Acórdão nº 024/20.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1– Relatório CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, E.P.E.

, melhor sinalizada nos autos, vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 257/2019-T, de 13/01/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou improcedente o Pedido de Pronuncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2014 e, bem assim, da decisão de indeferimento da promoção de revisão oficiosa daqueles actos de autoliquidação, no montante de €1.067.337,39, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e o decisão arbitral proferida no processo n.º 170/2016-T.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, E.E.E.

, as seguintes conclusões: 1) Em 9 de abril de 2019, a RECORRENTE apresentou um pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD, requerendo a constituição de um tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade: i) das declarações periódicas de IVA dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2014, na parte em que inclui o IVA autoliquidado na sequência da obtenção das compensações de obrigações de serviço público, no montante global de € 1.067.377,39, que lhe foram atribuídas pelo Estado Português ao abrigo das Resoluções do Conselho de Ministros n.° 23/2011, de 18 de abril e n.° 52/2014, de 29 de agosto; ii) da decisão que indeferiu o pedido de promoção de revisão oficiosa das referidas autoliquidações de IVA.

2) Chamado a pronunciar-se sobre o pedido que lhe foi dirigido pela RECORRENTE, o Tribunal a quo julgou o mesmo improcedente.

3) Como decorre da leitura da decisão arbitral recorrida, proferida no processo arbitral n.° 257/2019-T, o Tribunal a quo conclui que, de acordo com disposto no artigo 97.°, n.° 3, do Código do IVA, «para que fosse possível anular as autoliquidações cm questão, era necessário que as facturas emitidas pela Requerente, nas quais esta confessadamente incluiu 6% de IVA, fossem corrigidas, nos termos legais [artigo 78.° do Código do IVA], para que passasse a constar das mesmas a isenção que aquela entende correcta, bem como as menções legalmente imperativas em tais circunstâncias», dando assim e sem mais, por inexistentes os «fundamentos legais para a anulação das autoliquidações em questão».

4) Porém, debruçando-se sobre a mesma questão fundamental de direito, verifica-se que o Tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.° 170/2016-T, decidiu em sentido contrário, tendo concluído por um lado, que «a norma do artigo 97.°, n.

° 3, do CIVA, que se justifica para obstar a que ocorra um enriquecimento sem causa do sujeito passivo que não suportou o IVA, deve ser interpretada restritivamente, em consonância com os limites da sua ratio legis, como aplicando-se apenas aos casos em que se demonstrar que, recebendo o IVA incluído em facturas, o sujeito passivo obtém um enriquecimento injustificado», sendo o artigo 97.°, n.° 3, do Código do IVA «incompatível com o direito comunitário se interpretado como uma proibição absoluta de reembolso do IVA pago indevidamente ou como consagrando uma presunção inilidível de enriquecimento sem causa»; e, por outro lado, que a «falta de regularização de facturas não pode ser uma obstáculo à revisão oficiosa prevista no artigo 98.

° [do Código do IVA], como, aliás, resulta do teor expresso do n.° 1 do artigo 98.

° ao estabelecer “quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78. ° da lei geral tributária”».

5) Sobressai do que antecede, por conseguinte, que ambas as decisões arbitrais se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito em sentido diametralmente oposto: perante um quadro normativo e factual idêntico, na decisão arbitral recorrida entendeu-se que a anulação das declarações periódicas de IVA objeto do presente processo arbitral estava dependente do prévio recurso, por parte da RECORRENTE, ao procedimento de regularização previsto no artigo 78.° do Código do IVA; ao passo que a decisão arbitral fundamento se pronunciou no sentido da anulação das autoliquidações ilegais não estar dependente da prévia regularização prevista no artigo 78.° do Código do IVA, em particular num contexto em que fique demonstrado que o reembolso do IVA indevidamente liquidado não provoca uma situação de enriquecimento do sujeito passivo.

6) Por seu turno, verifica-se que a posição perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, inexistindo qualquer Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em sentido igual ou sequer idêntico ao que foi seguido pelo Tribunal a quo na decisão arbitral.

7) Neste sentido, encontram-se verificados todos os requisitos legais de admissibilidade do recurso de decisão arbitral.

