Acórdão nº 0570/15.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. A…………………. - Magistrada do Ministério Público, com a categoria de Procuradora-Adjunta, e devidamente identificada nos autos - intentou neste Supremo Tribunal contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [CSMP], a presente «acção administrativa especial» [AAE], pedindo a anulação do acórdão do respectivo Plenário, de 10.03.2015, que, confirmando o acórdão da Secção Disciplinar, de 27.01.2015, lhe aplicou a sanção disciplinar de 230 dias de suspensão do exercício de funções.

    1. O demandado - CSMP - apresentou contestação na qual impugna, fundamentalmente, as ilegalidades imputadas pela autora ao acórdão do seu Plenário.

    2. No despacho saneador foram considerados como verificados todos os indispensáveis pressupostos processuais, e, ainda, que os autos já continham todos os elementos que se mostravam necessários ao conhecimento do objecto da acção.

    3. Notificada deste despacho saneador a autora arguiu nulidade processual consistente na omissão de prova sobre factos que considera controvertidos e essenciais para aferir da violação do dever de zelo, que lhe foi atribuída no procedimento disciplinar em causa, tendo tal arguição vindo a ser indeferida [despacho de folhas 202 e 203 dos autos].

    4. Convidada a fazê-lo, a autora apresentou alegações que culminou assim: 1- O procedimento disciplinar [PD] enferma de nulidade insuprível por omissão de diligências probatórias essenciais requeridas pela defesa [artigos 204º do EMP, e 203º da LTFP], uma vez que por força da garantia de defesa constitucionalmente assegurada pelo nº3 do artigo 269º da Constituição as diligências de prova requeridas pelo arguido apenas podem ser indeferidas se não forem legalmente admissíveis ou não permitirem a prova dos factos a que se destinam [neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª edição, página 209; ainda os artigos 46º nº4, 53º nº1, do EDTFP de 2008, bem como artigo 213º, nº4, e 218º, nº1, da LTFP]; 2- É a própria entidade demandada a reconhecer que a inspecção extraordinária requerida pela arguida tem por fim avaliar o desempenho e o mérito dos magistrados, o que denota que a prova requerida não era impertinente para prova dos factos alegados em sede de defesa, uma vez que sendo acusada da violação do «dever de zelo» nada melhor do que uma inspecção destinada a apurar o seu mérito para confirmar ou infirmar a violação desse dever; 3- Acresce que, a simples leitura do Estatuto do Ministério Público [EMP] e do Regulamento das Inspecções do Ministério Público [RIMP] comprovam claramente a propriedade da inspecção extraordinária para prover ou infirmar os factos pelos quais a arguida fora acusada, uma vez que tal inspecção se destina a «…obter informações sobre o serviço e o mérito dos procuradores-adjuntos e dos procuradores da República» [artigo 3º, RIMP], pelo que não só o meio de prova requerido em sede de defesa era legalmente permitido como era adequado a provar os factos alegados pela arguida, designadamente que não violara o dever de zelo, razão pela qual a recusa da produção de tal prova viola o disposto na lei [artigos 46º nº4, e 53º nº1 do EDTFP/2008, bem como o 213º nº4, e 218º nº1 da LTFP] e atenta contra o direito constitucional de defesa que é assegurado a todo e qualquer arguido em sede disciplinar [artigo 269º nº3, CRP], determinando a nulidade do PD por «omissão de diligências essenciais», conforme é jurisprudência assente deste próprio Supremo Tribunal [AC STA de 05.05.1983, AC STA de 04.05.1989; AC STA de 30.11.1993; e AC STA de 24.10.02, bem como jurisprudência nele citada]; 4- Mais notória se torna essa «nulidade insuprível» quando se sabe que depois de recusar a produção da prova a entidade demandada acaba por punir sem ter a certeza sobre a ocorrência de determinada realidade - como o demonstra o emprego do termo «…não terá sido excessivo...», que denota claramente que não se tem a certeza se o foi o não - e por dar por provados factos exactamente opostos - por exemplo que todas as magistradas tinham um volume de trabalho idêntico - ao que se pretendia provar com a realização da diligência de prova cuja realização foi indeferida; 5- O PD enferma igualmente de nulidade insuprível por a acusação se limitar a formular meras conclusões, desprovidas de qualquer suporte factual - por exemplo «graves ineficiências na gestão do serviço», «...atitude funcional desvaliosa…», «...práticas ineficientes e ineficazes...» - quando a lei, a doutrina e a jurisprudência são inequívocas ao considerar que a garantia constitucional de defesa implica que a acusação mencione as concretas circunstâncias de modo, lugar e tempo em que ocorreu a infracção, e impede que da acusação constem imputações vagas, factos imprecisos ou arguições genéricas [por todos, M. CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 9ª edição, páginas 845 e 846]; 6- Ora, uma simples leitura da acusação permite concluir que ela nada mais tem do que «fórmulas passe-partout» desprovidas de qualquer suporte factual - não referindo nem o número dos processos onde se considerava terem ocorrido atrasos nem a data em que os mesmos foram conclusos ou acabaram por ser despachados -, o que, aliás, é reconhecido pela entidade demandada quando na sua contestação vem defender que é nos apensos A e B que essas referências se encontravam; 7- Contudo, não é o arguido que tem de andar à procura de apensos ou anexos para saber os concretos factos de que é acusado e de que se deve defender, antes sendo a acusação que tem de descrever os factos [não meras conclusões] imputados com suficiente precisão para que o arguido deles se aperceba e possa, sem mais, rebater esses mesmos factos, pelo que é adulterar as obrigações emergentes da lei dizer-se que na acusação basta formularem-se conclusões genéricas por os factos que as alicerçam estarem dissimulados em anexos a que se faz referência na acusação, como se fosse o arguido a ter de procurar esses mesmos factos ou a ter de demonstrar a sua inocência; Por último.

