expediente e outros que careçam de solução urgente, sujeitando estes à confirmação da Direção na primeira reunião seguinte.

Art. 39.º Compete ao vice-presidente coadjuvar o presidente no exercício das suas atribuições e substituí-lo, nas suas ausências e impedimentos.” (cfr. estatutos e respectivas alterações que integram o doc. 2 da p.i.).

5) O 1º Réu foi Presidente da Direção da associação referida no ponto 3, desde a sua constituição até 28.11.2018 (cfr. acta nº 1 que integra o doc. 2 da p.i. e documento junto a fls. 318 dos autos).

6) O 2º Réu é Vice-Presidente da Direcção da associação referida no ponto 3 desde 08.02.2014 (cfr. actas 1/2014, 1/2019 e 2/2019 que integram o doc. 2 da p.i.).

7) Na sessão ordinária de 29.06.2013 da Assembleia de Freguesia de …………, o 1º Réu, no âmbito das suas funções de Presidente, participou na discussão e votou favoravelmente, naquela sua qualidade...

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