Acórdão nº 0185/19.2BEPDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – Em 19 de Dezembro de 2019, a B……….. Portugal, Unipessoal, Lda, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada (TAF de Ponta Delgada), contra a Região Autónoma dos Açores, igualmente com os sinais dos autos, acção de contencioso pré-contratual, nos termos do artigo 100.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), pedindo: i) a anulação do acto de adjudicação à contra-interessada A………; ii) a condenação da Ré à adjudicação do procedimento à proposta apresentada pela Autora por ser a economicamente mais vantajosa; e, subsidiariamente, iii) a anulação do procedimento com fundamento nos vícios constantes do Modelo de Avaliação; bem como iv) a condenação da Ré em custas.

2 – Por sentença de 29 de Fevereiro de 2020, o TAF de Ponta Delgada julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

3 – Inconformada, a B……….. recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por acórdão de 28 de Maio de 2020, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença do TAF de Ponta Delgada, por considerar que a proposta graduada em primeiro lugar havia sido apresentada em violação do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CCP e, como tal, deveria ter sido excluída nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.

4 – Inconformada com o acórdão do TCA Sul, a contra-interessada e aqui Recorrente, A……….., Lda., com os sinais dos autos, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 10 de Setembro de 2020, com o seguinte fundamento «[O]ra, enquanto o TAF considerou que tais poderes para negociar, enviar propostas e outorgar contratos incluíam o poder para assinar as propostas, o TCA encarou aquele envio de propostas como a mera submissão delas às plataformas electrónicas, sem a concomitante conferência de poderes para as assinar. E assim se vê que, no fundo, o TAF e o TCA dissentiram porque respectivamente fizeram uma interpretação sintética e uma analítica dos poderes conferidos através da procuração.

O problema em aberto há-de certamente resolver-se à luz das normas de interpretação dos actos e negócios jurídicos, constantes dos arts. 236.° e ss. do Código Civil. Mas, ao menos «prima facie», o resultado hermenêutico a que chegou o aresto recorrido é suficientemente controverso para induzir ao recebimento do recurso – a fim de se garantir uma exacta aplicação do direito».

5 – A Recorrente, apresentou alegações nos seguintes termos: «[…] 1 - Assume enorme relevância, jurídica e social, sobretudo nos dias que correm e mais anda, nos que se avizinham, face à expectável e desejável iminente afluência de fundos para investimento e desenvolvimento da economia, com a concomitante celebração de contratos públicos, a definição, que resultará do acórdão a recair sobre o presente recurso, sobre se o n.º 4, do art. 57.º, do Código dos Contratos Públicos impõe a total falta de senso comum, quiçá mesmo a acefalia como forma de interpretação e a redundância como forma de expressão escrita, frontalmente contra o que dispõe o n.º 3, do art. 9.º, do Código Civil, ou se, ao invés, se exige apenas rigor, sim, mas dentro das regras da hermenêutica e das normas de bom senso, sobretudo quando, como é o caso, o resultado que a norma pretende evitar há muito se encontra esconjurado.

1.1 – A sentença de primeira instância fundou-se, expressamente, nas normas constantes dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, por via das quais concluiu, “Atentas as normas legais sobre interpretação da declaração negocial, entende o tribunal que a procuração que titula o mandato em análise, continha os poderes necessários e suficientes para que o procurador pudesse assinar e apresentar a proposta e os seus documentos, em nome da A……….., assim vinculando esta entidade.

”, bem como “Da mesma forma, o mandato para “envio de propostas contratuais” abrange a apresentação da proposta ao outro contraente e não à sua mera submissão eletrónica, a qual não tem qualquer suporte no texto da procuração, ou o seu envio postal, para o qual era absolutamente irrelevante.

”, enquanto a decisão de que se pretende recorrer em parte alguma refere tais normas ou admite a possibilidade de a elas recorrer, limitando-se a uma inexpugnável interpretação literal, separando o que é suposto ser um percurso negocial – negociação das condições, envio das propostas e subsequente assinatura dos contratos delas resultantes - numa dita cisão entre “a fase pré- contratual” e a sua “fase posterior”, para afirmar expressamente que “a expressão “outorga de contratos de prestação de serviços” não se refere já à fase pré- contratual, mas à sua fase posterior.” , motivo porque “Não releva, pois, para a fase do procedimento aqui em apreciação.

”, e, salvo o muito respeito devido, numa ainda mais impertinente destrinça entre o expressamente permitido “envio de propostas contratuais” e “a sua submissão eletrónica”, como consabido, a obrigatória e única forma legal de envio das ditas propostas. Afigura-se-nos imprescindível, para uma melhor aplicação do direito, dilucidar se o Código dos Contratos Públicos se integra numa ordem jurídica diversa, ou se, pelo contrário, as regras jurídicas e os princípios de direito que fundam e devem tutelar a confiança, quer dos diversos actores judiciários, quer de quem recorre aos tribunais e ao sistema em geral se mantêm, aplicando-se-lhe in totum, sem, naturalmente, perverter a respectiva ratio legis, dilucidação que só o acórdão aqui tirado poderá produzir.

1.2. - A decisão vigente opera, como procuramos demonstrar, uma cisão absolutamente artificial sobre a dinâmica do contrato, traindo, aliás de forma perversa, as expectativas dos concorrentes e logo o princípio da confiança, acarretando o total desprestígio das Instituições, quer das entidades contratantes, obrigando-as a minudências pleonásticas, inadmissíveis em pessoas de meridiana cultura, autênticas redundâncias, por mera cautela, quer mesmo do Tribunal, que, a manter-se a decisão vigente, mais do que sancionar tal desfaçatez, acaba por exigi-la! Entendemos demandar, mesmo exigir, a melhor aplicação do direito – como também ensina Menezes Cordeiro, ibidem, a pgs. 236, “A decisão colhe a sua justeza na conformidade integral com o sistema jurídico que a propicia.” - a admissão e apreciação do recurso...

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