Acórdão nº 043/19.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1. “SPORTING CLUBE DE PORTUGAL (SCP)” interpôs no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo do disposto nos arts. 4º, nºs 1 e 3 a) da Lei nº 74/2013, de 6/9, na redação conferida pela Lei nº 74/2013, de 6/9, alterada pela Lei nº 33/2014, de 16/6 (LTAD), contra a “FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (FPF)”, recurso de impugnação do acórdão, de 10/11/2017, do Conselho de Disciplina da “FPF”/Secção Não Profissional, que manteve a pena disciplinar que havia condenado o “SCP” nas sanções de derrota por 3-0, perda de 4 pontos na tabela classificativa e multa de 10 UCs, ou seja, 1.020,00€, por violação do disposto no art. 181º nº 1 do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol de 2016 (RDFPF/2016).

  1. O TAD, por acórdão de 20/2/2019, no âmbito do seu processo arbitral nº 70/2017, negou provimento ao recurso interposto pelo “SCP”, assim confirmando a decisão punitiva - cfr. fls. 237 e segs. (págs. 3 a 28) da paginação “SITAF”.

  2. O “SCP”, inconformado com esta decisão arbitral, interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 7/11/2019 (cfr. fls. 281 e segs. “SITAF”, com a adenda retificativa de fls. 308 e segs. SITAF), concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão arbitral recorrida, anulou o ato disciplinar punitivo ali confirmado.

  3. A “FPF”, agora inconformada com este Acórdão proferido pelo TCAS, veio interpor, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 324 e segs. “SITAF”): «1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 7 de novembro de 2019, que revogou a decisão recorrida e anulou a deliberação que condenou a ora Recorrida a título de sanção disciplinar, nas penas de derrota por 3-0, perda de 4 pontos, e multa no valor de 1.020,00€ por aplicação do artigo 181.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da FPF.; 2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogo de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno; 3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito; 4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes; 5. Em causa nos presentes autos está, essencialmente, comportamento grave de um adepto do SCP no decorrer de um jogo de futebol de praia; 6. São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição; 7. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar; 8. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em mais de 37 processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo, contra apenas cinco em sentido coincidente; 9. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos; 10. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo TAD, ao contrário do que entendeu o TCA Sul; 11. O SCP não colocou, em momento algum, em causa que estes factos aconteceram, nem que o espectador era seu adepto; 12. Tal como consta dos Relatórios juntos aos autos, os agentes são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas por adepto do SCP, sem deixar qualquer margem para dúvidas; 13. Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos perpetrados, o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo disciplinar à Recorrida; 14. Neste particular, os relatórios das forças policiais, por serem exarados por “autoridade pública” ou “oficial público”, no exercício público das “respetivas funções” (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (art.º 363.º, n.º 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369.º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. art.º 371.º, n.º 1 do Código Civil); 15. Sucede que, não obstante os relatórios de jogo juntos aos autos serem claríssimos ao afirmar que foram adeptos afetos ao SCP que levaram a cabo estes comportamentos, o TCA alega que nada existe nos autos que permita concluir que os atos sub judice – punidos pelo RD da LPFP – foram praticados por sócio, adepto ou simpatizante do clube recorrido; 16. Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a presunção de veracidade legal e regulamentarmente estabelecida para os relatórios de policiamento desportivo nem o facto de o adepto estar devidamente identificado nos autos pelas forças de segurança; 17. E é, precisamente, esta presunção de veracidade que, inscrevendo-se nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelas forças policiais relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado; 18. Isto não significa que os Relatórios contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que foram adeptos ou simpatizantes da recorrida que levaram a cabo os comportamentos sub judice; 19. Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória; 20. E, para abalar essa convicção, cabia ao clube, no lugar de se remeter ao silêncio, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil; 21. Quanto à questão de saber se a ora recorrida pode ser responsabilizada a título de culpa por esses comportamentos, mais uma vez, nenhuma crítica há a fazer à decisão do Conselho de Disciplina; 22. Entende o TCA Sul que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta dos Relatórios de Jogo) que o SCP violou deveres de formação a que se encontra adstrito, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível; 23. Para abalar essa convicção, cabia ao SCP apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil; 24. Em sede sancionatória, o “arguido”, não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.

  4. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não o SCP.

  5. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida não o demonstrou, em nenhuma sede; 27. Por seu turno, o TCA Sul nada analisa nem nada fundamenta; 28. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 730/95, diz claramente que “o processo disciplinar que se manda instaurar (…) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)”; 29. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso n.º 297/18, interposto da decisão do TCA Sul tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB que, dando provimento ao recurso de revista, diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que...

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