Acórdão nº 0967/12.6BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. “Brisa Auto-Estradas de Portugal S.A.”, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra ato de indeferimento do recurso hierárquico que confirmou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada ao acto de liquidação adicional de IRC, relativo ao ano de 2006, no valor de € 16.102.924,85.

1.2.

Tendo o recurso sido admitido, a Recorrente apresentou as respectivas alegações que encerrou com a formulação das seguintes conclusões: «

  1. O presente recurso é interposto contra a Sentença, notificada através de Ofício de 20 de Novembro de 2018, proferida nos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 1 sob o n.° 967/12.6BESNT (sendo que foi admitida a apensação do Processo n.° 968/12.4 BESNT a este Processo), que julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente e, consequentemente, manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, referentes a IRC do ano de 2006.

  2. Contrariamente ao que foi sustentado na Sentença objecto do presente recurso, os actos de liquidação de IRC ora contestados padecem de ilegalidade por errada aplicação dos pressupostos dos quais a lei faz depender a aplicabilidade do (então) artigo 47.º, n.º 5 (actual artigo 52.º).

  3. A decisão proferida pelo Tribunal a quo parece sustentar o entendimento segundo o qual o (então) artigo 47.°, n.º 5 (actual artigo 52.°) não era aplicável, por entender que a Recorrente não se encontra enquadrada num regime fiscal especial de tributação.

  4. Ora, no que respeita ao enquadramento normativo do regime aplicável, importa recordar que por revestir a natureza de serviço público, a RECORRENTE beneficiou, relativamente, à actividade concessionada - que se consubstancia na construção, conservação e exploração de auto-estradas - de um regime fiscal especial, o qual se materializou na atribuição de benefícios fiscais em sede de derrama, Imposto do Selo e IRC.

  5. Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 49319, de 25 de Outubro de 1969, determinava na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.° que seriam garantidas às entidades concessionárias a isenção de impostos, de contribuições e outros encargos fiscais.

  6. Assim, a RECORRENTE beneficiou nos primeiros anos de vigência do IRC (de 1989 a 1998) de uma isenção deste imposto relativamente à actividade concessionada, por força do disposto no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho, diploma que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais e estabeleceu a manutenção dos benefícios fiscais anteriormente vigentes no âmbito dos impostos abolidos pela Reforma Fiscal de 1989.

  7. Com efeito, apenas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 294/97, de 24 de Outubro, diploma que procedeu a uma das diversas revisões do contrato da concessão, a configuração inicial do benefício fiscal aplicável à RECORRENTE, em sede de IRC, foi alterada.

  8. Assim, de uma isenção de IRC relativamente à actividade concessionada, durante o período da concessão, passou-se para outro tipo de isenção/redução de IRC, materializada numa dedução à colecta do imposto, e até à sua concorrência, de uma importância correspondente a 50% dos investimentos realizados em imobilizações corpóreas reversíveis na área concessionada, na parte não comparticipável pelo Estado.

  9. O legislador, de facto, quis continuar a garantir uma exclusão de tributação relativamente à actividade concessionada que, embora alterando a sua formulação, continuou, na prática, a ser (potencialmente) total, isto é, desde que existisse investimento elegível que o possibilitasse.

  10. Não obstante, a evolução entretanto verificada no sistema fiscal português e na própria actividade desenvolvida pela Recorrente, justificou-se, apenas, e só por estas razões, a introdução de um requisito adicional para a exclusão de tributação em IRC, cujo grau passou a depender da maior ou menor intensidade com que a Recorrente viesse a preencher os objectivos de política económica, legitimadores da concessão do mencionado regime especial de tributação (ou seja, a isenção/redução de IRC passou a estar condicionada).

  11. Assim, atenta a última formulação do benefício fiscal atribuído à Recorrente relativamente à actividade concessionada, a separação contabilística apresentava também especial relevância, na medida em que lhe permitia apurar uma matéria colectável e quantificar a parte da colecta relativa a cada uma das actividades desenvolvidas e, consequentemente, calcular adequadamente, o montante a deduzir à colecta da actividade concessionada.

  12. Por outro lado, o regime fiscal aplicável à ora RECORRENTE tem, também, uma evidente base contratual, sendo patente, na formulação legal que subjaz ao referido regime, o mútuo acordo das partes envolvidas.

  13. Ora, em face do exposto, é inequívoco que o regime ora em apreço consubstancia um regime que deverá ser forçosamente qualificado como um regime especial, por oposição ao regime geral, consagrado no Código do IRC.

  14. Neste sentido, não nos parece correcto o entendimento que parece resultar da Sentença recorrida, de acordo com o qual a ora RECORRENTE não se encontra enquadrada num regime fiscal especial de tributação, ainda que com a aplicação de benefícios fiscais específicos no âmbito da actividade concessionada.

