Acórdão nº 0511/19.4BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17 de julho de 2020, que concedeu provimento ao recurso interposto por A…………, com os sinais dos autos, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela de julgara improcedente o recurso por si deduzido contra o acto de fixação da matéria tributável em IRS relativo aos anos de 2007 a 2011, por métodos indirectos, no valor de 2.101.930,88 Euros, revogando a sentença recorrida e anulando o acto de fixação do rendimento tributável sindicado.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: a) Vem o presente recurso interposto do acórdão do TCA Norte, de 14/07/2020, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo recorrente A…………, anulando a sentença do tribunal de 1ª instância e imputando à AT a violação do princípio da verdade material ínsito no art. 6º do RCPIT e do princípio do inquisitório, previsto no art. 58º da LGT, e, bem assim, do dever de fundamentação dos actos tributários, motivado no facto da AT se ter suportado na informação obtida em sede de investigação criminal, juntando aos autos inspectivos apenas o relatório de perícia produzido nessa sede e não, como se lê no acórdão recorrido, os extractos bancários e documentação diversa em que se suportou a informação contida no dito relatório.

b) Lê-se no acórdão recorrido que secunda o acórdão do TCA Norte, de 18/6/2010, Procº 497/19, não transitado em julgado: - “a Administração Tributária não reuniu qualquer indicador que, por si só ou conjugadamente com outros indícios, suportasse essa conclusão, para além da apropriação da investigação e análise que foi efectuada em sede do inquérito criminal citado, por transposição das ilações constantes do extracto do Relatório da Polícia Judiciária. Isto é, não foi junto por aquela, quer no procedimento tributário, quer nos presentes autos, qualquer cópia de documento comprovativo das entradas pecuniárias em conta do Recorrente.” (transcrição extraída do citado acórdão proferido no Proc.º 497/2019); -“Também aqui não existe qualquer extrato das contas bancárias do recorrente relativas ao ano de 2007 e 2011 nem qualquer suporte documental no relatório inspetivo, aliás muito sucinta e deficitariamente descrito, designadamente que foram detectadas entradas de valores nas contas bancárias do S.P. no montante de € 627.910,04, €576.426,23, € 292.549,58, 487.197,74 e 126.827,85.”.

c) Em síntese, o acórdão recorrido, confundindo os suportes documentais com a factualidade que resulta dos mesmos, deu por verificada a falta de fundamentação e a violação dos princípios da verdade matéria e do inquisitório, de um acto de fixação do rendimento tributável, por métodos indirectos, porquanto a AT, não obstante ter fundamentado tal acto em factualidade apurada em sede criminal, no âmbito de um inquérito criminal (Proc.º nº 959/11.2.IDBGC) e ter instruído o procedimento inspectivo com o relatório elaborado pelo Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária (PJ) - em resultado de uma investigação levada a cabo por uma equipa mista composta por elementos da PJ e da AT - não juntou aos autos inspectivos os documentos (extractos bancários) analisados nesse mesmo relatório (o qual, este sim, juntou aos autos inspectivos). Ou seja, para o acórdão recorrido, a AT não fundamentou o acto de fixação do rendimento colectável do sujeito passivo A………… porquanto se apropriou dos resultados da investigação criminal, sem fazer ela própria, a AT, essa investigação d) A interposição do presente recurso, conhecida a sua natureza excepcional, assenta, por um lado, no facto do entendimento preconizado no acórdão recorrido constituir uma questão de relevância jurídica e social com impacto na sociedade e, por outro lado, no facto de ser indispensável a uma melhor aplicação do direito.

e) Para além da questão concreta e do erro de julgamento que, salvo melhor opinião, foi cometido no acórdão recorrido, está em causa um precedente jurisprudencial com consequências no funcionamento e eficácia do mecanismo de prevenção e combate à evasão fiscal de que as manifestações de fortuna são um exemplo.

f) Na verdade, são cada vez mais frequentes os processos de inquérito penal em que estão em causa crimes de natureza fiscal, cuja investigação é, aliás, efectuada por equipa mistas da Polícia Judiciária/Inspectores Tributários, e onde a factualidade apurada é utilizada pela AT no combate à fraude fiscal e à evasão fiscal, designadamente através de uma avaliação indirecta do rendimento colectável, por métodos indirectos, dos respectivos arguidos.

g) Tais processos de inquérito são, como se sabe, quase sempre, processos de tramitação demorada e que, na sua maioria, abrangem períodos temporais alargados, que, face ao instituto da caducidade do direito à liquidação dos respectivos impostos, deixam uma margem de acção, no combate à fraude e evasão fiscal, muito reduzida, que não se compadece com uma instrução e tramitação, em sede fiscal, “em duplicado” da investigação apurada em sede criminal.

h) O entendimento defendido pelo acórdão recorrido, de que a ausência dos extractos bancários (e, eventualmente, outra documentação) junto ao procedimento inspectivo (que integra os resultados/relatório da investigação criminal) equivale à falta de indícios para efeitos dos artºs 87º, nº 1, alínea f) e nº 5 do art. 89º, ambos da LGT e constitui uma violação do dever de fundamentação da AT, e, bem assim, um incumprimento dos princípios da verdade material (art. 6º do RCPIT) e do inquisitório (art. 58º da LGT), tem um significativo impacto em casos futuros, prejudicando, à revelia do quadro legal vigente, o funcionamento dos mecanismos de prevenção e repressão da fraude fiscal.

I) Como se pode constar nos autos, (i) a AT instaurou cinco procedimentos inspectivos contra o sujeito passivo, o primeiro dos quais em 2014, com base numa factualidade, que remonta ao ano de 2009, que foi apurada em sede criminal e que está vertida em relatório pericial da PJ que foi junto aos autos inspectivos. (ii) Não obstante ter sido instado diversas vezes para o efeito, o sujeito passivo nunca exerceu o contraditório, nem veio prestar qualquer esclarecimento, (iii) O sujeito passivo sabia, porque consta do extracto do relatório do Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, que lhe foi remetido pela AT, quais os anos visados, quais as contas bancárias, quais os montantes em causa (apenas dois movimentos credores, efectuados no mesmo dia) de que forma foram efectuados esses fluxos a crédito e até onde podia consultar/obter a respectiva documentação, caso o pretendesse.

j) O entendimento assumido no acórdão recorrido constitui uma fractura com a jurisprudência uniforme dos Tribunais Administrativos Superiores, segundo a qual a AT pode aceder à informação obtida em sede criminal, desde que accione o mecanismo da derrogação do sigilo bancário (art. 63º-B da LGT) e põe em crise a prevenção e combate aos crimes fiscais, com evidentes efeitos nefastos para o erário público.

l) A interpretação dada no acórdão recorrido sobre os princípios do inquisitório e da verdade material e, bem assim, do dever de fundamentação, à revelia do quadro legal vigente, abre caminho para decisões idênticas que vão tornar, muitas das vezes, pelo iato temporal que resta à administração tributária, face à caducidade do direito de liquidação, inexequível a tributação de rendimentos não declarados, pondo, portanto, em causa os mecanismos de luta contra a fraude e evasão fiscal e o erário público. Tanto mais, tendo em conta o crescente número de casos em que a AT se socorre da investigação criminal e dos resultados aí apurados, na qual, aliás, colabora, através de elementos dos seus quadros de pessoal que integram equipas dirigidas pelo Ministério Público.

m) Com o maior respeito pelo douto tribunal recorrido, a apreciação efectuada foi pouco consistente, definindo um critério para a fundamentação do acto tributário e para o respeito dos princípios da verdade material e do inquisitório que não tem assento na lei nem na jurisprudência e pode ter um efeito nefasto na aplicação da lei e na comunidade em geral ao permitir secundar um entendimento que em nada contribui para a descoberta da verdade material e para a prevenção e repressão da fraude e evasão fiscais.

n) Ao não entender que a instrução feita no procedimento inspectivo, com a junção dos resultados da investigação criminal (relatório pericial), cumpria o dever de fundamentação e os princípios do inquisitório e da verdade material, o douto acórdão recorrido violou o art. 6º do RCPIT, os artºs 58º, 77º, 87º, nº 1, alínea f), 89º, nº 5, todos da LGT e e art. 152º do CPA. 77º da LGT, o) Pelo erro de julgamento do acórdão recorrido, pelo impacto que tal acórdão irá ter em decisões futuras e pelas consequências daí advindas para a prevenção e combate à evasão fiscal, deve, pois, ser revisto aquele entendimento, substituindo-o por outro que, em consonância com o quadro legal e jurisprudencial vigente, permita à AT, suportar os procedimentos inspectivos com os resultados da investigação obtida em sede criminal, cumprido naturalmente, como o foi, o exercício do direito ao contraditório e os demais preceitos legais aplicáveis.

Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, se requer a admissão do presente recurso, bem como a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões precedentes. 2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos: 1.

A AT pretende revista excepcional para ver decidido que não estava incumbia de instruir os autos com a informação bancária cujo levantamento de...

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