Acórdão nº 01273/08.6BELRS 01364/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1.

    “A…………, S.L., Unipessoal”, deduziu no Tribunal Tributário de Lisboa, Impugnação Judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa referente a acto de retenção na fonte de IRC, operado pelo Banco Comercial Português (Millennium BCP) que incidiu sobre os lucros colocados à disposição pela Brisa – Auto Estradas de Portugal, S.A. em 27 de Abril de 2005 e 7 de Abril de 2006, nos valores, respectivamente, de 143.978,88€ e de 115.183,19€.

    1.2.

    Por sentença de 20 de Dezembro de 2016, o Tribunal Tributário de Lisboa julgando a impugnação integralmente procedente, anulou os actos de retenção na fonte sindicados e condenou a Administração Tributária a “proceder à devolução das respectivas importâncias à impugnante e no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data dos respectivos pagamentos até à data da emissão da respectiva nota de crédito».

    1.3.

    Inconformada com o decidido, interpôs a Autoridade Tributária e Aduaneira recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo formulado nas alegações de recurso as seguintes conclusões: «1.

    In casu, com o devido respeito, que é muito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 56.º do TCE, arts. 90.º a 96.º do TCE; art. 61.º do CPPT e 43.º da LGT; arts. 6 do CPPT; art. 6.º do ETAF; art. 90.º, n.º 1, al. c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, al. c) e art. 14.º, n.º 3, todos do CIRC, assim como ao documento de fls. 51 a 72 (Procuração), 2.

    Tudo, devidamente condimentado com o princípio da legalidade (art. 103.º da nossa mater legis), 3.

    Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela não verificação de um qualquer vício de violação de lei atinente às retenções na fonte impugnadas no caso sub judice, violação de lei, aquela, consubstanciada na violação de norma comunitária, concretamente, o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE (cfr. art. 8.º, n.º 4 da CRP).

    1. DA FALTA DE REPRESENTANTE DA IMPUGNANTE COM RESIDÊNCIA EM TERRITÓRIO NACIONAL: 4.

    Contrariamente ao asseverado pelo respeitoso Tribunal a quo, considera a aqui Recorrente que o n.º 4 do art. 19.º da LGT estabelece que “os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, (…) devem, para efeitos tributários, designar um, representante legal com residência em território nacional”.

  2. Indica o n.º 5 do citado normativo que, depende da designação de representante, nos termos do número anterior, o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referido perante a Administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, contudo da consulta ao cadastro da administração tributária constata-se que a ora impugnante não nomeou qualquer representante legal, nos termos da lei tributária 6.

    não obstante designar como mandatários o Dr. ………… e o Dr. ………… da ………… – Sociedade de Advogados, os mesmos não constam no cadastro do contribuinte como representantes fiscais.

  3. Ora, a falta de representante legal relativa a um não residente terá como consequência a restrição no exercício dos seus direitos, quer em sede de contencioso administrativo, quer em sede de contencioso judicial.

  4. Pelo que, salvo o devido respeito, não se poderá confundir ou equiparar a existência de procuração forense, cujo escopo é conferir poderes de representação judicial, nada tendo que ver com a figura de representante legal que é exigida no preceituado do n.º 5 do art. 19.º da Lei Geral Tributária.

  5. No caso vertente, temos uma petição inicial que foi subscrita por mandatário judicial, nos termos do disposto no art. 6.º do CPPT, conjugado com o art. 6.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, encontrando-se a procuração forense a fls. 51 a 72 dos autos.

    1. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS: 10.

    Com arrimo no preceituado no art. 23.º, n.º 1, al. a), da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, refere o douto aresto a quo: “…Importa, assim concluir que, as retenções na fonte Impugnadas enfermam de violação de lei, consubstanciada na violação de norma comunitária, concretamente, o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE (cfr. art. 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que as liquidações de IRC, por retenção na fonte dos anos de 2005 e 2006 devem ser anuladas. – (vide fls. 20 da douta sentença recorrida).

    DISCORDANDO DO SUPRA ASSEVERADO, 11.

    A impugnante invoca que a legislação portuguesa será violadora da livre circulação de capitais, nos termos do art.º 56.º do TCE, na medida em que consubstancia uma restrição à livre circulação de capitais, que se traduz num tratamento fiscal manifestamente discriminatório.

  6. Não existe qualquer dúvida que o direito comunitário é aplicável na ordem interna por força do primado da legislação comunitária sobre o direito interno, conforme resulta da consagração constitucional bem como da jurisprudência aceite pelo Tribunal e Justiça das Comunidades Europeias.

