Acórdão nº 0307/16.5BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – O Instituto de Segurança Social, I.P., vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 4 de junho de 2020, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgara procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, Lda, com os sinais dos autos, contra liquidação oficiosa de contribuições para a segurança social no valor de 356 426,29€.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1. O presente Recurso de Revista, vem interposto do Acórdão proferido a 04 de junho de 2020, que negou provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, devendo manter-se a sentença Recorrida na ordem jurídica.

2. A questão central do presente recurso, prende-se com a noção e natureza jurídica das relações contributivas de segurança social e respetivo procedimento de suprimento oficioso, nomeadamente, no que diz respeito, às normais legais que regem a notificação, elaboração oficiosa de declarações de remunerações - liquidação oficiosa e comunicação do registo da declaração oficiosa.

3. Nestes termos, impor-se-á analisar o procedimento aplicável à matéria sindicada dos presentes autos, para a partir da mesma, retirar as devidas consequências legais, designadamente quanto à possibilidade do acolhimento do princípio do ato de aproveitamento jurídico em razão da verdade material e da prossecução do interesse público.

4. Dispõe o nº 1 do artigo 285º do CPPT, o seguinte: «Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista importância fundamental e necessidade clara de admissão de recurso para uma melhor aplicação do direito.» 5. Cumprirá assim aferir o preenchimento dos dois requisitos alternativos que a fundamentam a interposição do presente recurso, nomeadamente: questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental e necessidade clara de admissão de recurso para uma melhor aplicação do direito.

6. Conforme previsto na alínea c) do nº2 do Decreto-Lei 83/2012 de 30 de Março que aprova a orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P., incumbe a este instituto arrecadar as receitas do sistema de segurança social, assegurando o cumprimento das obrigações contributivas, atribuição essa, que mais não espelha os princípios, direitos e deveres constitucionalmente consagrados nos artigos 63º e 81º da Constituição da República Portuguesa, designadamente o direito à segurança e solidariedade social, à promoção da justiça social, à igualdade de oportunidades e devida correção das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, através da aplicação de política fiscais.

7. Como alude APELLES J.B. CONCEIÇÃO in “Segurança Social- Manual Prático”, entende-se como segurança social “um sistema autónomo ou estatal de garantia coletiva contra os riscos sociais fundada na solidariedade organizada entre indivíduos de uma determinada comunidade” (Yves Saint-Jours”).

8. Será, precisamente, enquanto sistema que promove e fiscaliza a garantia do cumprimento dos deveres contributivos, em prol da efetivação das missões atribuídas à Segurança Social, que deverá será enquadrado o procedimento de suprimento oficioso. A este respeito, o artigo 12º do Código dos Regimes Contributivos refere expressamente: «As contribuições e as quotizações são prestações pecuniárias destinadas à efetivação do direito à segurança social».

9. Pelos motivos expostos, entende o Recorrente, que nos presentes autos, não só se verifica uma questão de especial relevância jurídica e social, como se impõe a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, cuja utilidade da decisão, extravasará os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

10. Face à delimitação do objeto de recurso, verificando-se alguma divisão de correntes jurisprudenciais e doutrinais, fonte de incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, parece-nos evidente, salvo melhor opinião, a necessidade de admissão de recurso para uma melhor apreciação do direito.

11. Assim, entende o Recorrente, que a questão sindicada se reveste das características e relevância necessárias, para se aferir com alto grau de razoabilidade e probabilidade que irá ultrapassar os limites da situação singular. Trata-se, pois, de uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias não se coaduna com o ordenamento jurídico.

12. Neste sentido, veja-se o entendimento vertido no douto Acórdão do STA de 19.02.2012, processo 0664/12: «(…) no que concerne à clara necessidade da o preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”. E no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável. Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios…(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).» 13. Em suma, está reunido o pressuposto da necessidade de recurso para uma melhor aplicação do direito, pelo que, se requer a sua admissão, seguindo-se os demais termos.

14. Considera o Recorrente que o entendimento defendido no douto Acórdão recorrido, não poderá merecer acolhimento.

15. Atenta à caracterização da questão central a dirimir nos presentes autos, impor-se-á analisar a noção e natureza jurídica das relações contributivas de segurança social e respetivo procedimento de suprimento oficioso, nomeadamente, no que diz respeito, às normais legais que regem a notificação, elaboração oficiosa de declarações de remunerações - liquidação oficiosa e comunicação do registo da declaração oficiosa.

16. Como é referido por APELLES J.B. CONCEIÇÃO in “Segurança Social- Manual Prático”, 11ª Edição, Editora Almedina, fls. 111, «Quer a doutrina, quer a jurisprudência, quer a lei, vêm considerando as relações contributivas de segurança social como relações jurídico-tributárias dada a qualificação das contribuições como tributos parafiscais, e assim, subsidariamente regulados pela legislação tributária em geral, designadamente a Lei Geral Tributária.» 17. Nos anexos do citado Manual Prático, nomeadamente no “Glossário Elementar”, fls. 731, é elucidada a definição de “Acto Tributário Parafiscal” - «decisão de órgão da segurança social em matéria de contribuições para a segurança social (liquidação) que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação contributiva individual e concreta. As regras fiscais são aplicáveis subsidiariamente.» 18. De acordo com o referido autor, o suprimento oficioso é precisamente um ato tributário parafiscal (Vide fls. 135 da citada obra) pelo que, as regras fiscais são aplicáveis a título subsidiário.

19. Este entendimento é reforçado, por força do disposto na alínea a) do nº 1 artigo 3º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (doravante CRCSPSS), o qual determina quanto à relação jurídica contributiva, a aplicação subsidiária da Lei Geral Tributária (doravante LGT) como também decorre do artigo 1º desta mesma Lei: «A presente lei regula as relações jurídico-tributárias, sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem diretamente na ordem interna ou em legislação especial.» 20. Por outro lado, o Código de Processo e Procedimento Tributário (doravante CPPT) é aplicável como legislação complementar da LGT, conforme o disposto no artigo 2º do referido Código: «São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos: a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais leis tributárias; 21. A falta ou insuficiência das declarações de remuneração, podem ser supridas ou corrigidas oficiosamente pela segurança social, designadamente por recurso aos dados que disponha no seu sistema de informação, no sistema de informação fiscal ou decorrente de ação de fiscalização, conforme previsto no nº 3 do artigo 40º do CRCSPSS.

22. Nos termos do artigo 27º do Decreto Regulamentar nº 1/-A/2001 de 3 de janeiro, que procede à regulamentação do CRCSPSS, o suprimento oficioso da declaração de remunerações previsto no citado artigo 40º, ocorre, designadamente, quando: «a) A entidade empregadora...

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