Acórdão nº 074/18.8BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 74/18.8BEALM (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO O Ministério Público e “A………, S.A.”, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 27-06-2019, que julgando procedente a excepção dilatória da ilegitimidade processual passiva do Município do Seixal, o absolveu da instância, no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a taxa de ocupação do subsolo (doravante TOS) liquidada pelo Município do Seixal à sociedade B………, S.A., no valor de € 37.144,86 e incluída na factura do mês de Março de 2017 pela C………, ……… Comercializadora, S.A.

O Ministério Público formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1ª Nestes autos de impugnação judicial de taxa de ocupação do subsolo liquidada pelo Município do Seixal, veio a Mm.ª Juíza a quo a julgar procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva de tal Município, em suma, porquanto «na relação material controvertida configurada pela Impugnante os titulares do interesse são: a própria Impugnante e a “C…………, ………… Comercializadora, S.A.” e “no dizer da própria Impugnante o que está em causa é o acto de repercussão da taxa efectuado e não qualquer ilegalidade praticada no acto de liquidação da taxa”, ocorrendo «uma violação do citado preceito pela privada “C………….., ………. Comercializadora, S.A.” e não pelo Município”.

  1. Transpondo a noção processual-civilística de legitimidade constante do artigo 30.º do Código de Processo Civil - aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário - para a situação em análise, é de considerar que os termos da petição inicial apresentada pela impugnante e as pretensões nela formuladas – em função dos quais a legitimidade passiva ora em questão haverá de ser aferida – nos remetem para a figura jurídica da repercussão.

  2. Figura essa que, a nosso ver, cumpre analisar à luz das regras especiais do Direito Tributário, nomeadamente de modo a poder concluir pela suscetibilidade ou não de integrar o Município do Seixal na relação controvertida em causa.

  3. Assim, da letra do artigo 18.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, resulta ser o sujeito ativo da relação tributária sempre uma entidade de direito público, no caso o Município do Seixal.

  4. E, apesar de a impugnante “A……..., S.A.” não ser sujeito passivo da relação tributária em sentido estrito, é de considerar que suporta o encargo do imposto por repercussão legal, como alude o n.º 4, alínea a) do mesmo preceito.

  5. O fenómeno da repercussão consiste na “transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para outrem com que este tem relações económicas”.

  6. O que significa, no que aqui releva e contrariamente ao entendimento que emana da decisão sob recurso, corresponder a repercussão a um mecanismo da liquidação. O que não interfere na qualificação do Município como sujeito ativo, pois é ele quem cria, liquida e obtém a receita da taxa em causa.

  7. Sendo, na situação em apreço, a liquidação prejudicial aos direitos e interesses da impugnante ainda a liquidação da taxa de ocupação do subsolo pelo Município do Seixal. Razão pela qual se há de considerar que o lançamento da taxa municipal em causa e a sua repercussão ao consumidor final – a ora impugnante – integram ainda assim uma mesma relação jurídico-tributária, se bem que em sentido amplo.

  8. E, uma vez que a impugnante suporta o encargo do imposto por repercussão legal, apesar de não ser sujeito passivo da relação tributária em sentido estrito, a lei reconhece-lhe legitimidade processual ativa na impugnação judicial, nos termos do n.º 4, alínea a) do artigo 18.º da Lei Geral Tributária.

  9. Em relação à legitimidade no processo judicial tributário, é de atender ainda a norma especial prevista no artigo 9.º, n.ºs. 1 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com e epígrafe “Legitimidade”.

  10. Possuindo, portanto, a impugnante legitimidade processual ativa para a ação de impugnação judicial – cfr. os reproduzidos artigos 18.º, n.º 4, alínea a) da Lei Geral Tributária e 9.º, n.ºs. 1 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, enquanto titular de interesse legalmente protegido.

  11. Pertencendo, por sua vez, a legitimidade processual passiva para a ação em questão, como também decorre do enunciado, ao Município do Seixal por força das aludidas disposições legais.