      8- O procedimento disciplinar é ainda nulo pela circunstância de se ter punido a arguida com uma pena superior à que constava da acusação - desta constavam a suspensão por 220 dias e foram aplicados 230 dias - sem que previamente se lhe tenha permitido pronunciar-se sobre o agravamento da pena disciplinar, o que mais uma vez traduz uma clara violação do direito de audiência constitucionalmente consagrado [neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 2014, página 589]; Na verdade.

      9- Tal como a lei exige que da acusação conste a sanção disciplinar aplicável [213° nº3 da LTFP] para que a arguida sobre ela se possa pronunciar, também qualquer posterior agravamento da medida constante da acusação tem de ser levada a novo e posterior contraditório do arguido, decorrendo esta posterior audição quer do princípio geral do contraditório, quer do direito constitucional de defesa dos interessados; Acresce que, 10- O «direito de instaurar o procedimento disciplinar já estava prescrito em 08.08.2014», uma vez que a prévia instauração de processo de inquérito só logra suspender o prazo de prescrição para a instauração do processo disciplinar se o processo de inquérito for instaurado nos 30 dias seguintes «...à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis» [artigos 6º, nº5, alínea a), do EDTFP/2008, e 178º, nº4, alínea a), da LTFP]; Ora, 11- Se a Procuradoria-Geral Distrital tinha conhecimento das infracções imputadas à autora em, ao menos, 04.10.2013 - o que veio a ser reforçado em 05.12.2013, data em que foi elaborado o relatório - é inquestionável que em 30.01.2014 já havia decorrido o prazo previsto na lei para que fosse reconhecido à instauração do processo de inquérito o efeito suspensivo do prazo de prescrição do direito de instaurar o PD; Por outro lado, 12- Foi aplicada uma sanção superior à prevista na lei, uma vez que mesmo à luz das «formulas passe-partout» constantes da acusação é notório que a arguida apenas teria cometido duas condutas ilícitas - atrasos processuais e não comparência a horas a uma sessão de julgamento -, pelo que ao punir a arguida pela prática de três ilícitos «o acto impugnado não só enferma de erro nos pressupostos» - pois só há duas condutas, as quais violam simultaneamente três diferentes deveres, não podendo, portanto, uma conduta que viole dois deveres ser punida como traduzindo a prática de duas infracções - como aplica uma sanção superior à permitida por lei, a qual apenas permite que por cada infracção seja aplicada uma pena de suspensão máxima de 90 dias, o que determina que a autora apenas pudesse ser punida com 180 dias de suspensão; 13- A pena aplicada viola claramente os «princípios do justiça e da proporcionalidade» consagrados nos artigos 185º do EMP, e 20º do ED de 2009, uma vez que sendo a qualidade de um magistrado um factor tão importante como a sua celeridade, é claramente desproporcional que se puna com uma pena de 230 dias, num máximo de 240, quem não viu ser questionada a sua qualidade e apenas viu ser beliscada a sua celeridade, pelo que a pena só não seria desproporcional se e na medida em que atendesse apenas à celeridade e não à qualidade - o que é proibido pelos referidos artigos 185º do EMP e 20º do ED de 2009; Por outro lado, 14- Aplica-se a pena de suspensão «quase no máximo» da moldura permitida a quem se reconhece que, com sacrifício para a sua vida familiar, passava mais de 9 horas por dia no Tribunal - para onde voltava pelas 19 horas, mesmo depois de ir buscar a sua filha de seis anos -, pelo que também por este prisma se revela a «pena desproporcional», pelo menos para quem admita que os magistrados do Ministério Público também têm direito à família e o dever de educar os seus filhos; 15- Se a isto se acrescentar que da acusação «não consta qualquer concreto e relevante prejuízo para o interesse público» - não havendo sequer referência a um só processo onde o...

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