Acórdão nº 01798/18.5BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1. A…………, devidamente identificado nos autos, e Instituto dos Registos e Notariado, IP (IRN, IP), recorrem ambos para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 04.07.2019, em que se “decide conceder provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos à 1ª Instância para que se aquilate da convolação do pedido de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, em requerimento de processo cautelar adequado à tutela dos direitos invocados”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAC de Lisboa, de 29.03.2019, que julgou “improcedente a presente intimação, absolvendo-se a Entidade Demandada da instância”.

  1. O R. IRN, IP, ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 496 a 502 - paginação SITAF): “I – Inexistindo norma jurídica que disponha sobre atribuição ou aquisição de nacionalidade portuguesa provisória, o processo cautelar não permite responder ao requerente, porque as providências cautelares caracterizam-se pela sua provisoriedade; II – A via normal de reação, terá de ser sempre a propositura de uma ação comum administrativa não urgente, porque, só quando, num caso concreto, se verifique que a utilização da via normal, não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil, dum direito, liberdade ou garantia, é que deve entrar em cena o processo de intimação, previsto no artigo 109 do CPTA, que tem caráter subsidiário.

    III – Inexistindo qualquer vício de violação da lei que possa ser imputado à Sentença/Decisão, deve aquela manter-se na ordem jurídica; Tudo com as demais e legais consequências só assim se fazendo a Costumada Justiça!” 3.

    Devidamente notificado, o A., ora recorrido, não produziu contra-alegações.

  2. O A., ora recorrente, culmina as suas alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. alegações de fls. 505 a 536 paginação SITAF): “I. O Tribunal a quo decidiu que o recorrente utilizou indevidamente o meio processual com que configurou o r.i., i.e. Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias – confirmando assim o entendimento do Tribunal de primeira instância.

    1. Decidiu, contudo, que deveria ter sido ponderada a convolação da intimação em processo cautelar.

    2. Apesar de o Tribunal a quo ter qualificado a decisão do recurso como procedente, a verdade é que o recorrente ficou vencido e, assim, prejudicado pelo acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

    3. Isto porque o recorrente não pode conformar-se com nenhuma das decisões do Tribunal a quo: nem com a procedência da exceção de impropriedade do meio – que o Tribunal a quo acabou por confirmar – nem sequer com a possibilidade de convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar. Assim, o recorrente tem legitimidade processual para interpor o presente recurso, que deverá ser admitido e julgado procedente por este Supremo Tribunal Administrativo.

    4. O critério de admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é um critério qualitativo em que o legislador optou por reservar para tal tribunal superior a apreciação de questões em que, quer pela sua relevância jurídica ou social, quer pela clara necessidade de melhor aplicação do direito, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo seja fundamental.

    5. Em causa nos presentes autos está a apreciação de três questões fundamentais: a possibilidade de procedimentos discriminatórios por ordem de serviço da entidade recorrida, a possibilidade de recurso à intimação para proteção de direitos liberdades e garantias para reação contra violações a direitos fundamentais e se a urgência é um pressuposto autónomo desse tipo processual.

    6. É essencial a intervenção norteadora do Supremo Tribunal Administrativo, de modo a que se estabilize definitivamente “o que é das providências cautelares” e “o que é das intimações”, questão que não encontra resposta suficientemente consolidada na jurisprudência dos Tribunais superiores, como fica desde logo bem demonstrado pelo voto de vencido de um dos Senhores Desembargadores que compôs o Tribunal a quo.

    7. Ademais, é ostensivamente contrária à lei e ao regime das intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente no que diz respeito à exigência da “urgência” como pressuposto autónomo deste tipo de processo.

    8. A ofensa dos direitos fundamentais em causa, a gravidade das consequências potenciais para o recorrente e a circunstância de tal situação afetar muitos outros cidadãos com o direito potestativo à nacionalidade portuguesa e europeia – sendo previsível que tais ofensas continuem a ocorrer – justificam a atribuição de relevância jurídica e social à apreciação do presente recurso, impondo-se ao Supremo Tribunal Administrativo a pronúncia sobre esta matéria, nos termos do disposto no art. 150º nº 1, 1ª parte do CPTA.

    9. Resulta claro, quer das alegações de recurso, quer das próprias contra-alegações do recorrido e ainda do parecer do Ministério Público junto do Tribunal a quo que nenhuma das partes envolvidas configurou a convolação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, nos termos do art. 110º-A do CPTA, nem tampouco se pronunciou sobre tal possibilidade, trazendo a juízo os seus argumentos, posição e fundamentação jurídica.

    10. Entendendo o Tribunal a quo que a intimação era improcedente, mas que poderia ser convolada em procedimento cautelar, deveria ter dado às partes a oportunidade para exercer o contraditório sobre tal solução não discutida nem pretendida por nenhuma das partes; tendo o Tribunal a quo decidido sem ouvir as partes sobre uma solução jurídica não pretendida por nenhuma das partes, o Tribunal a quo omitiu um ato processual relevante prescrito por lei, ou seja, a garantia do contraditório prevista no art. 3º, nº 3 do CPC.

    11. Face às alegações e conclusões apresentadas em juízo pelo recorrente não podia, o Tribunal a quo, ter concluído que o recorrente nada alegou quanto a uma perda irreversível de faculdade do exercício de um direito fundamental.

    12. Igualmente incompreensível é o facto de o Tribunal a quo se referir, a propósito do direito fundamental sujeito a prazo de exercício, como sendo o direito à cidadania portuguesa quando o recorrente alegou de forma clara e explicita que é o direito a fixar residência no Reino Unido como cidadão português que se encontra iminentemente ameaçado pela saída do Reino Unido da União Europeia.

    13. O direito fundamental ameaçado, e que tem que ser exercido até 31/10/2019 não é o direito à cidadania portuguesa, mas sim o direito a fixar residência no Reino Unido, como cidadão europeu… E isso resulta absolutamente claro das alegações de recurso (vide capítulos 3.1.2, 3.1.3 e conclusões XIV a XXIII das alegações de recurso), que o Tribunal a quo não poderia ter ignorado.

    14. Em todo o caso, a delicadeza e importância dos bens jurídicos lesados – direito à nacionalidade portuguesa, direito à proteção contra qualquer tipo de discriminação, liberdade de circulação e direito de fixar residência em Portugal e no espaço comunitário e tantos outros decorrentes do reconhecimento do estatuto de cidadão nacional português – não é compatível com os prazos de pendência judicial em ação administrativa comum ou especial. E não é porque tais direitos são pessoais, pessoalíssimos e as pessoas têm tempos de vida limitados e o que não vivem, perdem irremediavelmente.

    15. A interpretação que o Tribunal a quo faz do regime das intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias é manifestamente contrária à lei e à jurisprudência deste Supremo Tribunal...

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