  12. Aliás, em nosso entendimento, a ação de impugnação judicial somente pode ser interposta pela repercutida impugnante contra a única entidade pública que figura na relação em questão: o Município do Seixal.

  13. O que, conjuntamente com a ponderação da já enunciada definição da figura da repercussão, significa que a conclusão pela ilegitimidade processual passiva do Município expressa na sentença sub judice, quanto a nós e em última instância, ofende o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  14. Portanto, a repercussão integra a liquidação, no caso concreto, de uma taxa municipal cuja relação tributária tem como sujeito ativo o Município.

  15. O que sobressai nomeadamente da circunstância de ser este sujeito ativo que define os termos daquela relação, desde logo concedendo expressamente ao sujeito passivo, no caso a “B…………, S.A.”, no contrato de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural, a possibilidade de repercussão da taxa de ocupação de subsolo, conforme a cláusula 7.ª, n.ºs. 2 e 3 da Minuta do contrato de concessão da atividade de distribuição de gás natural entre o Estado Português e a “B……….., S.A.”, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada no Diário da República n.º 119/2008, Série I, de 23/06/2008.

  16. Constando dos referidos n.ºs. 2 e 3 da cláusula em apreço: Cláusula 7.ª Direitos e obrigações da concessionária (…) 2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infraestruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.

    3 - Na sequência do estabelecido no n.º 2 e no que respeita às taxas de ocupação do subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE” (destaques e sublinhados nossos).

  17. Ressalta, pois, de todo o enunciado que a repercussão consiste em matéria tributária. Com efeito, como define Bruno Botelho Antunes, uma das caraterísticas basilares da repercussão é a de que “opera junto da obrigação tributária, tendo caráter tributário”.

  18. Nos presentes autos, a cobrança da taxa de ocupação de subsolo à impugnante corresponde ao termo de um encadeamento sequencial de repercussões. Encadeamento esse que encontra a sua justificação, a sua razão de ser, no disposto na supra reproduzida cláusula 7.ª, n.ºs. 2 e 3 da minuta que foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008.

  19. Assumindo, pois, a repercussão em causa nos autos uma natureza pública e sendo assim regida por normas tributárias.

  20. Em consequência - para além da aferição da legalidade da repercussão ser ainda a aferição da legalidade da liquidação como decorre do já enunciado -, por si só e atenta a correspondente natureza tributária, esta repercussão está sujeita à jurisdição dos tribunais tributários, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  21. Perante todo o delineado, deveria na sentença sub judice ter sido decidida a improcedência da exceção de ilegitimidade processual passiva do Município do Seixal e efetuada a subsequente apreciação de mérito.

  22. Ao decidir diversamente, incorreu a mesma em violação do consignado no artigo 30.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, assim como desconsiderou o consagrado no artigo 18.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a) da Lei Geral Tributária e no artigo 9.º, n.º 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário e desatendeu ao disposto na referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e ainda ao estabelecido no do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  23. Quanto à apreciação de mérito, é desde logo de assinalar que a ilegalidade da repercussão da taxa municipal em apreço por desrespeito do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro é confirmada pela sentença do Tribunal a quo, ao referir: “a verdade é que com a publicação da referida Lei, mais concretamente, por força do seu artigo 85º, nº 3, a repercussão não é admitida”.

  24. Na realidade, por força do disposto no artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro, mostra-se legalmente vedada a inclusão da taxa municipal de ocupação do subsolo que foi paga pelas empresas “B………….., S.A.” e “C………., ……… Comercializadora, S.A.” (empresas operadoras de infraestruturas) na fatura relativa ao consumo de gás natural no mês de janeiro de 2017 pela ora impugnante.

  25. Pelo que a repercussão da taxa municipal padece efetivamente do invocado vício de violação de lei, devendo em consonância proceder a impugnação apresentada quanto aos pedidos de anulação daquela repercussão e subsequente reembolso.

  26. Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, subsumindo o caso concreto quer ao disposto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral...

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