Acórdão nº 0982/02.8BTLRS 0671/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por Banco A…………., S.A.
da sentença exarada no Tribunal Tributário de Lisboa em 29/12/2017, que julgou parcialmente procedente a impugnação que intentara da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de Imposto de Selo, referente aos anos de 1991, 1992 e 1993, no valor de € 4.345.299,20.
Formulou alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo: “A. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 29 de dezembro de 2017 que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial tendo por objeto as liquidações adicionais de imposto do Selo referentes aos anos de 1991, 1992 e 1993.
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Como a AT reconhece, o local de residência dos intervenientes nas operações bancárias não foi divulgado pelo B……. (entretanto incorporado pela Recorrente) por estar abrangido pelo dever de segredo previsto no artigo 78.° do Decreto-Lei n.°298/92, de 31 de dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), C. E, bem assim, por não se verificar qualquer das exceções, ao cumprimento desse dever, elencadas no artigo 79.° do Decreto-Lei n.°298/92.
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Desde logo porque os clientes recusaram autorizar a instituição de crédito — in casu, o B……. — a revelar factos ou elementos a eles relacionados (cf. artigo 79°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 298/92) (cf. § 70.° da petição inicial, não impugnado pela AT, que constava do § 12 do probatório da sentença proferida nos autos em 14 de junho de 2011).
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A sentença recorrida é nula em virtude da falta de pronúncia sobre uma questão que o Tribunal a quo deveria e poderia apreciar (cf artigo 125°, n.° 1 do CPPT).
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A questão cuja pronúncia foi indevidamente omitida consiste no confronto entre o dever de sigilo bancário a que o sujeito passivo estava vinculado e o dever de colaboração com as autoridades fiscais à luz da legislação em vigor aquando da ocorrência dos factos relevantes — grosso modo, entre 1991 e 1996 (tempus regit actum).
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A essencialidade dessa questão resulta de, à data dos factos, em virtude do disposto, designadamente, nos artigos 78.° e 79°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 298/92), no artigo 34°, n°s 1 e 3, do Decreto-Lei n.° 363/78, e no artigo 41.° do EBF, inexistir dever de colaboração do contribuinte com a AT por existir outro dever juridicamente tutelado em sentido oposto que prevalecia (dever de sigilo bancário).
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Era imprescindível que o Tribunal se pronunciasse sobre este aspeto, tal como fizeram os Tribunais noutros casos em que foi suscitado — vide, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça n.°s 068708, de 10 de abril de 1980, e 035873, de 21 de maio de 1980, e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto n.°s 0456476, de 6 de dezembro de 2004, e 9550308, de 29 de maio de 1995.
I. O Tribunal recorrido incorre não só na prática de uma nulidade processual como também num erro de julgamento que inquina a sentença.
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Erro de julgamento que deriva do facto de o Tribunal reconduzir a controvérsia ao (alegado) incumprimento do ónus da prova pelo contribuinte sem ter em conta as circunstâncias supra mencionadas em torno do dever de sigilo bancário.
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Ao contrário do Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer datado de 21 de dezembro de 2015, cujo teor foi posteriormente mantido, o Tribunal a quo entendeu que o despacho do Ministro das Finanças n.° 386/99-XII, de 14 de outubro de 1999, era completamente destituído de relevo — inexistente — no caso concreto (cf. pp. 5 e 6 da sentença e fls. 225, 238 e 260).
L. Relativamente ao argumento do Tribunal a quo — de que a suspensão ordenada por este despacho não abrangeria a ação de fiscalização que deu origem às liquidações de Selo ora impugnadas por não estar em curso em 14 de outubro de 1999 — dir-se-á que seria incompreensível e injustificado apenas os contribuintes contra quem corresse um procedimento nesta data pudessem beneficiar de tal suspensão.
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Essa posição contraria o objetivo pretendido com a suspensão, que era a definição de um procedimento uniforme para a situação em que a demonstração de um pressuposto do benefício fiscal — a residência do interveniente ou contraparte na operação fora de Portugal — implicasse a derrogação do sigilo bancário pelo contribuinte, independentemente do tipo de procedimento em que pudesse estar inserido naquela data.
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Caso a aplicação da solução preconizada pelo despacho — fosse ela qual fosse — ficasse condicionada ao tipo de procedimento em curso, estaria a introduzir-se um fator de diferenciação entre os contribuintes em função de uma circunstância que foge à esfera de controlo destes últimos, o que não se compagina com o princípio constitucional da igualdade.
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A solução preconizada pela AT e pelo Tribunal recorrido, que se reputa como ilegal, não só ofende a mais elementar igualdade como também o princípio da justiça (cf artigo 6.° do CPA e 55.° da LGT).
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Relativamente aos efeitos do próprio despacho sobre atos já praticados, o princípio da legalidade a que a AT está vinculada faz soçobrar o argumento do Tribunal a quo de que, qualquer que fosse o resultado do despacho ministerial, era insuscetível de afetar os atos de liquidação ou a decisão do procedimento tributário.
