Acórdão nº 02381/15.2BELRS 01165/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2381/15.2BELRS (1165/17) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela apresentada na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziu contra a autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) relativamente ao ano de 2015.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «(a) Julgou o Tribunal a quo improcedente a impugnação apresentada pelo Recorrente em termos imediatos contra o indeferimento tácito da reclamação contra a autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário por si efectuada em 5 de Março de 2015, no montante de € 2.884.257,38, e, mediatamente, contra a autoliquidação em causa, na qual foi igualmente pedido o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, e condenou o Recorrente em custas.

(b) O Recorrente considera que a sentença recorrida enferma de erro relativamente a soluções de direito nela consignadas.

(c) Invocou o Recorrente nos presentes autos a (falta de) sustentação formal constitucional da regulamentação pelo Governo, através de portaria, de elementos essenciais da Contribuição sobre o Sector Bancário, como as taxas e a determinação da matéria colectável, do que decorre a respectiva inconstitucionalidade orgânica por violação do princípio da reserva de lei previsto no artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa e, em conformidade, torna ilegal a decisão que é objecto imediato da presente impugnação e a liquidação mediatamente contestada.

(d) Em cumprimento do disposto na alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República a “[c]riação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, expressão da vertente formal do princípio da legalidade fiscal, também designado por princípio da reserva de lei formal, que exige uma intervenção de lei parlamentar, seja ela uma intervenção material que fixe a própria disciplina dos impostos ou o regime geral das taxas e das contribuições financeiras, ou uma intervenção de carácter formal que autorize o Governo a estabelecer essa disciplina.

(e) Em sentido material, o princípio da legalidade fiscal, também designado por princípio de reserva de lei material, exige que a lei (entenda-se, Lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo), seja completa no que respeita aos elementos essenciais dos impostos, isto é, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, em cumprimento do disposto no número 2 do artigo 103.º da Constituição.

(f) A concepção tripartida dos tributos, que passou a relevar, ao lado das taxas e dos impostos, as contribuições financeiras, foi reflectida na Constituição da República Portuguesa pela revisão constitucional de 1997, que introduziu na alínea i) do número 1 do artigo 165.º a referência às “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

” (g) Estas contribuições apresentam um carácter híbrido, na medida em que não reflectem nem a comutatividade directa e imediata típica das taxas, nem o carácter unilateral inerente aos impostos. Estão em causa, outrossim, tributos que visam compensar benefícios potenciais e difusos dos respectivos sujeitos passivos.

(h) É geralmente aceite que o alcance da reserva de lei formal é distinto consoante esteja em causa a criação ou alteração de um imposto, por um lado, ou a criação ou alteração de uma taxa ou contribuição financeira, por outro, já que neste último caso aquela norma apenas sujeita à reserva de lei formal o respectivo regime geral.

(i) Até à presente data, e sem prejuízo de terem decorrido 20 anos desde a revisão constitucional que introduziu a redacção vigente, não foi aprovado o regime geral das contribuições financeiras, o que tem levado a maioria da doutrina a considerar que, na ausência de um tal regime geral, tais tributos deverão ser tratados, para efeitos de aplicação do princípio da reserva de lei, como impostos.

(j) Considerou o Tribunal a quo a respeito da respectiva qualificação no âmbito da classificação tripartida prevista na Constituição da República Portuguesa, aliás em consonância com a posição assumida pelo Recorrente nos presentes autos, que a Contribuição sobre o Sector Bancário é uma contribuição financeira, mas, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, considerou que não é aplicável a reserva de lei invocada pelo Recorrente e que, mesmo que o fosse, tal reserva se bastaria no caso concreto com a intervenção parlamentar traduzida na aprovação do Regime que cria a contribuição sobre o sector bancário.

(k) O Tribunal Constitucional já foi chamado por diversas vezes a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da fixação de elementos essenciais de tributos qualificados como contribuições financeiras mediante decreto-lei não autorizado ou portaria, tendo no acórdão n.º 539/2015, de 20 de Outubro de 2015, que baseia a decisão do Tribunal a quo, tomado expressamente, pela primeira vez, posição sobre a divergência doutrinal relativa à inconstitucionalidade orgânica das contribuições financeiras face à inexistência de um regime geral aprovado pela Assembleia da República e no caso de inexistência de lei parlamentar prévia que defina, em concreto e de forma suficientemente densificada, o respectivo regime. Na decisão em causa o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de não ser aplicável qualquer reserva de lei.

