Acórdão nº 0154/19.2BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO |
Data da Resolução | 04 de Junho de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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Relatório 1.
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 16 de janeiro de 2020, que confirmou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 4 de novembro de 2019, que suprimiu a pena de multa, no valor de 22.950,00 €, aplicada à SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL, SAD, ora recorrida, pelo Acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de 16 de abril de 2019.
Nas suas alegações formulou, com relevo para a decisão de mérito, as seguintes conclusões: « (…) 10. O bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
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A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
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Assim, quando analisado o artigo 112.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
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Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrida tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
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A Recorrida tem, nomeadamente, o dever de “manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva” (artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP19); e de “manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
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Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
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Quando uma entidade, qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..
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Com efeito, para que a Recorrida, ou qualquer outra sociedade desportiva, seja condenada pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.º é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
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Ao contrário daquilo que entende o TCA, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
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Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que este Supremo Tribunal proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
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Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
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O TCA entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das publicações em causa não tem qualquer relevância disciplinar pois não configura uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
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E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Senhores Desembargadores. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
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Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito “ao bom nome e reputação”, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
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A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112.º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
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Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o...
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