Acórdão nº 070/19.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução08 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

Z…………, com os sinais dos autos, vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”) interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 709/2018-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRS e juros compensatórios que havia deduzido, invocando oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 1077/11.9BESNT - 01448/17, de 14 de Novembro de 2018 (Acórdão Fundamento).

I.2.

Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo: A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objecto o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 709/18-T, em 12-07-2019, por Tribunal Arbitral Colectivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; B. O Acórdão arbitral recorrido está em oposição com a doutrina do acórdão do colendo Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 1077/11.9BESNT 01448/17, de 14/11/2018, no segmento decisório quanto à concretização do conceito legal de habitação permanente que deverá ser considerado para efeitos de não sujeição a tributação em sede de IRS de mais-valias imobiliárias.

  1. O Acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento quando decidiu, em contradição total com o Acórdão fundamento, declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral que visava a ilegalidade e anulação total da liquidação de IRS do exercício de 2016, ao considerar um conceito de habitação permanente que extravasa as definições legais; D. O acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Cf. Jorge Lopes de Sousa, obra citada), o que se verifica no caso em apreço.

  2. Para que haja oposição é necessário que os acórdãos em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. As soluções opostas devem ter sido adoptadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

  3. Ambos os acórdãos tratam da mesma questão fundamental de direito, que se prende a verificação dos requisitos de não sujeição a IRS de mais-valias realizadas com a alienação de imoveis — habitação (própria e) permanente.

  4. No Acórdão fundamento defende-se que: “No supra transcrito n° 5 do artigo 10° do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (daqui decorrendo que a habitação própria permanente do sujeito passivo — que é o que releva para este efeito — poderá ser distinta da do seu agregado familiar), não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o n° 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal.” H. Concluindo-se que: “Em suma, no caso presente, provado que o impugnante mantinha no prédio vendido, a sua habitação própria e permanente, com o respectivo agregado familiar, há-de verificar-se o requisito previsto no n° 5 do art. 10º do CIRS, para efeitos da não sujeição a imposto do respectivo valor de realização. Sendo que, como salienta o MP, independentemente do eventual incumprimento, neste âmbito, de alguma obrigação acessória por parte dos sujeitos passivos, o que releva é a comprovação de que o prédio alienado em causa tinha aquela especial afectação.” I. Sendo muito claro o entendimento, vertido no referido Acórdão, segundo o qual a declaração do domicílio fiscal consubstancia mera presunção de habitação permanente, que cede perante a demonstração de que outro local se encontra afecto à habitação do sujeito passivo e do seu agregado familiar, nele centralizando a sua vida pessoal, veio a decisão ora recorrida, aparentemente, aceitar a tese da não necessária coincidência entre a habitação permanente e o domicílio fiscal, ao mesmo tempo que a sua decisão e motivação revelam, precisamente, a rejeição daquele entendimento firmado na jurisprudência.

  5. Contrariamente aquele acórdão fundamento, a decisão arbitral sindicada baseia-se num conceito de habitação (própria e) permanente, que se afasta do conceito de habitação permanente que tem vindo a ser densificado pelo colendo Supremo Tribunal Administrativo, remetendo a final para a presunção de que a mesma se situa no domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo.

  6. Tal contradição afere-se tanto no momento em que o julgador utiliza o domicílio fiscal como factor determinante para aferir da verificação do conceito de habitação permanente, como na preponderância que atribuiu a tal factor perante todos os outros factores que lhe foram apresentados.

    L. Enquanto que no Acórdão fundamento há uma prévia determinação pelo julgador da habitação permanente do sujeito passivo por via dos elementos carreados para processo — no caso, atestado da junta de freguesia e facturas de electricidade e gás — afirmando-se em seguida que o domicílio fiscal poderia não coincidir com a habitação permanente e, assim, para a exclusão da tributação fundada na norma legal em discussão, na decisão arbitral recorrida o Tribunal faz concorrer o domicílio fiscal como factor de aferição prévio do que é a habitação permanente, acabando por sobrepô-lo a todos os demais factores invocados pela Recorrente.

  7. Se o domicílio fiscal é factor (primário, como se observa) na análise da habitação permanente, na prática toda a tese da não coincidência, sufragada no douto Acórdão fundamento e (apenas aparentemente) acolhida no Acórdão recorrido é esvaziada e, nesta medida, contrariada.

  8. Apesar de afirmar que são conceitos diversos, a decisão arbitral equipara os dois conceitos, alegando que o domicílio fiscal permite inferir por presunção a habitação permanente.

  9. Contrariamente ao acórdão fundamento, a decisão arbitral prossegue uma interpretação formalista e restritiva do conceito de “habitação permanente”, implicando o cumprimento de determinados requisitos formais que extravasam a norma de exclusão de incidência previstas no Código do IRS.

  10. É, pois, inevitável a conclusão de que, em duas situações idênticas, em que ambos os particulares demonstraram centrar a sua vida pessoal, bem como a do respectivo agregado, num determinado local, foi para o Acórdão fundamento decisiva aquela caracterização, em prejuízo da presunção decorrente da comunicação do domicílio fiscal, para o Tribunal Arbitral, ao mesmo tempo que afirma serem dissociáveis os conceitos de habitação permanente e domicílio fiscal, acaba por dar prevalência a este último enquanto factor caracterizador da habitação permanente.

  11. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão arbitral contestada, com substituição do mesmo por nova decisão que determine a procedência do pedido, com a consequente anulação da liquidação (n.º 6 do artigo 152° do CPTA).

  12. Por tudo o exposto, resta concluir que o Acórdão recorrido se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue procedente o pedido, com a consequente anulação da liquidação de IRS de 2016.

    Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados, revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

    I.3.

    O recurso foi admitido por despacho do relator, não tendo sido apresentadas contra-alegações.

    I.4.

    O exm.º magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela não admissão do recurso, suscitando “questão prévia” quanto à não admissibilidade do recurso e com a seguinte CONCLUSÃO: “Não subsistem dúvidas que em ambos as decisões em confronto os tribunais apreciaram a mesma questão de direito: saber se estavam verificados os requisitos legais de exclusão da tributação das mais-valias imobiliárias à luz do disposto no artigo 10º do CIRS.

    Todavia, não só o quadro jurídico aplicável a cada caso não era integralmente o mesmo, como sobretudo a matéria de facto fixada e dada como assente é diversa e para a qual contribuiu a consagração de uma presunção legal que no caso apreciado pelo acórdão fundamento não estava prevista na lei.

    E, por outro lado, nas suas alegações a Recorrente centra a sua divergência com a decisão recorrida no modo...

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