Acórdão nº 0143/17.1BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 - O Sporting Clube de Portugal-Futebol, SAD (Sporting-Futebol, SAD) apresentou pedido de arbitragem necessária junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) com vista a recorrer das sanções disciplinares que lhe foram aplicadas inicialmente pelo Conselho de Disciplina da FPF (CD da FPF), por decisão de 14.03.2017, ulteriormente confirmadas por acórdão do Pleno da Secção Profissional do CD da FPF, de 26.04.17, que negou provimento ao recurso hierárquico impróprio apresentado pela Sporting-Futebol, SAD. As sanções disciplinares reportam-se ao jogo que se realizou em 10.09.2016 entre a Sporting-Futebol, SAD, e a Moreirense, SAD.

O TAD, por acórdão de 08.09.2017, decidiu do seguinte modo: “Atento o que antecede, decide-se:

  1. Julgar improcedentes as questões prévias suscitadas pela demandante.

  2. Julgar procedente o pedido de anulação da multa aplicada ao abrigo do artigo 187.º, n.º 1, alínea a) do RD.

  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da multa aplicada ao abrigo do artigo 127.º do RD e, em consequência, fixá-la no valor correspondente a 5 UC.

  4. Julgar improcedente o demais peticionado.

  5. Negar provimento ao pedido de reconhecimento de isenção de custas formulado pela demandada, com fundamento no despacho do senhor presidente do TAD proferido no Proc. n.º 2/2015 que este Colégio Arbitral sufraga, anexando-se o referido despacho ao presente acórdão, dele fazendo parte integrante”.

    Inconformada, a SCP-Futebol, SAD, interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS). Este tribunal, por acórdão de 15.02.2018, confirmou parcialmente o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), na parte em que condena a FPF a pagar à A. as importâncias referentes às multas em que foi condenado pela prática das infracções disciplinares previstas nos artigos 127.º, n.º 1, e 187.º, n.º 1, al. a), do RD da FPF, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data em que tais quantias foram liquidadas e até efectivo e integral pagamento.

    Inconformada, vem agora a FPF interpor recurso de revista do mencionado acórdão do TCAS de 15.02.2018, o qual entendeu que a ora recorrente culposamente praticou um acto ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual.

    2 – A R., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr.

    as alegações de recurso de fls. 284 a 300 – paginação SITAF): “1.

    A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 15 de fevereiro de 2018, que confirmou apenas parcialmente o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, na parte em que condena a FPF a pagar ao autor as importâncias referentes às multas em que foi condenado pela prática das infrações disciplinares previstas nos artigos 127.º, n.º 1 e 187.º, n.º 1, al. a) do RD, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data em que tais quantias foram liquidadas e até efectivo e integral pagamento.

    1. A Recorrente vem requerer que este Supremo Tribunal admita e aprecie o recurso de revista ora interposto, essencialmente por entender que é fundamental, para uma melhor aplicação do direito, que esta douta instância venha apreciar se neste caso concreto e perante o ato que foi praticado, se encontram, ou não reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Esta questão assume, igualmente, como teremos oportunidade de expor infra, relevância social e jurídica.

    2. Assume especial relevância social saber se e em que medida pode um dos órgãos jurisdicionais da Federação Portuguesa de Futebol ser civilmente responsabilizada pelas suas decisões disciplinares ainda que não exista um erro grave culposo na emanação do ato em análise e/ou na apreciação das normas jurídicas aplicáveis.

    3. Admitir, como fez o TCA Sul, que pelo facto de uma decisão disciplinar ser parcialmente anulada por um tribunal ela considera-se automaticamente ilícita e, mais, que a ora Recorrente agiu com culpa é colocar em causa toda a autonomia e liberdade de julgar por parte do Conselho de Disciplina.

