Acórdão nº 0185/18.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

O Município da Maia, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação deduzida por “A………… SA”, contra a liquidação da taxa municipal de ocupação do subsolo, incluída na factura nº 89 1791/00001181, emitida pela “B………… S.A.

”, respeitante a Fevereiro de 2017, no valor de €13.043,34, veio da mesma interpor recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Tendo o recurso sido admitido, a Recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos: «I - O Impugnado, agora Recorrente, não se conforma com a prolação da Sentença Judicial emanada pela Meritíssima Juiz “a quo” porque ao decidir como o fez, não interpretou e não aplicou corretamente o direito, nomeadamente, os artigos 18.º, n.º 1, n.º 4, alínea a), artigos 20.° 28.°, 33.° e 34.° da LGT, o artigo 85.°, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.

II - O Impugnado, agora Recorrente, pugna, salvaguardando o devido respeito, que é todo, da aplicação do direito que a Meritíssima Juiz “a quo” realizou, deveria ter resultado uma decisão (Sentença Judicial) de improcedência, por a Impugnante, agora Recorrida, não ser parte legítima na presente da ação judicial.

III - A Impugnante, agora Recorrida, não é, nem de facto, nem de direito, sujeito passivo da TOS, tão-pouco pode ser considerada como devedora do tributo em causa.

IV - O ato tributário na mira da presente ação judicial é a liquidação da taxa municipal de ocupação de subsolo (doravante TOS) relativa ao mês de fevereiro de 2017, tendo sido notificada através da fatura n° 89 1791/00001181, de 08 de fevereiro de 2017, emitida pela “B…………” [doravante B………..], a qual se constitui como o seu Operador de Rede de Distribuição do Gás Natural utilizado pela Impugnante, agora Recorrida.

V - A TOS configura, efetivamente, uma taxa municipal, na medida em que as receitas inerentes são arrecadadas pela autarquia sendo devida como contrapartida pela ocupação parcial do subsolo por parte dos operadores do mercado de gás natural tal como definidos pelo Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro.

VI - A cobrança da TOS pela Impugnada, agora Recorrente, encontra respaldo legal no artigo 6.°, n.º 1, alínea c) da Lei n° 53-E/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais referindo expressamente que as taxas municipais são aquelas que incidem sobre as utilidades prestadas aos particulares ou geradas pelos municípios, designadamente pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal.

V - A TOS é uma contrapartida inerente à atividade de distribuição de gás natural, a qual é exercida em regime de concessão de serviço público, conforme decorre Resolução n.º 98/2008, de 23 de junho, tendo Governo aprovado as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural.

VI - O ponto n.º 8 da aludida Resolução refere que “É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão” (sublinhado nosso).

VIII - No mesmo sentido, constata-se que no n.º 2 da cláusula 7.° das minutas do contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e as concessionárias que “assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas (...) que lhe venham a ser cobradas por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação de subsolo cobradas pelas autarquias locais”.

IX - Sucede que, esta repercussão dos custos da TOS (poderiam ser suportados pelos consumidores de gás natural de cada município, sendo a sua cobrança efetuada através das faturas inerentes ao consumo de gás natural) foi alterado por força da publicação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017).

X - O n.º 3 do artigo 85.º dessa Lei e sob a epígrafe “Taxas de direitos de passagem e de ocupação do subsolo” definir que “A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores.” (itálico e negrito nosso) XI - A partir de 1 de janeiro de 2017 “não existe qualquer base legal para a cobrança de taxas municipais de ocupação do subsolo aos consumidores, devendo as mesmas ser suportadas pelas empresas titulares das infraestruturas”, ficando vedado o mecanismo da repercussão legal de imposto para os consumidores, que vigorava até àquela data.

XII - Resulta daqui que a Impugnante, agora Recorrida não é, nem de facto, nem de direito, sujeito passivo da TOS, tão-pouco pode ser considerada como devedora do tributo em causa.

XIII - Esta conclusão resulta, desde logo do artigo 18.º da Lei Geral Tributária, no que respeita aos sujeitos da relação jurídica tributário são “a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente quer através de representante” (sujeito activo) e “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto, ou responsável” (sujeito passivo).

XIV - Deste modo, o sujeito ativo é aquele que pode exigir o cumprimento de obrigações tributárias e o sujeito passivo é aquele que fica adstrito ao cumprimento dessas obrigações.

XV - O sujeito passivo, por seu turno, pode ser configurado como contribuinte direto, substituto ou responsável.

XV - Se a obrigação tributária resultar da aplicação da norma de incidência o sujeito passivo tem nome de contribuinte — o que não é, nem era antes da Lei do Orçamento de Estado para 2017, o caso vertente.

XVI - Já a substituição tributária, de acordo com os artigos 20.° e 28.° da LGT tem por base o mecanismo da retenção (na fonte ou a título de pagamento por conta, definidos nos artigos 33.° e 34° da LGT), através do qual o contribuinte se vê substituído por outra entidade que fica obrigado em seu lugar às obrigações relativas ao imposto que sobre si inicialmente recaíam, retirando-o da relação tributária e ficando o substituto como único obrigado pelo pagamento dessa prestação — o que igualmente não se pode subsumir, nem subsumia, ao caso vertente.

XVII - Assim, a Impugnante, agora Recorrida, não se enquadra, igualmente, na figura do responsável tributário, tal como resulta dos artigos 22.° e seguintes da LGT o responsável tributário acresce à relação tributária, ficando subsidiária ou solidariamente ao lado do sujeito passivo, passando desta forma a existir dois devedores com regimes jurídicos diferenciados.

XVIII - A Impugnante, agora Recorrida, no regime anterior ao que resulta do invocado n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, só poderia ser conceptualizada como contribuinte indireto ou de facto.

XIX - Ora, o contribuinte indireto é aquele que, não sendo sujeito passivo do tributo, suporta, na sua esfera, o impacto patrimonial negativo mediante o fenómeno económico da repercussão tributária.

XX - O fenómeno económico de repercussão consiste na “transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para outrem com que este tem relações económicas.” (Américo Fernandes Brás Carlos, Impostos — Teoria Geral, 3.ª Edição, p. 264).

XXI - Assim, e no regime anterior ao que resulta do invocado n.º 3 do artigo 85.° da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, a TOS podia ser legalmente suportada pelo consumidor final que não sujeito passivo do imposto (a Impugnante, agora Recorrida) e, por isso, por quem era estranho à relação jurídico-tributária.

XXII - Como ensinam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (In Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª Edição, em anotação ao artigo 18.º) entre o sujeito ativo e terceiro repercutido não existe vínculo jurídico, antes duas distintas relações jurídicas: uma, de natureza tributária (relação jurídica de imposto), que se estabelece entre, o sujeito ativo enquanto credor do imposto (no caso, o Município da Maia) e o sujeito passivo (o concessionário da Rede de Gás) uma segunda, de natureza civilística (regendo-se pelo direito privado) que se cria entre o credor (o concessionário) e o repercutido.

XXIII - A posição “híbrida” do contribuinte indireto vem expressamente prevista no n.º 4 do 18.º da LGT. Aí se afirma que “não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, mas, ao mesmo passo, salvaguarda-se a sua posição em face da liquidação e reconhece-se-lhe o “direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias”.

XXIV - Resulta da alteração legislativa operada com o n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro é a total exclusão do consumidor final da dinâmica da TOS.

XXV - Nessa medida, não...

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