Acórdão nº 0213/14.8BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A………. e Irmão, Lda., contribuinte fiscal n.º ………, com sede na………, lote ……., 3060-…… Cantanhede, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (“IVA”) relativas a períodos de 2012, a que se reportam as demonstrações de acerto de contas n.ºs 2013 00005516937, …38, …39 e …40, no valor global de € 13.306,63.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(...) 1. No n.º 2 do art. 77.º da LGT, estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários que, pelos termos utilizados, serão, para este efeito, apenas os actos de liquidação dos tributos 1. No n.º 2 do art. 77.º da LGT, estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários que, pelos termos utilizados serão, para este efeito, apenas os actos de liquidação dos tributos. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (Cfr. LGT, anotada e comentada, Diogo Leite de Campos e outros, Vislis Editores).

  1. Por outro lado, da conjugação dos n.ºs 3 e 4 do art. 268.º da C.R.P., conclui-se que o direito de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos é reconhecido em condições de plena eficácia, o que exige que seja proporcionada aos seus destinatários a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram.

  2. A fundamentação do acto deverá sempre obedecer aos requisitos gerais previstos no art.º 77º da LGT, ou seja, deve ser expressa, contextual, clara, suficiente, congruente e acessível.

  3. E compulsado o seu teor, resulta claro que ela não contém um discurso fundamentador apto a esclarecer o contribuinte, quanto à motivação do valor fixado, mormente, a indicação de forma clara, suficiente, concreta e congruente dos elementos e da sua razão de ser que foram utilizados na sua determinação.

  4. Se é certo que a lei se basta com uma fundamentação por remissão para qualquer parecer, informação ou proposta anterior, a verdade é que no caso presente, nem essa remissão existe.

  5. Por outro lado, a lei não permite fundamentações implícitas. A ideia de fundamentação, como legitimação concreta, impõe uma exteriorização das razões de facto, a cargo do seu autor, que deve constar do mesmo instrumento de externação, devendo ser-lhe contemporânea.

  6. Por outro lado ainda, a fundamentação do acto administrativo através de juízo conclusivo, de uma expressão vaga e meramente conclusiva, não é verdadeira fundamentação.

  7. O que contraria a sentença recorrida quando aí se afirma que: “Do cotejo dos valores declarados pelo Sujeito Passivo à Administração Tributária com aquilo que consta das decisões administrativas, uma vez que nestas fez-se constar que as correcções foram feitas aos montantes declarados pelo próprio Sujeito Passivo da Declarações Periódicas mensais de IVA, retira-se, face à diferença que se evidencia no campo 61, referente ao montante em excesso a reportar do período anterior (cf. n.º 4 do art. 22.º do CIVA) – cf. mesmos pontos 12. e 13. do probatório em cotejo com os pontos 16. e 17.–, que é apreensível a fundamentação fáctica das liquidações nesta parte”, ou seja, não podendo considerar-se cumprido aquele desiderato quando a fundamentação assenta numa conjugação de factores que não foram expressamente referidos e que são imperceptíveis não apenas para o cidadão normal, mas para muitos acima desse patamar.

  8. Sendo certo que, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é admissível, em regra.

  9. Veja-se o teor da contestação apresentada pela Fazenda Pública e os documentos com a mesma juntos, da qual constam as razões e os cálculos que anteriormente deveriam ter sido transmitidos ao contribuinte e que não foram.

    Pediu fosse o presente recurso julgado procedente e, consequentemente, fosse revogada a douta sentença recorrida com a inerente anulação dos atos tributários, com todas as legais consequências.

    A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

    1.1. Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

    A Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, onde concluiu que o presente recurso não merece provimento.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    ◇ 2. Dos fundamentos de facto O tribunal de primeira instância julgou provados os factos que a seguir se transcrevem parcialmente, tendo sido obliteradas algumas transcrições dos quadros elaborados pela Administração Tributária nos relatórios de inspeção tributária e substituídas pela expressão «Quadro»]: «(...) 1. No dia 20 de Março de 2013, funcionário da Direcção de Finanças de Coimbra, ordenou, através da ordem de serviço n.º OI201300272, a realização de inspecção externa, de âmbito parcial, em IRC e IVA, à Impugnante aos exercícios de 2010 e 2011; Cfr. ordem de serviço de fls. 2 do PA.

  10. Em 21 de Março de 2013, foi remetido por correio registado para a morada correspondente à sede da Impugnante o ofício n.º 422/2653 dos Serviços da Inspecção Tributária junto da Direcção de Finanças de Coimbra onde se lê, entre o mais o seguinte: «(…) a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária. A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias e terá o âmbito e extensão a seguir indicados: (…) ⊠ Parcial (…) IRC ⊠ IVA ⊠ (…) (…) Ano/Exercício 2010 ⊠ Parcial (…) IRC ⊠ IVA ⊠ (…) (…) Ano/Exercício 2011 (…)»; Cf. ofício de fls. 4 do PA.

  11. A ordem de serviço aludida no ponto anterior foi assinada, em nome do sujeito passivo, em 2 de Maio de 2013; Cf. ordem de serviço de fls. 2 do PA e Relatório de fls. 41 e ss. também do PA (ponto II.2).

  12. No dia 23 de Setembro de 2013, foi proferida nova ordem por funcionário da referida Direcção de Finanças, ordem que procedeu à alteração da ordem de serviço n.º OI201300272, para a realização de inspecção externa, desta feita, de âmbito geral, à Impugnante aos exercícios de 2010 e 2011; Cf. ordem de serviço de fls. 1 do PA.

  13. Nesta alteração da ordem de serviço, fez-se consignar, na parte respeitante aos fundamentos da alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento, o seguinte: «Necessidade de análise da situação tributária global do contribuinte, alterando-se para o efeito o âmbito inicial de parcial para geral»; Cf. ordem de serviço de fls. 1 do PA.

  14. A 30 de Setembro de 2013, a alteração à ordem de serviço com n.º OI201300272, aludida nos dois pontos anteriores, foi assinada pelo então TOC da Impugnante; Idem.

  15. Em 17 de Janeiro de 2012, foi lavrado, pelos Inspectores do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, no procedimento de inspecção associado à ordem de serviço n.º OI201300272 o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, onde se lê, entre o mais, o seguinte: «(…) I.4. – Descrição das conclusões da acção de inspecção Da análise documental aos elementos de escrita indicados no ponto III, resultam assim propostas de tributação, por métodos diretos, em sede de IRC e de IVA, aos anos de 2010 e 2011, nos seguintes montantes e períodos: 1. Em sede de IRC 1.1 – Correções à matéria tributável (Quadro) 1.2 – Correções ao imposto – tributação autónoma (Quadro) 2. Em sede de IVA (Imposto apurado em falta) (Quadro) II – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva II.1 - O SP - "A……… e Irmão, Lda." (…) encontra-se enquadrado no Regime Geral do CIRC e no Regime Normal de periodicidade mensal do CIVA.

    II.2 – Em 20-03-2013 foi aberta a ordem de serviço nº OI201300272, com extensão aos exercícios de 2010 e 2011, nas quais se procedeu à análise ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC).

    Em 02-05-2013 foi, através da assinatura da ordem de serviço, (…)...

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