Acórdão nº 0133/11.8BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A…………, por si e na qualidade de representante da sua filha menor B…………, ambos residentes em Lousada, melhor identificados nos autos, vieram intentar a presente acção administrativa comum contra o CENTRO HOSPITALAR DO TÂMEGA E SOUSA, E.P.E.

, doravante CHTS, com sede em Penafiel, peticionando: “A condenação do Réu a pagar aos demandantes a quantia global de 354.488,73€ (trezentos e cinquenta e quatro mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e setenta e três cêntimos, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, na sequência do falecimento C…………, cônjuge e mãe dos Autores, ocorrido após episódios de urgência e no decurso de uma intervenção cirúrgica.”*Por decisão do TAF de Penafiel, proferida por juiz singular, datada de 14 de Janeiro de 2016, a presente acção administrativa comum foi julgada totalmente improcedente e, consequentemente, absolvido o Réu do pedido.

*Os Autores apelaram para o TCA Norte e este, por acórdão proferido a 29 de Março de 2019, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e declarou parcialmente procedente a acção.

*O réu, CHTS, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “1.

Da prova produzida não existem quaisquer dúvidas que a assistência médica prestada foi exemplar inexistindo a prática de qualquer ilícito e culposo praticado pela equipa médica ao serviço da doente, ou mesmo qualquer “faute du service”.

  1. É certo que o relatório de autópsia da paciente C............ revela a existência de quantidades letais dos fármacos Tramadol e Paracetamol, mas essa conclusão não determina que os actos praticados tenham sido ilícitos ou culposos, pelo que bem andou o tribunal a quo quando julgou improcedente a acção por não se verificarem tais requisitos.

  2. Na verdade, a paciente C............ recorreu no dia 13 de Fevereiro, pelas 09:25h ao Serviço de Urgência do Hospital Santa Casa da Misericórdia de Lousada, com queixas de vómitos e dor centro-torácica, tendo alta com o diagnóstico de dispneia e medicada com Ranitidina - Primperan.

  3. Pelas 18:53h a C............ deu entrada no Serviço de Urgência do recorrente, referindo na admissão medicada com Clamoyl para uma infecção respiratória, mas naquele dia sentiu agravamento da dispneia e dor torácica por exacerbada pela tosse e inspiração. Aqui foi observada e tratada para a dor, tendo alta médica para o exterior, pelas 21.34 h, medicada com ZAIDIAR, com diagnóstico de saída compatível com nevrite ou radiculite torácica.

  4. Cerca das 23:15 h, daquele dia, por agravamento dos sintomas recorreu ao seu médico de família que concluiu que a doente apresentava um quadro grave, estado crítico, perto do choque, apresentando baixa frequência cardíaca, hipotermia, ligeira sudorese e tensões arteriais quase a desaparecer, pelo que reencaminhou a paciente novamente para o Serviço de Urgência do recorrente.

  5. A C............ regressou novamente ao Serviço de Urgência do ora recorrido pelas 00:01h, do dia 14 de Fevereiro, acompanhada de uma carta do médico de família, Dr. D…………, com a informação supra mencionada. Ainda, de acordo com as declarações prestadas em sede de processo de inquérito nº ……… , que correu termos nos serviços do Ministério Público de Público, do Tribunal Judicial de Penafiel, o mesmo refere que a vítima esteve no seu consultório, em Lousada, cerca das 23.00h, tendo reencaminhado a C............ para o Hospital devido ao seu estado crítico, já que a mesma se encontrava em estado de pré-choque.

  6. Efetuada a Triagem de Manchester foi atribuída pulseira laranja (atribuída a doentes muitos urgentes) considerando o estado apresentado pela doente, falta de força, dor torácica, tonturas e lipotimia (sensações de desmaio), tensões arteriais não mensuráveis. Em face deste quadro clínico procedeu-se de imediato à monitorização e avaliação dos sinais vitais, requeridos exames complementares de diagnóstico.

  7. Foi iniciada terapêutica medicamentosa, concretamente, pelas 00:56 h foi administrado à doente paracetamol 1g Frs/ Amp Inj (Inj, 1 GR, -, Ev, unitário) prescrito pelo Dr. E………… e às 7:25h foi administrado Tramadol 100 Mg/2 ml Amp Im/ Iv Inj (Inj, 100 MG, -, Ev, unitário) igualmente prescrito por aquele clínico, conforme os registos clínicos juntos aos autos.

  8. Às 11:20h é novamente avaliada por agravamento do quadro clínico - manifestos sinais de choque - pedida a colaboração de medicina interna e cardiologia. Os resultados analíticos revelaram leucocitose, elevação de creatinina e teste imunológico de gravidez positivo. Assim, na presença de todos estes indicadores coadunava-se como evidente a hipótese de diagnóstico de gravidez ectópica rota com choque de natureza indeterminada. A doente foi de imediatamente transferida para o Serviço de Urgência de Ginecologia/Obstetrícia onde foi efetuada ecografia transvaginal e de seguida avançando-se para a realização de laparotomia exploradora.

