Acórdão nº 0494/13.4BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A…………, S.A., com os sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 6 de Novembro de 2019, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial, por si deduzida, contra o acto de indeferimento relativo ao requerimento de não sujeição à obrigação de entrega de declaração de rendimentos (modelo 22) formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: «[…] 1) O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls… proferida nos autos referidos em epígrafe, que julgou a acção administrativa especial deduzida pela ora Recorrente parcialmente procedente.

2) A posição vertida pelo Tribunal a quo, relativamente ao ano de 2012, comporta um erro de julgamento (error in judicando) de direito, visto que o decidido pelo Tribunal a quo foi motivado por uma interpretação desacertada e equivocada da constelação normativa mobilizável ao caso concreto, que choca com o artigo 9.º, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, da LGT.

3) Partindo do artigo 7.º, do CIRC, e do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, o Tribunal a quo deveria ter interpretado a questão da eventual obrigatoriedade de entrega da Modelo 22, por parte da Recorrente, à luz do elemento teleológico, sistemático, e histórico da norma.

4) A Recorrente é um sujeito passivo de IRC (al.

a), do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC), e os seus rendimentos poderiam encontrar-se sujeitos a tributação em sede de IRC.

5) A Recorrente, porém, não aufere, nem nunca auferiu, quaisquer rendimentos sujeitos a IRC, só se podendo concluir, por isso, que não lhe compete qualquer obrigação declarativa em sede de IRC.

6) Como a Recorrida bem sabe, a Recorrente é uma sociedade anónima que tem como actividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar e, por força da actividade que exerce, a lei, nos termos do artigo 7.º, do CIRC, confere-lhe uma não sujeição dos rendimentos decorrentes dessa actividade, em sede de IRC.

7) De facto, a inclusão da A………… como sujeito passivo de IRC acaba por ser meramente abstracta: ocorre apenas por força da sua forma jurídica, de sociedade comercial, e porque tem a sua sede e direcção efectiva em Portugal.

8) Neste caso, apesar de se verificar a dimensão pessoal, a incidência subjectiva, não se verifica a dimensão real, a incidência objectiva, porquanto os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo não se encontram efectivamente sujeitos a este imposto.

9) Assim, a Recorrente, sob nenhuma forma, cai no âmbito de incidência efectiva do IRC, entendimento que emerge do artigo 7.º, do CIRC, e do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e que é, inclusivamente, adoptado pelo Tribunal a quo.

10) Não auferindo a Recorrente quaisquer rendimentos sujeitos a IRC (como nunca auferiu), não apresentou, consequentemente, a declaração de rendimentos.

11) De facto, a obrigação declarativa, prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 117.º, do CIRC, deve ser excluída no que toca à Recorrente, porquanto a Recorrente não aufere rendimentos sujeitos a IRC e, embora se considere um sujeito passivo de IRC, na verdade, na prática, todos os seus rendimentos estão “isentos” nesta sede.

12) Fundamentos estes que não foram alterados com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2012, de 14 de Maio, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, visto que, apesar das alterações introduzidas à letra da lei pelo legislador (revogação do n.º 7 do artigo 117.° do CIRC), a racionalidade subjacente ao artigo 117,°, do CIRC, em leitura conjunta com o artigo 7.°, do CIRC, e o artigo 84.º do Decreto- n.º 422/89, mantém-se.

13) O próprio Tribunal a quo afirma que “Regressando aos autos, quando aos rendimentos de 2011 julgamos que deverá prevalecer o elemento finalístico do n° 7 do artigo 117° do CIRC, em detrimento de uma interpretação literal, conceptual ou meramente gramatical” 14) Contrariamente ao postulado, esta interpretação finalística, adequada ao espírito da norma e ao conjunto das normas mobilizáveis ao caso, envolve toda a norma, bem como a sua articulação com o artigo 7.º, do CIRC, e o artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e não apenas o n.º 7, do artigo 117.º, do CIRC, hoje revogado.

15) É na interpretação conjunta, finalística e adequada ao caso concreto que radicam os argumentos da ora Recorrente, porquanto a ratio das normas extravasa a sua letra, demonstrando o fim que a norma visava realizar.

16) A ratio legis do artigo 117.º, do CIRC, reside, assim, no apuramento dos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos de IRC, tendo em vista a determinação do imposto a aplicar, e, como resulta do exposto, a Recorrente não vai de encontro à intenção do legislador quando criou a norma.

17) A Recorrente não aufere rendimentos sujeitos a IRC, pelo que a sua sujeição à obrigação declarativa consagrada no artigo 117.º, do CIRC, representaria um formalismo desprovido de sentido, desconexo da finalidade última da norma.

18) Nos termos da alínea b), do n.º 6, do artigo 117.º, do CIRC, na redacção vigente até 14 de Maio de 2012, a Recorrente não estava (nem está) adstrita à obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos em IRC, justamente, por não auferir rendimentos sujeitos àquele imposto.

19) A letra da lei então vigente, mais não fazia do que enunciar o espírito da lei a partir daquela norma escrita - sendo que, para o que aqui releva, o espírito da norma mantém-se absolutamente íntegro, contribuindo para o referido entendimento a alteração normativa operada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

20) Ora, face à redacção actual e vigente do artigo, facilmente se percebe que não recai sobre a Recorrente qualquer obrigação de declaração de rendimentos, porquanto o legislador retomou, de forma expressa, o entendimento já vertido da al. b), do n.º 6, do artigo 117.º, do CIRC, na redacção vigente até 14 de Maio de 2012, demonstrando, a final, que nunca pretendeu fazer recair a obrigação de entrega de declaração de rendimentos (modelo 22) sobre sujeitos que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC.

21) Demonstra-se, assim, que, historicamente, o legislador tem dispensado as entidades que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC da obrigação declarativa ora em discussão, visto que, nestes casos, a mesma se encontraria vazia de conteúdo, e sem propósito.

22) A admitir-se a posição propugnada pelo Tribunal a quo, nos termos conjugados da al. b), do n.º 1, do artigo 90.º, e do artigo 120.º, ambos do CIRC, a Autoridade Tributária poderia, no limite, e erradamente, emitir um acto de liquidação oficiosa de IRC sobre rendimentos sujeitos a IRC que a Recorrente nunca auferiu.

23) Tributar, por ficção, uma realidade que, na prática, nunca seria de tributar em IRC, seria uma manifesta má aplicação da lei, desfasada dos reais intentos do legislador, ao arrepio do princípio constitucional da incidência da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104°, n° 2, da CRP).

24) Ora, no caso em apreço, se a Entidade Demandada não for obrigada à prática do acto que dispense a Recorrente da obrigação declarativa relativa ao ano de 2012, isto significa, em última linha, que a Recorrente vai ter que cumprir uma obrigação acessória sem que exista, ou se suspeite, sequer, existir, a obrigação principal.

25) Face à argumentação expendida, é possível retirar duas premissas básicas: 1) falhando o elemento objectivo do facto tributário, este não existe, e 2) se não existe facto tributário, não nasce...

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