Acórdão nº 0194/17.6BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução02 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. O representante da fazenda pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, não se conformando com a douta sentença daquele tribunal que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas do exercício de 2012, de 17 de outubro de 2016, com o n.º 2016 8310035755, e bem assim da liquidação de juros compensatórios n.º 2016 00001808113, no valor total de € 2.557.702,61, e que, em consequência, ordenou a restituição dessa quantia à Impugnante A............., LDA.

, sociedade com sede na Avenida da ………….. ………, 2840-…… ………, Seixal, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito, dela veio interpor o presente recurso, apresentando para o efeito as respetivas alegações, que condensou nas seguintes conclusões: i. A decisão a quo contém um erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da aplicação à derrama regional (criada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e prorrogada, para o ano de 2012, pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março), da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, prevista para “impostos extraordinários sobre lucros e despesas”.

ii. A aplicação à derrama regional do disposto na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, afronta o princípio da legalidade fiscal e o princípio da proibição da integração analógica e constitui violação ao disposto no n.º 2 do art.º 103.º e da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º, ambos da CRP, e do n.º 4 do art.º 11.º da LGT.

A) Do erro na qualificação da derrama regional como “imposto regional autónomo não acessório” iii. A Sentença recorrida enunciou alguns fundamentos dogmáticos e jurisprudenciais a respeito da derrama municipal (prevista atualmente no art.º 18.º da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) e da derrama estadual (consagrada no n.º 1 do art.º 87.º-A do CIRC), no intuito de clarificar a natureza jurídica da derrama regional enquanto tributo.

iv. A respeito da caracterização e natureza jurídica da derrama estadual, a Sentença a quo reproduziu os fundamentos acolhidos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 430/2016, de 13-07-2016, no Processo n.º 367/13, publicado em www.tribunalconstitucional.pt, que, no plano legislativo, económico e financeiro caracteriza a derrama estadual com um imposto contingente, e no plano jurídico qualifica-a como «imposto acessório (relativamente ao IRC, imposto principal) que reveste a modalidade de adicionamento». – (Sublinhados nossos).

v. Na decisão a quo reconheceu-se que «Se atentarmos na redação do artigo 87.º-A do Código do IRC, verificamos que a solução normativa adotada em sede de derrama regional (criada igualmente em 2010, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto) praticamente replica, no âmbito regional, a referida disposição normativa do Código do IRC que prevê a derrama estadual.» (Cfr. Página 36 da Sentença).

vi. Apesar da reconhecida semelhança entre a derrama estadual e a derrama regional, a Sentença recorrida diverge da qualificação da derrama estadual seguida pelo Tribunal Constitucional, afirmando que a derrama regional é um «verdadeiro imposto regional autónomo – não acessório – porquanto todos os seus elementos essenciais constam do referido Decreto Legislativo regional e a sua relação com o IRC cinge-se a uma base tributável comum – o lucro tributável sujeito e não isento de imposto.» (Cfr. Página 36 da Sentença).

vii. A nosso ver, a Sentença recorrida contém uma errada qualificação da derrama regional, porque esta (à semelhança da derrama estadual) é, por natureza, um imposto acessório do IRC.

B) Do erro na caracterização dogmática da derrama regional como “imposto extraordinário” viii. Acresce que, o MM.º Juiz a quo concluiu que a derrama regional se enquadra na categoria de «imposto extraordinário sobre os lucros», por considerar que «a derrama regional foi criada e, assim, justificada, pela ocorrência de circunstâncias excecionais – prejuízos causados pela intempérie que assolou a ilha da Madeira em 20.2.2010 e consequente necessidade de receitas fiscais adicionais para fazer face àqueles prejuízos – assumindo, pois, um caráter temporário» - Cfr. Página 37 da Sentença.

ix. Ora, a citada conclusão assenta em premissas que não consideraram todo o enquadramento normativo que está na génese da criação da derrama regional.

x. A derrama regional foi criada pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, e revisto pela Lei n.º 130/99, de 21 de agosto, com as alterações previstas na Lei n.º 12/2000, de 21 de junho, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, e do artigo 2.º da Lei n.º 12A/2010, de 30 de junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental.

xi. O n.º 2 da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, aditou ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, que criou o regime jurídico aplicável à derrama estadual, que se enquadra no conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).

xii. Assim, a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, demonstra que criação da derrama estadual tem uma finalidade de consolidação orçamental.

xiii. Por consequência e com a mesma finalidade de consolidação orçamental, a Região Autónoma da Madeira adaptou o sistema fiscal nacional de derrama estadual às especificidades regionais, nos termos do n.º 1 do art.º 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, que deu origem à criação da derrama regional pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto.

xiv. Uma análise detalhada do teor do preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, (diploma que operou a alteração do Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010 e no qual foi criada a derrama regional), demonstra que a derrama regional não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, (que fixou os meios que asseguram o financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira na sequência da intempérie de 20 de fevereiro de 2010).

xv. Assim, não estando a derrama regional incluída no rol de meios de financiamento extraordinários previstas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, não existe fundamento para concluir que a criação derrama regional foi criada, com carácter temporário e transitório, para fazer face aos prejuízos causados pela intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira em 20-02-2010, ao invés do que sucedeu na Sentença recorrida.

xvi. Por consequência, a derrama regional não pode ser qualificada como um imposto extraordinário, porque as normas que estão na sua génese não tiveram como fim a obtenção de receitas extraordinárias, destinadas a necessidades orçamentais extraordinárias, por um período de tempo limitado.

xvii. Na verdade, à semelhança da derrama estadual também a derrama regional tem a finalidade de consolidação orçamental, que não tem carácter extraordinário, nem temporário, como evidencia o cotejo do disposto na Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, com o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto.

xviii. O facto de a vigência da derrama regional ter sido sucessivamente prorrogada pelos vários Orçamentos da Região Autónoma da Madeira, desde 2010, resulta apenas do cumprimento do princípios orçamentais da anualidade e da universalidade previstos, respetivamente, no n.º 1 e 4 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 5.º, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto (Lei de Enquadramento Orçamental, posteriormente alterada e republicada pela Lei n.º 52/2011, de 13 de outubro), aplicáveis aos orçamentos regionais nos termos do n.º 6 do art.º 2.º da mesma Lei, e em conformidade com a competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma para aprovação do orçamento regional, nos termos da n.º 1 do art.º 232.º da Constituição da República Portuguesa.

xix. Com relevo para o ano de 2012, em apreço nos presentes autos, o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2012, explica que este Orçamento «cumpre com os diversos princípios e regras orçamentais estabelecidos na Lei de Enquadramento do Orçamento, nomeadamente as regras da anualidade, do equilíbrio, da não consignação, do orçamento bruto, da especificação, da unidade e da universalidade» e que dá cumprimento ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para os próximos anos e implementa medidas necessárias à sustentabilidade e estabilização das finanças públicas da Região e à salvaguarda dos seus compromissos financeiros.

xx. Foi neste contexto que o disposto no art.º 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, (inserido no Capítulo V, respeitante à «Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais»), prorrogou a vigência do regime da derrama regional para o exercício de 2012, e atualizou a redação das normas, com o propósito de consolidação orçamental.

xxi. Considerando o regime jurídico, quer da derrama estatual, quer da derrama regional, ambos os tributos situam-se dogmaticamente no âmbito dos impostos ordinários (aqueles cujo o direito ao imposto se...

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