8) Posto isto, e passando à demonstração da invalidade da decisão arbitral recorrida, a RECORRENTE começa por sublinhar que a interpretação cotejada dos artigos 29.°, n.° 7, 78.° e 97.° do Código do IVA efetuada pelo Tribunal a quo — e que sustentou a conclusão alcançada na decisão recorrida — enferma de um claro erro de direito.

9) Com efeito, contrariamente ao que vem ínsito na decisão arbitral recorrida, a circunstância de o sujeito passivo não ter recorrido, dentro de prazo de dois anos, ao procedimento de regularização previsto no artigo 78.° do Código do IVA, não oblitera o seu direito de acesso aos meios de reação previstos nos artigos 97.° e seguintes do Código do IVA, de modo a ver aí apreciada a (i)legalidade das suas autoliquidações de IVA.

10) Significa isto, portanto, que a revisão oficiosa promovida pela RECORRENTE — seguida da apresentação do pedido de pronúncia arbitral —, com vista à obtenção da anulação das autoliquidações de IVA sub judice, não estava condicionada à prévia submissão do procedimento de regularização previsto no artigo 78.° do Código do IVA.

11) Por seu turno, como vem apontado na decisão fundamento «a norma do artigo 97.°, n.° 3, do CIVA, que se justifica para obstar a que ocorra um enriquecimento sem causa do sujeito passivo que não suportou o IVA, deve ser interpretada restritivamente, cm consonância com os limites da sua ratio legis, como aplicando-se apenas aos casos em que se demonstrar que, recebendo o IVA incluído em facturas, o sujeito passivo obtém um enriquecimento injustificado».

12) De resto, como decorre da jurisprudência do TJUE que sustentou a decisão fundamento «o artigo 97.°, n.° 3, do CIVA, e incompatível com o direito comunitário se interpretado como uma proibição absoluta de reembolso do IVA pago indevidamente ou como consagrando uma presunção inilidível de enriquecimento sem causa».

13) Assim, sobressaindo da matéria de facto dada como assente ter sido a RECORRENTE a suportar, efetiva e materialmente, o IVA indevidamente liquidado — e, nesse sentido, sendo manifesto que a restituição de tal imposto à RECORRENTE nunca poderá consubstanciar uma situação de enriquecimento sem causa — não restam quaisquer duvidas que o direto da RECORRENTE a obter a anulação das autoliquidações de IVA sub judice não pode sair prejudicado (eliminado) pela circunstância da mesma não ter recorrido ao procedimento de regularização previsto no artigo 78.° do Código do IVA.

14) Por conseguinte, tendo a Administração tributária indeferido a pretensão anulatória formulada pela RECORRENTE com base, exclusiva e singelamente, no argumento de que «para que fosse possível anular as autoliquidações em questão, era necessário que os documentos emitidos nos quais consta IVA à taxa legal cm vigor, fossem corrigidos, nos termos legais, para que fosse eliminada a referida menção, conforme procedimento constante do artigo 78.° do CIVA», fica, inexoravelmente, demonstrada a ilegalidade da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, devendo, por isso, a mesma ser anulada.

15) Por seu turno, considerando que também ficou demonstrado não se verificar um nexo direto entre as compensações por obrigações de serviço público atribuídas pelo Estado Português e as prestações de serviços de transporte realizadas pela RECORRENTE — não se encontrando, portanto, preenchidos os pressupostos determinativos da sujeição daquelas indemnizações a IVA — impõe-se, de igual modo, concluir pela ilegalidade das autoliquidações de IVA sub judice.

16) Em face do exposto, e demonstrado que as autoliquidações de IVA sob apreciação incluem imposto liquidado indevidamente — IVA esse suportado pela RECORRENTE — impõe-se concluir pela ilegalidade das mesmas, determinando-se, como inicialmente peticionado, a sua anulação e a restituição à RECORRENTE do valor correspondente ao montante suportado em excesso, ou seja, a quantia de € 1.067.377,39.

17) Por último, caso subsistam dúvidas sobre o sentido interpretativo que deve ser conferido às disposições legais em debate, em particular na hipótese de V. Exas. entenderem dever confirmar o entendimento sufragado na decisão arbitral recorrida a propósito do alcance dos artigos 78.° e 97.°, n.° 3, do Código do IVA, deve ser promovido o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.° do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, QUE V. EXAS. NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVERÁ SER ADMITIDO E DECLARADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT