Acórdão nº 0260/16.5BECBR 01139/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 260/16.5BECBR 1. RELATÓRIO 1.1 Os acima identificados recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 120 a 127 do processo físico), negando provimento ao recurso jurisdicional por eles interposto, manteve o despacho proferido pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de indeferimento liminar da impugnação judicial por eles apresentada na sequência da decisão que indeferiu anterior reclamação graciosa, por ter sido «deduzida fora de prazo».

1.2 Os Recorrentes apresentaram alegações, com conclusões do seguinte teor: «I. Vem o presente recurso interposto para o STA do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte nos autos em epígrafe que manteve a sentença proferida em 1.ª instância, sentença esta que, por sua vez, indeferiu (cfr. art. 590.º, n.º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT) a impugnação judicial apresentada pelos ora Recorrentes, por entender que a mesma foi apresentada fora de prazo.

  1. Entendem os Recorrentes que a questão em apreço é de FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA, quer do ponto de vista da RELEVÂNCIA JURÍDICA quer da RELEVÂNCIA SOCIAL, bem como por ser NECESSÁRIA PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO.

  2. A presente questão assume uma IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DO PONTO DE VISTA JURÍDICO que consiste em determinar quais os aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e as consequências da falta de verificação de tais requisitos.

  3. A Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, concretiza a execução daquela norma, regulando o funcionamento do sistema informático dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF), estabelecendo aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica, que, no seu art. 2.º, define os requisitos para a apresentação de peças processuais por correio electrónico.

  4. O conceito de “assinatura electrónica avançada” encontra-se definido na alínea c) do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril.

  5. Considerou o acórdão recorrido que o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril tinha aplicação no caso em apreço.

  6. Na óptica dos Recorrentes, não só tal norma não só não tem aplicação ao caso concreto, como, a ter, sempre estaria assegurada a hora e a data de expedição da peça processual e documentos enviados por correio electrónico pelo mandatário dos Recorrentes, bem como a sua validação cronológica.

  7. Mas ainda que assim não fosse, e se considerasse que então, nesse caso, teria forçosamente de se aplicar o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que refere o seguinte: “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.

  8. Considera-se justificada a excepcional relevância jurídica da questão em apreço, porquanto a referida jurisprudência encontra-se em contradição com os normativos e com o entendimento supra descrito e, o entendimento adoptado, violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos artigos 2.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art. 11.º da LGT e no n.º 2 do art. 6.º do NCPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n.º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, n.º 2 do artigo 102.º do CPPT.

  9. Também a questão em análise assume IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DO PONTO DE VISTA DA RELEVÂNCIA SOCIAL, uma vez que o interesse em causa ultrapassa em muito o interesse das próprias partes em litígio, na medida em que não podem os cidadãos correr o risco de, por falha informática, ver as suas questões não julgadas, pelo que existe a necessidade que a mesma seja esclarecida na perspectiva da optimização na resolução dos litígios, na previsibilidade das decisões e na melhoria do funcionamento da administração da justiça.

  10. Os argumentos aduzidos supra impõem, no entender dos Recorrentes, a admissão do presente recurso, para uma MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO, não só no caso concreto, mas também para evitar semelhantes situações futuras.

  11. Ao considerar que os documentos apresentados pelo mandatário dos Recorrentes respeita à emissão e certificação da assinatura digital e dos quais resultam que entre 08/10/2013 e 05/11/2013 aquela assinatura era válida, aplicando o disposto no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, deveria o Tribunal recorrido ter considerado que o e-mail que continha a peça petição inicial e os documentos foi efectivamente enviado no dia 08.10.2013.

  12. Não é inócuo que as alterações introduzidas à Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, não tenham acrescentado ou alterado os requisitos contemplados no art. 2.º: os requisitos contemplados noutros diplomas encontram-se assegurados com o ficheiro de formato contemplado nos n.ºs 3 a 5 daquele normativo.

  13. Com efeito, no dia 08.10.2013 os ficheiros foram todos eles enviados no ficheiro de formato portable document format (pdf) que é um tipo de formato não editável, significando isto que o ficheiro se manterá, sempre, inalterado.

  14. Bastaria consultar a propriedade dos documentos anexos ao e-mail enviado em 21.04.2016 pelo mandatário dos Recorrentes para verificar que os ficheiros respeitantes à impugnação judicial e aos documentos anexos foram criados em 08/10/2013 às 18h41m e 37s e às 16h31m e 20s, respectivamente.

  15. O mandatário dos Recorrentes cumpriu todos os requisitos contemplados no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro.

  16. Ainda que se considerasse aplicável ao caso em apreço as exigências do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 88/2009, de 9 de Abril, a conjugação de folhas 58 com folhas 61 a 63 dos autos atestam o envio de uma mensagem de correio electrónico no dia 08/10/2013, às 18h45m, com certificado digital que se encontrava válido de 08/10/2013 a 05/11/2013, certificado este emitido pela Multicert.

  17. O que significa que, mesmo que se exigisse a aplicação dos requisitos contemplados no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril, extrapolando a exigência preceituada na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, sempre estariam verificados [os] requisitos legalmente exigidos.

  18. Ora, caso se admita que a exigência para apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal vai para além do disposto na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, e é exigível a validação cronológica, então terá que se fazer uso do disposto naquele normativo da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, referindo que lhes é aplicável o estabelecido para o envio através de telecópia.

  19. Considerando que tal regime está previsto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, e nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do referido diploma, sob a epígrafe “força probatória” As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que o acompanhem, quando provenientes do aparelho com número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário – destaque nosso.

  20. Aplicando tal norma ao caso em apreço, teria de se presumir como verdadeiro e exacto o envio do referido e-mail no dia 08.10.2013, o que é suportado, aliás, pelos documentos que constam a folhas 58 a 63 dos autos.

  21. Nas circunstâncias do caso sub judice, ao abrigo da promoção do acesso à justiça (princípio pro actione – consagrado no art. 9.º e no n.º 3 do art. 11.º, ambos da LGT) e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e em respeito pelo princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, impunha-se ao Tribunal Recorrido que ordenasse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que conhecesse do mérito da Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes.

  22. O princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae do n.º 4 do art. 268.º da CRP.

  23. É incompatível e desconforme com o princípio da boa-fé e com os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica, bem como da tutela jurisdicional efectiva, a decisão do Tribunal Recorrido de indeferir liminarmente a Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes, com base numa presunção de bom funcionamento dos meios electrónicos disponibilizados pelo IGFEJ e pela entidade certificadora Multicert.

  24. Pelo que sempre deveria o Tribunal Recorrido ter ordenado a apreciação do mérito da Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes.

  25. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre deveria o Tribunal Recorrido ter lançado mão da prerrogativa que lhe é conferida pelo n.º 2 do art. 6.º do NCPC, aplicável ex vi a alínea e) do art. 2.º do CPPT, providenciando oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado...

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