Acórdão nº 038/19.4BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A………….

e B…………., devidamente identificados nos autos, recorreram para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que condenou o primeiro na pena de suspensão de 113 dias e na sanção acessória de multa de 2.869,00€ e o segundo na pena de suspensão de 75 dias e na sanção acessória de multa de 1.913,00€.

*Por acórdão do TAD, proferido em 06 de Fevereiro de 2019, foi decidido, com um voto de vencido, a) julgar improcedente o vício de erro na apreciação da prova, b) julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas no processo disciplinar …………, ao abrigo dos artigos 112º e 136° do RD e c) negar provimento ao pedido de reconhecimento de isenção de custas formulado.

*A FPF apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 16 de Abril de 2020, negou provimento ao recurso, confirmando o julgado do TAD.

*A FPF, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.

A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 16 de abril de 2020, que confirmou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Esta instância, por seu turno, havia decidido revogar a decisão de aplicação aos ora Recorridos de multa por violação do disposto nos artigos 112.º e 136.º do RD da LPFP.

  1. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes e respectivos dirigentes pelas declarações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afetar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.

  2. A Recorrente não pretende fazer deste recurso de revista e do STA uma terceira (ou quarta, se tivermos em consideração a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida) instância de apreciação deste caso, o que, como se sabe, não é possível.

  3. Contudo, a questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes e respectivos dirigentes pelas declarações que difundem ou fazem difundir nas suas redes sociais e nos meios de comunicação social - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.

  4. Recorde-se que em causa nos presentes autos estão publicações e declarações do Recorrido A…………., que melhor se referem supra e das quais se destacam as seguintes: “os jogos não se jogam dentro das quatro linhas (…). O Senhor C………… já ultrapassou todos os limites do ridículo”, ou “inacreditável… A pressão aos árbitros já mete nojo! Queres provocar o pânico aos árbitros nos jogos que arbitram o Sporting CP e ainda passar a mensagem que os jogadores do Sporting CP têm de estar a ser sempre punidos (…). C………. já não perdeu só o bom senso a nomear, já perdeu toda a noção do ridículo!”, mas também “São exemplos e factos concretos de que o futebol continua a ser jogado fora das quatro linhas, de que a forma como é feito já nem sequer é velada”.

  5. Estão também em causa declarações do Recorrido B…………, melhor referidas supra e das quais se destacam as seguintes: “Isto é coação. Se perdoarem um penalti contra o Sporting, levam a sério. É um aviso aos árbitros”, ou “A saída das notas que apitaram o Sporting é a mais vil forma de coação sobre os árbitros. Só vejo nesta intenção coagir os árbitros que apitam o Sporting nas decisões que têm de tomar. Não tenho medo das palavras, o Conselho de Arbitragem não agir é uma espécie de conivência interna”, bem como “Para lançar maior perturbação na arbitragem foi feita a nomeação de D………… para o jogo do Benfica (…). Compreendo que dê conforto ao Benfica. (…) C……….. deixou cair a máscara. (…) E………. apitou dois jogos do Benfica e o Benfica perdeu os dois. Foi afastado por não dar 100 por cento de garantias ao Benfica” e também “As imagens televisivas demonstram claramente que a verdade dos factos não é o que vem no relatório do árbitro. (…) os sportinguistas já não duvidam que o facto de o Sporting ir em primeiro lugar incomoda muita gente”.

  6. Por um lado, se é certo que o futebol é a modalidade desportiva com mais relevo na sociedade portuguesa, tal não torna os litígios com ele relacionados automaticamente relevantes do ponto de vista social, pese embora possam ter o seu espaço cativo diário nos órgãos de comunicação social.

  7. Porém, o que assume especial relevância social é a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios clubes e/ ou dirigentes dos clubes, através dos seus meios de comunicação oficiais ou outros.

  8. De igual forma, também este Supremo Tribunal Administrativo, quando aceitou conhecer este tipo de declarações, numa situação muito idêntica à dos presentes autos, entendeu, de forma clara, que imputações destas “atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.”.

  9. É também verdade que o STA não pode ser chamado a pronunciar-se sobre todas as questões que lhe são colocadas, mas apenas quando a sua intervenção seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

  10. O bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.

  11. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.

  12. Assim, quando analisados os artigos 112.º e 136.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.

  13. Por outro lado, não se pode olvidar que os Recorridos têm deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.

  14. Os Recorridos têm, nomeadamente, o dever de “manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva” (artigo 19.º, nº 1, do RDLPFP19); e de “manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51.º, nº 1 do Regulamento de Competições da LPFP).

  15. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.

  16. Quando uma entidade, qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..

  17. Com efeito, para que os Recorridos, ou qualquer outra sociedade desportiva ou agente desportivo, sejam condenados pela prática dos ilícitos disciplinares previstos nos artigos 112.º e 136.º é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.

  18. Ao contrário daquilo que entende o TCA, não estamos, obviamente, perante a prática...

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