Acórdão nº 01947/11.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A……………..- identificada nos autos - interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], datado de 03.05.2019, o qual, concedendo parcial provimento ao recurso de apelação que interpusera da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum [AAC] em que pediu a condenação do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA [MJ] e do INSTITUTO DOS REGISTOS E NOTARIADO, I.P.

    [IRN] a reconhecer que ela tomou posse do Cartório Notarial de Amarante no dia 29.09.2008, contando desde então a sua antiguidade [pedido A)], e a pagar-lhe uma indemnização, por todos os prejuízos sofridos, no montante de 57.904,04€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento [pedido B)].

    Desde já se consigna que no despacho saneador - 26.10.2017 - o réu MJ foi «absolvido da instância» quanto ao referido pedido B), por falta de personalidade jurídica.

    Conclui assim as suas alegações de revista: 1- O acórdão recorrido não conheceu das propugnadas «alterações à decisão da matéria de facto» por entender - invocando jurisprudência, por que se tem muito respeito, mas com que se não concorda - que não poderiam alterar a decisão; 2- Não se ignora que os poderes desse STA não consentem que decida sobre se deve ou não alterar-se a matéria de facto como propugnado pela recorrente - ver artigo 150º, nºs 3 e 4, do CPTA; 3- Mas a verdade é que pode - e deve - exercer censura sobre o uso dos poderes de alteração de que faça - ou não - uso o TCA; 4- E a verdade é que, nos termos do artigo 662º, nº1, do CPC [aplicável por força do artigo 1º do CPTA] a Relação - no caso, o TCAN - deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa; 5- Ou seja, não colhe, por falta de cabimento legal, a tese do TCAN; 6- Sendo, aliás, que sempre significaria que primeiro se decidisse a causa, e depois os factos, mas estes, apenas e só nos termos em que servissem a decisão previamente tomada; 7- O que é o contrário da actividade jurisdicional, e o que viola directamente os artigos 607º, nº3, e 663º, nº2, do CPC [aplicável por força do artigo 1º do CPTA]; 8- Tem, pois, antes de tudo, que reconhecer-se que, ao agir como agiu, violou o TCAN os artigos 607º, nº3, 662º, nº1, e 663º, nº2, do CPC [aplicáveis por força do artigo 1º do CPTA]; 9- E, por isso, ordenar-se a «baixa do processo» para que conheça devidamente da suscitada «questão da alteração da matéria de facto», nos termos do artigo 682º, nº3, do CPC [aplicável por força do artigo 1º do CPTA]; 10- Até porque, como resulta do que abaixo se dirá - e do que já se disse perante o TCAN - pela relevância para a decisão e justeza das alterações propugnadas, a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a matéria de direito; 11- Um procedimento de concurso, cujos resultados estão sujeitos a publicação obrigatória, não pode considerar-se findo antes de se verificar a publicação desses resultados, pois até aí eles são ineficazes, nos termos do artigo 130º, nº2, do CPA; 12- No caso a lista de atribuição das licenças de Cartórios Notariais está sujeita a «publicação obrigatória» nos termos do artigo 34º, nº2, do EN, 221º, nº2, do CC, e ponto 7 do Aviso nº8957/2008, de Abertura do Concurso [publicado no DR, 2ª Série, nº59, de 25.03.2008]; 13- Pelo que - ao menos em face da concorrente B…………….. e da recorrente - sem essa publicação, não tem aplicação o artigo 106º do CPA; 14- Pelo que é válida a desistência apresentada depois de conhecidos esses resultados, mas antes de verificada essa publicação; 15- A renúncia a direitos pode ser tácita, desde que decorra de actos que com toda a probabilidade a exprimam, nos termos do artigo 217º do CC; 16- Sendo, aliás, a renúncia tácita figura expressamente prevista no EN - ver artigo 40º, nº1; 17- Quer a desistência, quer a denúncia, implicam a perda do direito em causa, nos termos do artigo 110º do CPA; 18- Mas o que uma declaração de desistência - quando apresentada depois de conhecida a atribuição de licença para cartório notarial à declarante - sempre significa, é que não pretende prevalecer-se dessa licença. Logo, que, voluntariamente a perde. E, logo, que não irá a declarante tomar posse do cartório a que respeita essa licença. Isto, se interpretada a declaração como o faria um «declaratário normal», e é assim que tem de ser, nos termos do artigo 236º do CC; 19- Assim sendo, como é, em Maio de 2008 - quando a desistência foi apresentada - e, seguramente, em Julho de 2008 - quando, pela primeira vez, os réus decidiram não considerar válida a desistência, declarar caduca a licença atribuída, considerar prejudicado o requerimento da autora e sujeitar a licença a novo concurso - ver alínea F) do elenco factual da sentença recorrida - estavam em condições de fazer diferente e correctamente; 20- Como o estavam quando, em 19.11.2008, praticaram novo acto, errado de todas e cada uma das mesmas maneiras - ver alínea H) do elenco factual da sentença recorrida; 21- E como o estavam quando, finalmente, em 8 de Junho de 2009 - de forma diametralmente oposta e agora correctamente - decidiram atribuir a licença perdida à autora - ver alínea K) do elenco factual da sentença recorrida; 22- Como o impõe o artigo 40º, nº3, do EN, e como aí não deixa de se dizer; 23- Sendo que esse acto - praticado no decurso do prazo para a contestação de acção administrativa interposta com vista à anulação do anterior - tem o sentido de revogação deste, nos termos do artigo 141º, nº1, do CPA, e, logo, tem eficácia retroactiva nos termos do artigo 145º, nº2, do CPA, e, por equivaler a anulação judicial, obriga à reconstituição da situação que existira não fosse o acto revogado, nos termos do artigo 173º do CPTA; 24- Como sempre obrigaria nos termos do artigo 562º do CC; 25- Não fique por dizer que a prática do acto correcto ocorreu no prazo de contestação da acção que, com vista à anulação do ilícito, instaurou, a acção vê-se do propugnado aditamento à matéria de facto de uma alínea J)1 e da propugnada alteração à alínea K); 26- Mas, aliás, sempre decorreria dos documentos 9 e 10 juntos à petição inicial, não impugnados, apesar da autoria desse último ter sido imputada aos réus, como do facto de ter isso sido expressamente alegado pela autora na petição inicial [nos artigos 69º a 73º], e de não ter sido especificamente impugnado pelos réus na sua contestação, e, antes, até, de alguma forma admitidos, nos artigos 16º a 18º; 27- Pelo que sempre poderia - e deveria - esse facto, mesmo sem alteração da matéria de facto, ter sido considerado na sentença de 1ª instância e no acórdão recorrido, nos termos dos artigos 607º, nº4, do CPC, ex vi artigo 663º, nº2, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1º do CPTA; 28- E não fique por dizer também que diz o acórdão recorrido que não houve revogação pela razão de o acto anterior e o posterior serem semelhantes apenas com a nuance de o anterior terminar pela conclusão da necessidade de novo concurso e o posterior terminar pela conclusão da atribuição da licença à autora; 29- Acontece que essa apontada diferença constitui parte fulcral do núcleo essencial de cada um dos actos administrativos, sendo, aliás, que, quanto ao seu pressuposto - ser ou não injustificada a não tomada de posse da Notária B………….