    4. Ficou patente que a ora Recorrente em nenhum momento praticou atos ilícitos, pelo contrário, aplicou as normas cuja aplicação é seu dever e respeitou as decisões jurisdicionais e vinculativas que se lhe dirigem. Desde logo, porque num primeiro momento dá cumprimento e execução à decisão proferida pelo TAD no processo n.º 28/2016 e que a obrigava a fundamentar a decisão condenatória; num segundo momento, porque o acórdão do Conselho de Disciplina apenas parcialmente foi revogado pelo TAD, não se demonstrando, ao contrário do que afirmou a ora Recorrida no seu recurso para o Tribunal a quo, que tenha existido qualquer erro culposo na aplicação das normas legais e regulamentares.

    5. O Conselho de Disciplina é um dos dois órgãos jurisdicionais da Federação Portuguesa de Futebol, o que decorre quer do Regime Jurídico das Federações Desportivas, quer dos Estatutos da FPF que, aliás, afirmam a independência dos titulares destes órgãos no exercício do seu poder decisório.

    6. Sendo um órgão jurisdicional, cabe-lhe interpretar e aplicar normas, apreciar todos os casos submetidos ao seu crivo, designadamente através da análise crítica dos factos e das provas, subsumindo-os ao direito.

    7. Na senda de vasta jurisprudência, não é por uma decisão condenatória vir a ser posteriormente anulada pelo TAD ou outra instância jurisdicional que existirá automaticamente ilicitude na conduta do órgão em causa, ao contrário do que entendeu, mal, o Tribunal a quo; se assim fosse, mal estavam os juízes e Tribunais deste país. Faz parte das funções de quem julga apreciar os litígios de acordo com a interpretação dos factos e do direito que considera a melhor e mais correta para o caso concreto.

    8. O facto de uma decisão ser posteriormente anulada por outra entidade jurisdicional significa apenas que existem duas (ou mais) apreciações fáctico-jurídicas do caso, bem como duas soluções jurídicas para a situação em causa, as quais são ambas legítimas.

    9. A independência do órgão jurisdicional que é o Conselho de Disciplina implica que os seus membros possam definir o direito aplicável com autonomia e liberdade. Naturalmente, estão, no seu agir, vinculados aos elementos factuais demonstrados no processo e sujeitos a todo o quadro normativo aplicável ao caso.

    10. No entanto, caso a decisão recorrida posteriormente anulada por entidade jurisdicional hierarquicamente superior fosse considerada clara e manifestamente desrazoável, arbitrária, assente em conclusões absurdas, reveladora de um indiscutível erro judiciário ou reveladora de um desconhecimento absoluto e geral do direito, aí poderia considerar-se que a mesma era ilícita, para efeitos de responsabilidade civil.

    11. Porém, no caso concreto é manifesto que a decisão do Conselho de Disciplina não padece de erro de direito que dê fundamento a responsabilidade civil por ato ilícito, uma vez que não ficou demonstrado que tenha ocorrido um erro grosseiro ou indiscutível, nem que a decisão tenha sido arbitrária. Tal não é sequer apreciado pelo Tribunal a quo.

    12. Com efeito, este tipo de questões relativas à responsabilidade dos clubes por comportamentos incorretos dos seus adeptos é, desde tempos remotos, apreciada consistentemente da mesma forma pelos órgãos disciplinares e jurisdicionais da FPF, ou seja, em períodos que antecederam esta concreta formação, este concreto mandato, do Conselho de Disciplina. Tais decisões não mereceram, nunca no passado, reação contenciosa por parte dos clubes.

    13. Apenas recentemente este tipo de questões começou a ser trazida ao crivo do TAD, sendo certo que mesmo nesse Tribunal existem, atualmente, duas linhas jurisprudenciais opostas, uma no sentido do defendido pela ora Recorrente, ora no sentido do decidido pelo TCA Sul. Refira-se, aliás, que a primeira das decisões desfavoráveis à FPF foi proferida a 8 de setembro de 2017 e o acórdão impugnado perante o TAD é datado de 26 de abril de 2017 e que nenhuma das decisões proferidas até ao momento se encontra transitada em julgado.

    14. Evidentemente, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que foi praticado um ato ilícito.

    15. Torna-se, assim...

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