  7. Constituiu um pilar basilar aceite pela jurisprudência comunitária que a fiscalidade directa, onde se inclui a tributação dos lucros das sociedades, é da competência dos Estado Membros que a devem exercer no respeito do direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade. – vide Ac. de 14/02/1995, Schumacker, C-279/93, Colect., 9.I-225, n.º 21 a 26; de 11/08/1995, Wielock, C-80/84, Colect., p.I-2493, n.º 16; de 27/06/1996, Asscher, C-107/94, Colect., p.I-3089, n.º 36; de 15/05/1997, Futura Participations e Singer, C-250/95., p.I-02651. n.º 19 e ss..

  8. A posição do receptor dos dividendos não é idêntica, quer seja residente quer seja não residente, atendendo ao modo como esse rendimento vai integrar ou não o seu lucro tributável.

  9. Nestes termos, a situação não colide com o disposto no art.º 58.º n.º 3 do TCE, porque não existe qualquer discriminação arbitrária, nem restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamento.

  10. Assim, constatamos que é possível adoptar disposições pertinentes do ordenamento fiscal que estabeleçam entre contribuintes que não se encontrem em idênticas situações.

  11. Na verdade, compete averiguar se o diferente tratamento respeita a situações não compatíveis objectivamente ou se a medida nacional prossegue objectivos legítimos (razões imperiosas de interesses geral ou “rule of season”) compatíveis com o tratado.

  12. A impugnante alega o contrário, mas não existe a comparabilidade imediata entre tributação de um sujeito passivo através de uma norma de incidência subjectiva, princípio da universalidade, ou através de uma norma de incidência objectiva, princípio da territorialidade.

  13. Já foi mencionado que é dado assente que a matéria fiscal constitui competência dos Estados Membros, nos termos do art.º 90.º a 95.º do TCE e, que apenas existe alguma uniformização de legislação em matérias pontuais.

  14. Nem mesmo mediante a aplicação do art.º 307.º do Tratado CE, uma vez que a fiscalidade directa consiste numa área não de integração de legislação mas sim de harmonização legislativa.

  15. Na verdade, não nos podemos olvidar que existe de facto uma diferença substancial entre tributação de um sujeito passivo através de uma norma de incidência subjectiva, princípio da universalidade, ou através de uma norma de incidência objectiva (princípio da territorialidade).

  16. E, da mesma forma que o Estado português estabeleceu uma norma para eliminar a dupla tributação, nas situações em que a base tributável consiste no lucro da sociedade, em razão da universalidade dos rendimentos auferidos, também o Estado da residência da impugnante, Espanha, poderia optar pela consagração de normas para eliminar a dupla tributação.

  17. O Estado português já o fez quanto à determinação do lucro tributável para residentes e não residentes com estabelecimento estável através do art.º 46.º do CIRC, e para os não residentes sem estabelecimento estável mos termos do art.º 14.º do CIRC.

  18. Assim sendo, o que está em causa é que uma sociedade residente em território português, no ano de 2007 coloca lucros à disposição de uma entidade residente noutro Estado membro, aplicando-se-lhe o art.º 14.º n.º 3 do CIRC, isentando os lucros desde que, ambas as entidades estivessem nas condições estabelecidas no art.º 2.º da Directiva 90/435/CFEE, do Conselho, de 23/07, a entidade residente noutro Estado membro detivesse directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20% e esta tivesse permanecido ininterruptamente na sua titularidade, durante 2 anos.

  19. Do modo como temos exposto, a Fazenda Pública dirá que a entidade distribuidora dos dividendos efectuou a retenção na fonte, nos termos da legislação nacional e que os art.ºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC não são incompatíveis com o principio da liberdade de capitais consagrado nos princípios comunitários.

  20. Por outro lado, para ser accionada a Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha, deveria a impugnante ter provado, através dos formulários que era residente em Espanha, o que não o fez, pelo que a redução de taxa não lhe foi aplicada.

  21. Pelo exposto, a entidade distribuidora dos dividendos efectuou retenção na fonte, nos termos da lei interna portuguesa, consagrado nos art.ºs 90.º n.º 1 al. C), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não viola o princípio da liberdade de capitais consagrado nos princípios comunitários.

  22. Concluindo, e se não for por mais, inexistem, por esse motivo, os pressupostos para a concessão de juros indemnizatórios uma vez que não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art.º 43.º n.º 1 da LGT.

  23. Decidindo como decidiu, o respeitoso Tribunal a quo laborou em errada aplicação das normas legais supra vazadas, não procedendo a uma correcta subsunção da factualidade...

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