  9. A doente dá entrada no Bloco Operatório, pelas 12.10h, em CHOQUE, tendo sido iniciada cirurgia às 12:20h, 10 minutos após a C............ desenvolve subitamente um quadro de bradicardia seguida de PARAGEM CARDIACA EM ASSISTOLIA, revertida após um ciclo de suporte avançado de vida. Entre outros fármacos aplicados no decurso da cirurgia assinala-se, com relevância para os autos, que às 12:45h foi administrado 200 mg de Tramadol.

  10. Às 13.34h REPETE-SE o quadro de PARAGEM CARDIACA, cujas manobras de reanimação terminaram sem sucesso, às 14.02h, confirmando-se o óbito às 14:03h.

  11. O quadro clínico da falecida C............ às 23:00h do dia 13 de Fevereiro era muito grave, referindo o seu médico de família que a paciente encontrava-se em pré-choque. Pelo que, o relatório da autópsia não é passível de interpretação descontextualizada da cronologia dos acontecimentos.

  12. O Parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, datado de 17/09/2014, refere na sua Nota Introdutória que “Não há, na literatura científica, estudos observacionais em indivíduos submetidos a deplecção volumétrica, por transudacção, exsudação ou hemorragia significativas e a diminuição marcada da pressão arterial. Estas situações patológicas representam desvios da estabilidade fisiológica susceptíveis de alterar profundamente a farmacocinética e metabolismo dos fármacos, pelo que não é legítima a aplicação dos dados farmacocinéticos actualmente conhecidos a doentes nestas condições”.

  13. Assim, tendo em atenção as considerações tecidas sobre o caso específico dos autos, na Nota Introdutória do parecer supra referido, todo e qualquer juízo que se faça sobre este assunto estará condicionado pela mesma.

  14. As doses de medicação ministradas à C............foram as que se encontram registadas pelo médico que as prescreveu e pelo enfermeiro que as registou ou seja, à C............ foram aplicadas as quantidades registadas na informação clínica: Paracetamol 1g, 2 tomas às 00.56h e 11.34h Tramadol 300mg, 2 tomas às 7.25h. (100 mg) e 12.45h (200mg), doses que se encontram dentro dos parâmetros recomendados.

  15. Só por hipótese meramente académica se poderia admitir a existência de um erro desta natureza atentos os apertados e rigorosos sistemas de controlo no acesso e manuseamento de medicamentos em ambiente hospitalar, quanto mais um erro desta magnitude, ou melhor vários e sucessivos erros pois que, admitindo que a C............ estava em condições normais e sabemos que não estava, para atingir níveis como os indicados teriam que ser ministradas várias doses daqueles fármacos.

  16. Em face do exposto não pode o Tribunal “a quo” concluir que “(…) isso não afasta a possibilidade de erro, a vários níveis: Por mero exemplo, erro no registo das tomas, erro na dosagem e aplicação das tomas, erro v.g. por sobredosagem ou duplicação de administração dos fármacos, entre outros qual a realidade, sempre mais rica que a ficção, pode suportar em tese verosímil ao afastamento de uma certeza absoluta sobre a correspondência entre o constante daqueles registos e a realidade efetivamente ocorrida.

    ” (pág. 56).

  17. Os níveis séricos de referência apresentados pela bibliografia para o Tramadol (níveis terapêuticos – 0.1 a 0.8 mg/l, níveis tóxicos – 1mg/l e níveis letais > 2mg/l) correspondem a determinações efectuadas na fase de staedy-state, e não na fase inicial de distribuição e não vemos explicado no Relatório de Autópsia em que circunstâncias se referem os 2 mg/l, pelo que se mostra insuficiente para o cabal esclarecimento da conclusão a que chega.

  18. A observância da leges artis consiste na obediência das regras teóricas e práticas de profilaxia, diagnóstico e tratamento aplicáveis no caso concreto, em função das características do doente e dos recursos disponíveis pelo médico. Deste modo, a morte da paciente C............ não pode ser entendida como evidência de má prática ou violação da leges artis ou qualquer “faute du service”.

  19. A prova produzida em sede de julgamento – testemunhal, documental e inclusivamente dos esclarecimentos periciais – indica que conduta adoptada pelos profissionais de saúde do recorrente, justificava-se clínica e terapeuticamente, respeitando as Leges Artis aplicável e não se verificando qualquer “faute du service”.

  20. Só fica constituído na obrigação de indemnizar aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger os interesses alheios, bem como o disposto no art. 7º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, prescreve que só se consideram “ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

  21. A circunstância do resultado desejado não ter sido alcançado não significa que as opções tomadas não tenham sido...

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