(l) O Recorrente considera que a posição assumida pelo Tribunal Constitucional no acórdão em análise e adoptada pelo Tribunal a quo, que na prática se traduz em defender que a inexistência de um regime geral de contribuições financeiras é “irrelevante” do ponto de vista da conformidade constitucional das normas que regulam os elementos essenciais de uma contribuição, corresponde, de facto, a esvaziar de conteúdo a parte final da alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, é fazer da mesma letra morta, como se a circunstância de inexistir, até à data, um regime geral das contribuições financeiras, fosse afinal uma “carta branca”, uma autorização parlamentar em aberto, para o Governo legislar nessa matéria como se nenhuma reserva de lei existisse.

(m) Uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa exige, necessariamente, a conclusão inversa: a inexistência do regime geral das contribuições financeiras a que alude da alínea i) do número 1 do artigo 165.º em análise implica antes que a definição adequada dos respectivos elementos essenciais se encontre sujeita ao crivo, mais rigoroso, da Assembleia da República.

(n) De outra forma, haveria que concluir que, na prática, a intervenção do legislador constitucional no sentido de expressamente consagrar a figura das contribuições redundou, afinal, numa menor protecção dos contribuintes contra a actuação do Governo, que se encontraria liberto de qualquer constrangimento a este nível formal.

(o) É que cumpre não esquecer que, tal como a liquidação e cobrança de impostos, também os actos tributários relativos a contribuições financeiras constituem restrições ao direito de propriedade dos respectivos sujeitos passivos, interferências essas sobre um direito fundamental e que, nessa exacta medida, não podem deixar de estar sujeitas ao princípio fundamental de “no taxation without representation”.

(p) Negar a aplicação do princípio da reserva de lei formal, como faz o Tribunal a quo sustentando a sua posição no acórdão do Tribunal Constitucional antes referido, conduziria assim à subversão do princípio da legalidade fiscal que dá substância à reserva de lei, a pretexto de uma facilitação do processo normativo que transformaria a Contribuição sobre o Sector Bancário no tributo “que o Governo quiser” ou “que o Governo for querendo”.

(q) Note-se, por outro lado, que o pretexto invocado pelo Tribunal Constitucional no acórdão em causa – a facilitação do processo normativo – esbarra desde logo na realidade, já que não existe constância do pretenso pano de fundo de bloqueio da acção governativa, que em qualquer hipótese nenhum Governo terá sentido necessidade de ultrapassar, propondo à Assembleia da República um regime geral das contribuições financeiras.

(r) Mais: a posição do Tribunal Constitucional no acórdão em referência constitui um incentivo a que nenhum Governo tome qualquer iniciativa neste âmbito, já que a manutenção da situação actual corresponde à inexistência de qualquer regime geral que balize a sua actuação em matéria de contribuições financeiras.

(s) Por outro lado, a inexistência de reserva de lei e a afirmada competência concorrente do Governo e da Assembleia da República em matéria dos elementos essenciais das contribuições financeiras geraria uma desigualdade ao nível da representação dos contribuintes a elas sujeitos, ora directamente, mediante emanação do órgão que directamente os representa (a Assembleia da República), ora indirectamente, mediante emanação do órgão que apenas indirectamente os representa (o Governo).

(t) Não procede assim, não pode proceder, a conclusão do Tribunal a quo no sentido da inaplicabilidade da reserva de lei formal à criação e alteração de contribuições financeiras.

(u) E não procede igualmente a conclusão que o Tribunal a quo aponta a título subsidiário, a de que, ainda que se aplicasse a reserva de lei invocada pelo Recorrente não se verificaria qualquer inconstitucionalidade orgânica, já que a lei da Assembleia da República que criou a Contribuição sobre o Sector Bancário contém os elementos essenciais do tributo, apenas remetendo “alguma densificação” dos...

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