Acórdão nº 02184/14.1BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1.

Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS), inconformada com o acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Sintra, que julgara procedente a acção administrativa especial contra ela intentada por A…………, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: ”1ª O presente recurso excepcional, nos termos do n.º 1 do art.º 150º do CPTA, é de revista e fundamenta-se no facto de, na óptica da Recorrente, estar em causa a apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental.

  1. A questão «sub judice» na presente acção prende-se com a interpretação a dar às normas constantes do art.º 10.º, n.ºs 1 e 3 do RCPAS (aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 623/88, de 8 de Setembro, e Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro) e a sua articulação e conjugação com as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro e alterado pelo D.L. n.º 226/2008, de 20 de Novembro e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho, e, finalmente, com as normas do Regulamento da Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, n.º 232/2007, publicado do D.R. (2.ª série), n.º 170, de 4 de Setembro de 2007, todos eles em vigor à data dos factos.

  2. Ora, na óptica da ora Recorrente, esta questão tem uma grande relevância jurídica e social, uma vez que trata de um assunto juridicamente complexo e que se pode destinar a um alargado universo de advogados e solicitadores que, pretendendo resgatar as contribuições, estejam em igual situação.

  3. No presente caso estamos perante uma questão de complexidade jurídica porque para a decisão a tomar se tem de aplicar e articular 4 diplomas legais, a saber: a) Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, e alterado pela Portaria n.º 623/88, de 8 de Setembro, e pela Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro (doravante RCPAS); b) O novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 119/2015, de 29 de Junho, que entrou em vigor no passado dia 1 de Julho de 2015 e que já não prevê a hipótese de resgate das contribuições; c) O Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro e alterado pelo D.L. n.º 226/2008, de 20 de Novembro e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho.

    1. O Regulamento da Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, n.º 232/2007, publicado do D.R. (2.ª série), n.º 170, de 4 de Setembro de 2007.

  4. Mas, além disso, a decisão a tomar na presente acção pode, de facto, ser paradigmática ou orientadora para casos semelhantes, ou seja, para advogados e solicitadores que se encontrem em situação semelhante à dos autos. Assim, a decisão a tomar tem uma grande relevância social.

  5. E a relevância social consubstancia-se também no facto de o tema em causa abranger um grande universo de potenciais pensionistas e poder ter nessa comunidade um impacto (positivo ou negativo).

  6. Mas, além disso, tem sido Jurisprudência desse Supremo Tribunal a admissão do recurso de revista excepcional no caso de se tratar de assunto relacionado com os regimes jurídicos das pensões de reforma que, no presente caso, tem inegável relação na medida em que o resgate de contribuições afectará, necessariamente, a atribuição de futuras pensões de reforma.

  7. Assim, deve o presente Recurso de Revista ser admitido por preencher os pressupostos previstos no art.º 150.º, n.º 1 do CPTA.

  8. A Autora, ora Recorrida, não provou que tenha alegado e provado que a suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados se deveu ao exercício de actividade incompatível com a advocacia.

  9. A Autora não provou que a Ordem dos Advogados tenha suspendido a sua inscrição naquele organismo profissional com fundamento no exercício de actividade incompatível com a advocacia.

  10. A Autora também não provou que tenha cancelado a sua inscrição como beneficiária ordinária na CPAS por ter passado a exercer actividade legalmente incompatível com a advocacia.

  11. Pois, no que respeita à matéria da suspensão da inscrição na OA e cancelamento da inscrição na CPAS, ficou apenas provado que «a 30/03/2012, foi deferida a suspensão da inscrição da autora na OA; (cfr. fls. 43 do PA)» Alínea k) dos factos dados como provados).

  12. E que «a 23/3/2012, por despacho do Ministro da Economia e do Emprego, a autora foi designada, como técnica especialista, para realizar estudos e trabalhos técnicos no âmbito das respectivas habilitações e qualificações profissionais em Gabinete Ministerial (cfr. fls. 132 dos autos);» (alínea t) dos factos dados como provados).

  13. Ora, tais factos só por si são manifestamente insuficientes para que se possa concluir que a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados foi fundamentada no facto de a Autora ter passado a exercer actividade legalmente incompatível com a advocacia.

  14. Como também são insuficientes para se concluir que o cancelamento da inscrição da Autora na CPAS se fundou no facto de ter passado a exercer actividade incompatível com o exercício da advocacia.

  15. Razões que se julgam suficientes para que o Acórdão recorrido tivesse julgado, ao invés, a presente acção como improcedente.