    - os actos são igualmente opostos; 30- O acto anterior - al H) dos factos do acórdão recorrido - consiste em «não se considerando injustificada a ausência de tomada de posse da Lic.B………………, prejudicado fica o pedido formulado pela Lic. A…………….., uma vez que, em consequência, em face da caducidade da licença do novo cartório notarial de Amarante, [deverá] a correspondente vaga vir a ser relacionada em novo concurso»; 31- O acto posterior - alínea K) do elenco factual do Acórdão recorrido - consiste em «considerar injustificada a ausência de tomada de posse, com consequente perda de licença de instalação do cartório notarial de Amarante» e em «atribuir a licença de instalação do cartório notarial de Amarante - novo cartório, à Lic. A………….., por aplicação do nº3 do invocado artigo 40º do EN»; 32- São, crê-se que com toda a evidência, actos de conteúdo totalmente oposto, ao contrário do que refere o TCAN; 33- Logo, o acto posterior, efectivamente, ao contrário do decidido, revoga o anterior; 34- Por tudo o que, efectivamente, deve considerar-se para todos os efeitos que a autora tomou posse do novo Cartório Notarial de Amarante em 29.09.2008, que é a data limite para tomada de posse do mesmo se nada de anormal se tivesse passado e tivesse sido logo atribuída à autora a respectiva licença; 35- Pelo que devem os réus ser condenados no pedido formulado sob a alínea A) da petição inicial; 36- E pelo que, decidindo em contrário, violou o acórdão recorrido, os artigos 106º, 110º, 130º, 141º, nº1, 145º, nº2, e 173º, do CPA, 217º, 236º e 562º, do CC, mas, sobretudo, o artigo 40º, nº3, do EN; 37- Dizem as instâncias que a data a que deveriam os réus ser condenados a ver retroagir a antiguidade da autora seria antes a de 19.11.2008 por ser a data a partir da qual se poderá considerar que a autora tinha direito à instalação do Cartório Notarial de Amarante, ou, no rigor das coisas seria, antes, a de 30.03.2009, pois sempre teria a autora ao seu dispor, um prazo de 90 dias úteis para instalar o cartório, nos termos do artigo 37º, nº1, do EN, prazo esse cuja contagem, iniciada a 20.11.2008, terminaria nessa data; 38- Há que dizer, quanto à segunda data, que, se aquele prazo do artigo 37º, nº1, do EN, é estabelecido a favor do notário e no caso sabendo-se, como se sabe, que a autora já há muito e por várias vezes requerera lhe fosse atribuída a licença do cartório de Amarante, essa nunca usaria esse prazo e, de imediato, instalaria o Cartório; 39- Mas, de todo o modo, o único argumento que conduziu a sentença de 1ª instância e o principal que conduziu o acórdão...

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