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Perante a constatação da ilegalidade de um ato, a AT tem o dever jurídico de o anular ou corrigir, seja por sua própria iniciativa, seja a pedido do contribuinte (cf. artigos 17°, alínea a), 18°, artigo 43°, alíneas b) e c), 71°, n.° 2, alínea d), 97°, n.° 1, do CPT).
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Retirar um direito (isenção) ao particular que cumpriu um dever (sigilo bancário) em nome da prossecução do interesse de fiscalização e cobrança dos tributos públicos não é conforme com o princípio da proporcionalidade, mormente na sua aceção lata da proibição do excesso (cf. artigos 2.° da CRP e 5.º, n.° 2, do CPA).
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Está-se a aniquilar um direito do particular em virtude do cumprimento de um dever legal (sigilo bancário) que, reflexamente, atinge o direito à reserva da intimidade da vida privada consagrado e densificado no artigo 26°, n.° 1, da CRP (do qual o sigilo bancário é uma ferramenta de proteção).
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Numa perspetiva de idoneidade, aptidão ou adequação, a posição acolhida pelo Tribunal a quo, para além de propiciar as maiores iniquidades, desconsidera um elemento crucial que está entre o meio escolhido e o fim a prosseguir que é o dever legal que impende sobre o particular, o que significa que a medida vai além do que é necessário para atingir o fim.
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Numa perspetiva de necessidade ou indispensabilidade da medida, a AT não necessitava de extinguir o benefício fiscal para prosseguir a finalidade de controlo da despesa fiscal.
V. A AT deveria solicitar autorização à autoridade judicial competente para aceder aos elementos relevantes, nos termos estabelecidos no artigo 34°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 363/78, de 28 de novembro, solução que (i) estava ao seu dispor, (ii) era idónea para atingir o fim em jogo e (iii) seguramente era menos gravosa para os direitos e interesses do particular.
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Ao saltar uma etapa crucial — a prevista no artigo 34°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 363/78 — e extinguir a isenção sob o pretexto do incumprimento do ónus probatório pelo particular, a AT não só omitiu uma formalidade essencial como escolheu o meio mais gravoso dentre os possíveis para prosseguir o fim (legítimo) de fiscalização e controlo da despesa fiscal que a lei lhe confere.
X. Mais. Afeta ipso facto a propriedade privada do contribuinte, convertendo a sua obrigação de meramente liquidar imposto ao obrigado (que suporta o encargo do imposto com os próprios meios) em obrigação principal (de pagamento a expensas próprias), como resultado inelutável da desconsideração da isenção do Selo então consagrada no artigo 41°, n.° 7, do EBF.
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A evidente quebra no equilíbrio entre meio e fim deita por terra qualquer tentativa de demonstrar a proporcionalidade da atuação da AT que mereceu o beneplácito do Tribunal recorrido.
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Finalmente, vista da perspetiva do contribuinte, a restrição do direito, que consiste na extinção do benefício fiscal (da operação, salienta-se) e na ablação patrimonial (exigência do pagamento de imposto) não pode sequer considerar-se razoável.
AA. Igualmente arredado de uma decisão que extingue um benefício fiscal em virtude do cumprimento de um dever pelo contribuinte, ainda mais dispondo a AT de outros meios menos gravosos para fiscalizar o exercício desse benefício, está o princípio da imparcialidade (cf. artigo 266°, n.° 2, da CRP e artigo 6.° do CPA).
BB. Ao adotar uma conduta que não revela a — obrigatória — imparcialidade exigível, porquanto esta atropela formalismos e desconsidera deveres para atingir interesses diversos do interesse público, a AT viola, inevitavelmente, o princípio da justiça material (cf. artigo 266°, n.° 2, da CRP e artigo 6.° do CPA).
CC. O ato de liquidação é ilegal por insuficiente ou incongruente fundamentação (cf. artigo 268°, n.° 3, da CRP e artigos 19°, alínea b), 21°, 82.° e 120°, alínea c), do CPT).
DD. A AT não quantificou, com um mínimo de rigor, os factos tributários relevantes porque em momento algum identificou os concretos atos ou contratos subsumíveis à previsão do artigo 54°, da TGIS que visou tributar em Selo.
EE. Omitiu o modo como apurou a matéria tributável e o imposto em face da metodologia grosseira de determinação dos factos tributários e da obscuridade que revestiu.
FF. Não funciona a fundamentação por remissão pela simples razão de que o documento para onde se remete — os “mapas” anexos ao relatório de inspeção — é ele próprio incompleto ou insuficiente para o cabal esclarecimento do contribuinte.
GG. Nem sequer a base legal é clara na medida em que, por um lado, remete para o artigo 54.° da TGIS e, por outro lado, para os artigos 1°, 54.° e 120°-A da TGIS.
HH. A técnica utilizada — por...
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