Acórdão nº 0705/19.2BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução02 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no processo com o n.º 705/19.2BELLE 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente veio interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, negando procedência à reclamação judicial que aquele aí deduziu ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recusou declarar a prescrição da dívida exequenda.

1.2 O Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «I. Entender que o acto de citação tem, relativamente ao prazo da prescrição, um duplo efeito: (i) interruptivo instantâneo, previsto na Lei Geral Tributária, e (ii) suspensivo duradouro até que o processo de execução fiscal tenha decisão final com trânsito em julgado, por aplicação subsidiária do Código Civil ... afigura-se, como se disse, absurdo e inadmissível, violando, de modo expresso e incontroverso, as garantias do contribuinte e os princípios da certeza e da segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (Porque já não prescrevem as dívidas fiscais?, Manuela Silva Marques) ao contrário dos demais actos interruptivos previstos no número 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, o acto de citação não se refere ao processo, que, eventualmente terá natureza duradoura, mas sim a um acto instantâneo cujos efeitos se esgotam na prática desse mesmo acto – citação.

  1. Seria permitir que o processo de execução fiscal ficasse indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre (Porque já não prescrevem as dívidas fiscais?, Manuela Silva Marques).

  2. O que contende com a previsão dos actos interruptivos previstos no número 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, pelo que não será de permitir a atribuição, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 327.º do Código Civil, de efeitos duradouros por referência ao processo de execução fiscal à prescrição, sob pena de se ultrapassar os limites aí previstos e violando-se, dessa forma, as garantias dos contribuintes, sob pena de os processos de execução fiscal ficarem indefinidamente pendentes.

  3. O que acontece in casu, pois desde a citação do aqui Recorrente/Revertido não foi praticado qualquer acto por parte do órgão de execução fiscal.

  4. O regime de prescrição ínsito no artigo 49.º da Lei Geral Tributária não comporta, nem poderá comportar os efeitos duradouros da citação previstos no número 1 do artigo 327.º do Código Civil, sob pena de todas consequências gravosas que daí resultam para os contribuintes e, in casu, para o aqui Reclamante, violando-se, se assim não se entendesse, os princípios da certeza e segurança jurídica ínsitos ao princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

  5. Deverá entender-se que o regime de prescrição ínsito no artigo 49.º da Lei Geral Tributária não comporta, nem poderá comportar os efeitos duradouros da citação previstos no número 1 do artigo 327.º do Código Civil, pois, a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado tem – tão só – mero efeito instantâneo de inutilizar para a prescrição o tempo até então decorrido, iniciando-se a partir dessa data novo prazo.

  6. Estando a matéria de prescrição sujeita ao princípio da legalidade, não é possível, nesta matéria, lançar mão de interpretações que, não tendo qualquer apoio no texto da lei, criem efeitos suspensivos do prazo de prescrição, trazidos do direito civil, sem que para eles haja remissão expressa, ou se verifique qualquer lacuna a preencher, tal como resulta do número 2 do artigo 9.º do Código Civil, falecendo assim, o entendimento de que a citação, para o processo de execução constitui um facto interruptivo e simultaneamente suspensivo do prazo de prescrição, pois, tal entendimento decorre apenas de um entendimento doutrinal, não tendo qualquer suporte legal, nomeadamente no artigo 49.º da Lei Geral Tributária, que apresenta de forma coerente e expressa na sua letra os factos interruptivos e suspensivos da prescrição, bem como os seus efeitos.

  7. Como se disse, e em concordância absoluta com o entendimento da Exma. Sra. Juiz Conselheira Dra. Ana Paula Lobo, in Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01360/17, de 10.01.2018, consultável em www.dgsi.pt – “Como tem definido de forma unânime a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de que é exemplo o Acórdão de 14 de Outubro de 2009, proc. nº 528/09, que “As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria”, jurisprudência também constante do Tribunal Constitucional de que é exemplo o Acórdão de 5 de Julho de 2010, proc. n.º 133/10. Sendo as causas de suspensão do prazo de prescrição uma das garantias dos contribuintes, quando referidas às relações jurídico-tributárias, estão estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal, consagrado no n.º 2 do art. 103.º da Constituição da República, pelo que, acompanhando as palavras de Benjamim Rodrigues, in “A Prescrição no Direito Tributário”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pp. 261 e 266, diremos que hão-de elas englobar, “(…) todo o critério de decisão ou de qualificação de quaisquer efeitos concernentes à prescrição tem de constar da norma de tributação emitida nos sobreditos termos”, incluindo, por conseguinte, “a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão”.

    A interpretação das causas de suspensão expressas na sentença recorrida quanto à suspensão do processo de execução após a citação do executado apresenta-se, pois, em meu entender, ferida de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa”.

  8. Nestes termos, o Tribunal a quo ao decidir da forma que decidiu, violou o preceituado nos artigos 49.º da Lei Geral Tributária, artigo 2.º e número 2 do artigo 103.º ambos da Constituição da República Portuguesa».

    Concluiu pedindo a revogação da sentença e sua substituição por acórdão que, julgando procedente a reclamação judicial, extinga os processos de execução fiscal por prescrição da dívida exequenda.

    1.3 A Recorrida não contra-alegou.

    1.4 Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Após resumir o decidido pela sentença e os termos do recurso, enunciou a questão a dirimir como sendo a de «saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da questão da prescrição da dívida exequenda e designadamente à luz dos princípios constitucionais da certeza e segurança jurídicas e das garantias dos contribuintes», exarou os seguintes considerandos: «[…] 1. No que respeita a esta questão a Mma. juiz [do Tribunal] “a quo” seguiu neste particular a jurisprudência do STA1 [1 Cfr. acórdãos de 08/01/2017, proc. n.º 0895/14, de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15; de 19/01/2016, proc. n.º 01060/16; de 07/01/2016, proc. n.º 01564/15; de 26/08/2015, proc. n.º 01012/15; de 15/01/2014, proc. n.º 01670/13, de 06/03/2014, proc. n.º 0601/13; de 16/11/2011, proc. n.º 0289/11; de 12/08/2009, proc. n.º 0748/09; e de 17/12/2008, proc. n.º 01020/08.

    ], que de forma reiterada e pacífica tem adoptado o entendimento sufragado na doutrina pelo conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA [Cfr. entre outros os acórdãos de 19/10/2016, proc. n.º 01060/16, e de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15] (In Notas Práticas sobre a prescrição da obrigação Tributária, Áreas Editora, pág. 51), no sentido de que: “a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção, presente em todas as situações (artigo 326.º, n.º 1 do CC). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º n.º 1 do CC). Resultam, assim, destes artigos 326.º e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição)”.

    Considera, assim, o STA que na aplicação do disposto no artigo 49.º da LGT, há lugar à aplicação subsidiária do regime previsto nos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil, para fixação dos efeitos dos factos interruptivos, entendimento este sufragado na doutrina pelo ilustre conselheiro Jorge Lopes de Sousa 2 [2 In Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas, 2.ª ed., 2010, p. 57.

    ], que defende o duplo efeito dos actos interruptivos: um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação – art. 326.º, n.º 1, do C.Civil, e um efeito suspensivo, que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo – art. 327.º, n.º 1, do C.Civil.

    No caso concreto dos autos estão em causa obrigações tributárias decorrentes de actos de liquidação de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2008 e 2009, de IMI do ano de...

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