  16. Todavia, o Acórdão recorrido, julgando a acção procedente, fundamentou a sua decisão no facto de o art.º 10.º do RCPAS, em vigor à data dos factos, ser de aplicação automática «sem necessidade de qualquer controlo e verificação por parte da CPAS.» 18.ª Salientando, ainda, o Acórdão recorrido, que «solicitada a suspensão na respectiva ordem profissional e sendo a mesma motivada por verificação de incompatibilidade ao abrigo do artigo 77.º do EOA, (…) tem-se automaticamente por verificado o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, sem necessidade de qualquer controlo e verificação por parte da CPAS.» 19.ª Ora esta interpretação não tem na letra da lei qualquer sustentação, uma vez que quando o legislador, no art.º 10.º, n.º1 do RCPAS, refere «será cancelada a inscrição do beneficiário ordinário que passe a exercer actividade legalmente incompatível com a de advogado», tem forçosamente de querer dizer que o advogado terá de alegar e provar, junto da CPAS, que passou a exercer uma actividade incompatível com a advocacia.

  17. Não sendo, por isso, de admitir que, pelo simples facto de no art.º 10.º do RCPAS não estar estabelecido um procedimento, que o pressuposto seja de verificação “automática”, após a comunicação de suspensão da inscrição por parte da OA.

  18. Mas, mesmo que se admitisse a solução adoptada pela sentença recorrida, no caso “sub judice”, nunca a mesma se poderia verificar.

  19. Pois, a Autora não provou que a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados tenha tido como fundamento o exercício de actividade incompatível com a advocacia.

  20. É que a suspensão da inscrição da Autora na Ordem dos Advogados foi realizada ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.º 1, alínea a) e no art.º 51.º, n.º 1, do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários (regulamento n.º 232/2007 OA (2.ª Série), de 4 de Setembro de 2007/Ordem dos Advogados) e não ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.º 1, alínea b) e art.º 52.º, n.º 1 do mesmo Regulamento.

  21. Pelo que a suspensão da inscrição da Autora, na Ordem dos Advogados, foi “a pedido da requerente” e não pelo facto de ter sido “declarada em situação de incompatibilidade com o exercício da advocacia”.

  22. A Autora apenas com a propositura da presente acção veio provar que a 23/03/2012, por despacho do Ministro da Economia e do Emprego, foi designada, como técnica especialista, para realizar estudos e trabalhos técnicos no âmbito das respectivas habilitações e qualificações profissionais em Gabinete Ministerial.

  23. Assim, não tendo a Autora provado, durante o procedimento, que o cancelamento da sua inscrição na Ordem dos Advogados e na CPAS se deveu ao facto de ter passado a exercer actividade legalmente incompatível com o exercício da advocacia, não devia o Acórdão recorrido ter confirmado a decisão da primeira instância, julgando a acção procedente.

  24. É que o resgate das contribuições, tendo uma consequência nefasta na carreira contributiva dos beneficiários, na medida em que amputa parte dessa carreira e, por isso, prejudicará a futura pensão de reforma dos beneficiários, apenas deve ser concedida em casos limite e quando, efectivamente, o beneficiário tenha provado que o cancelamento da sua inscrição na Ordem dos Advogados e na CPAS se deveu ao facto de ter passado a exercer actividade legalmente incompatível com o exercício da advocacia, o que não sucedeu no caso “sub judice”.

  25. De facto o resgate das contribuições é uma situação limite irreversível, através da qual se frustra a regra básica subjacente a todos os regimes de segurança social de que a todo o tempo de trabalho deve corresponder igual tempo de descontos.

  26. Além disso, o resgate frustra o direito à segurança social constitucionalmente consagrado no artigo 63.º da CRP, quer na sua acepção, quer no dever institucional de prover à sua concretização e defesa efectiva.

  27. Como quebra o laço de solidariedade intergeracional a que todos os trabalhadores estão adstritos e a que os trabalhadores que dispõe de uma Caixa de reforma de índole profissional, como é o caso, devem estar particularmente sujeitos.

  28. Por último, como consequência do resgate das contribuições, a todo o tempo e de forma imprevisível, a CPAS fica sujeita a descapitalização, facto que, num regime de repartição, como é o caso, pode, no limite, comprometer a sua sustentabilidade.

  29. Assim o Acórdão recorrido violou o art.º 10.º, n.ºs 1 e 3 do RCPAS em vigor à data dos factos (Regulamento aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27/04 e alterado pelas Portarias n.º 623/88, de 8/09 e n.º 884/94, de 1/09)...

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