  15. A este respeito, atente-se no teor do Parecer subscrito pelo Professor Pitta e Cunha (cfr. cit. Doc. 3 junto às alegações de primeira instância do qual decorre "(...) Por outro lado, do ponto de vista do seu alcance substantivo, o regime consagrado para a actividade concessionada da Consulente distancia-se do regime geral de tributação das sociedades em sede de IRC, porquanto se consubstancia num benefício que não tem qualquer paralelo no regime geral".

  16. Na verdade, e conforme referido no mencionado Parecer, “o legislador pretendeu, inequivocamente, atribuir certos benefícios apenas ao regime concessionado, pelo que delimitou cuidadosamente o âmbito da actividade concessionada da Consulente, que estaria sujeita ao regime beneficiado, tendo, também, previsto, em sentido contrário, que quaisquer outras actividades desenvolvidas pela Consulente, estariam sujeitas ao regime geral de tributação".

  17. Em face do que antecede, verifica-se que a RECORRENTE beneficiou de um regime especial, transitório, que se consubstancia numa isenção parcial ou redução de colecta de IRC, restrito ao domínio da sua actividade no âmbito da concessão, aplicável, atento o seu âmbito, apenas aos rendimentos daí decorrentes.

  18. Já do Parecer subscrito pelo Professor José Casalta Nabais (cfr. Doc. 8 junto à petição inicial de impugnação), resulta que o regime a que a ora RECORRENTE se encontrou sujeita configurou um regime fiscal substitutivo, referindo-se "(...) quanto à actividade concessionada, esse regime fiscal especial substitui todo o regime normal, isto é, todos os impostos que seriam aplicáveis caso não tivesse sido estabelecido o regime especial, substituindo portanto, quanto ao IRC, o IRC normal".

  19. Mais refere o Professor José Casalta Nabais que "O carácter especial do regime fiscal da Brisa SA tem por suporte o seu carácter contratual e o facto e de o mesmo, como regime de beneficiação fiscal que é, ser expressão essencial do equilíbrio das prestações contratuais das partes, no qual os benefícios fiscais, em que esse regime especial se consubstancia, se apresentam como uma inequívoca prestação pecuniária (passiva) do contraente público ", T) Também no Parecer subscrito pelo Professor Eduardo Paz Ferreira e pela Professora Clotilde Celorico Palma (cfr. cit. Doc. 1), se sustenta que “(...) estamos claramente perante um regime especial consubstanciado num benefício fiscal, que opera através da dedução à colecta de IRC de certos valores investidos, por contraposição ao regime geral acolhido no Código do IRC, pelo que o entendimento sufragado de acordo com o qual toda a actividade da Brisa se encontra sujeita ao regime geral de IRC não se nos afigura correcto".

  20. Na verdade, tratando-se o regime fiscal ora em apreço de um regime com inequívoca base contratual, para além da singularidade do correspondente enquadramento, não entende a RECORRENTE como pode o Tribunal a quo entender que os benefícios fiscais concedidos não se subsumem a um regime fiscal diferenciado.

  21. Em face do exposto, parece forçoso concluir que a RECORRENTE beneficiou, portanto, até ao exercício de 2007, e em 2006, de um regime especial de tributação de IRC relativamente à sua actividade concessionada, previsto em legislação específica, de que a mesma foi e é a destinatária única e exclusiva.

  22. Assim, até ao exercício de 2007, e em 2006, entende a RECORRENTE que reunia as condições para lhe ser aplicável o disposto no artigo 17.° n.º 3, alínea b) do Código do IRC, de acordo com o qual, para efeitos de uma adequada determinação do lucro tributável de IRC, a contabilidade dos sujeitos passivos deste imposto deve reflectir todas as operações realizadas e estar organizada por forma a que os resultados das suas operações sujeitas a IRC possam claramente distinguir-se das restantes.

  23. Deverá, pois, por não se aceitar que a ora RECORRENTE se encontra enquadrada no regime geral de tributação de IRC, - inviabilizando-se, assim, a aplicação do (então) artigo 47.°, n.º 5 do Código do IRC -, ser revogada a Sentença proferida e, consequentemente, ser anulados os actos de liquidação de IRC ora em apreço, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 165.° do Código de Procedimento Administrativo).

  24. Conhecido o enquadramento normativo aplicável à actividade concessionada, de origem contratual, aplicável à ora RECORRENTE, importa aferir o que se deve entender por isenção parcial ou redução de IRC, designadamente, por forma a aferir a aplicabilidade do disposto no (então) artigo 47.° n.° 5 do Código do IRC (actual artigo 52.°), o qual refere que "No caso de o contribuinte...

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