Acórdão nº 0113/19.5BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

Federação Portuguesa de Futebol (FPF), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 18.06.2020, cuja decisão de seguida se reproduz: “I –

  1. Determinar o desentranhamento do documento apresentados pelo autor com o requerimento de 26.11.2019, bem como a sua restituição ao apresentante.

  2. Determinar o desentranhamento dos requerimentos de 26.11.2019, 20.12.2019 e 6.1.2020 e do documento junto em 27.12.2019, bem como a restituição dos mesmos aos apresentantes.

    II –

  3. Conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo autor, revogando o acórdão arbitral recorrido no segmento impugnado e, em consequência: i) Anular a deliberação do Conselho de Arbitragem da FPF de 28.7.2018; ii) Condenar o Conselho de Arbitragem da FPF a reintegrar o autor na categoria C1.

  4. Não conhecer do recurso interposto pela ré (FPF) por perda do respectivo objecto.

    III –

  5. Condenar o autor na multa de meia UC, pelo desentranhamento determinado em I, alínea a).

  6. Condenar o autor nas custas relativas ao desentranhamento do requerimento de 26.11.2019, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC.

  7. Condenar a ré (FPF) nas custas nesta instância recursiva e no TAD”.

    Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 29.07.2019, que, por maioria, manteve a deliberação do Conselho de Arbitragem da FPF, de 28.07.2018, a qual procedeu à (segunda) classificação dos árbitros relativamente à época desportiva 2017/2018.

    1. Inconformada com a decisão do TCAS, a R., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 384-416 – paginação SITAF): “1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul, notificado em 19 de junho de 2020, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 29 de julho de 2019 e anulou a deliberação do Conselho de Arbitragem da ora Recorrente de 28 de julho de 2018 que procedeu à classificação dos árbitros, condenando aquele órgão a reintegrar o Recorrido na categoria C1; 2. A questão em apreço diz respeito ao exercício da competência de classificação técnica dos árbitros, cujo cumprimento impende sobre o Conselho de Arbitragem da Recorrente, por decorrência legal e regulamentarmente e que emana do exercício de poderes públicos delegados naquele órgão da Recorrente, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, existe uma correlação entre a necessidade de garantir atuações de qualidade por parte dos referidos árbitros e a prossecução do interesse público, por as referidas atuações, serem propensas a causar no público mais atento ao fenómeno futebolístico, reações que propendem e desaguam, não raras vezes, em fenómenos associados à violência no desporto, na decorrência, infelizmente, por vezes, de comentários e declarações difundidas em público, por vezes por dirigentes desportivos, com a potencialidade para incendiar os ânimos naqueles que notoriamente são influenciáveis por tais declarações; 3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – exercício de poderes públicos, com decorrência na competência de proceder à classificação técnica de agentes de arbitragem, por parte do Conselho de Arbitragem da FPF revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito; 4. Com efeito, a relevância social que a questão da arbitragem tem vindo a ganhar em várias dimensões, designadamente na comunicação social, com comentários e declarações de vários envolvidos, designadamente dirigentes e clubes desportivos, muitas vezes depreciativos da pessoa e da função do árbitro, facto que já levou a que o presente Tribunal se pronunciasse já, pelo menos, por duas vezes nessa matéria, e os episódios de violência física, verbal e escrita contra árbitros, respetivas famílias e bens, exige uma análise mais cuidada das questões jurídicas e de facto atinentes à questão em apreço e atendendo ao melindre social e também jurídico da mesma; 5. Nesse sentido, está em causa nos presentes autos, essencial e sinteticamente, o cumprimento de um dever legal e regulamentar do Conselho de Arbitragem da Recorrente, de classificar os diversos agentes de arbitragem ao longo de cada época desportiva, para que, dessa forma, assegurar que a cada momento, sejam os melhores, os mais competentes, aqueles que se encontram em melhores condições técnicas, a tomar as decisões técnicas e disciplinares em cada jogo de futebol profissional, com toda a relevância social que tais decisões têm e que ficou supra demonstrada; 6. Colocar em causa de alguma forma tal atuação da Administração – no caso, do Conselho de Arbitragem – representará risco de não se contar com os mais competentes no desempenho de tal função, designadamente, na função de assegurar as Leis do jogo nos jogos mais mediáticos e em que competem, tendencialmente os clubes tendencialmente com maior número de adeptos e tendencialmente com grupos de adeptos mais atentos e organizados – por vezes, uma organização pela negativa – e bem assim, os clubes com maior atenção da comunicação social, designadamente dos órgãos de imprensa privada dos respetivos clubes que não raras vezes propendem para declarações menos abonatórias sobre determinadas atuações de agentes de arbitragem e mesmo sobre os próprios agentes de arbitragem; 7. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja escrita, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes, clubes e restantes agentes desportivos; 8. Admitir, como fez o TCA Sul, que será possível substituir a classificação técnica dos árbitros, que dá maiores garantias de competência, por um ato que representa uma seleção “administrativa” dos árbitros da “primeira categoria”, é fomentar a prática de uma ilegalidade, olvidando a função, não só organizacional que tal órgão tem ao realizar tal classificação dos agentes de arbitragem, mas acima de tudo por se afigurar perigoso e grave do ponto de vista da repercussão social que o facto de os árbitros que asseguram tal função não serem os que melhor classificação obtiveram na época desportiva anterior e que por essa via, asseguraram esse direito e acima de tudo, oferecem uma maior serenidade ou credibilidade à função que desempenham e por inerência às competições em questão, com toda a relevância social – e como se viu, jurídica – que tal facto acarreta.

    2. A presente questão é passível de ser trazida à discussão um sem número de vezes, não raras vezes trazidos “a lume” pelos agentes de arbitragem que, em virtude das classificações das atuações que levam a cabo, acabam despromovidos no fim de cada época desportiva, colocando desse modo em crise a necessária e indispensável estabilidade que a função da arbitragem merece e que é necessária para lograr uma maior pacificação e credibilização do futebol profissional.

    3. Está em causa nos autos, uma violação de norma – a saber o artigo 86.º do RA da FPF – por parte do Conselho de Arbitragem da FPF, por não ter procedido à publicação das normas de classificação dos árbitros, sendo que, após Acórdão do Conselho de Justiça da Recorrente, o Conselho de Arbitragem, cuidou de expurgar o vício e proceder a nova classificação dos árbitros com base em critérios que já existiam há pelo menos dez anos, devida e previamente publicados e comunicados a quem de direito, procedendo ao abrigo e em respeito ao princípio da proporcionalidade – artigo 8.º do CPA – e nos termos previstos no artigo 173.º do CPTA; 11. Tal decisão foi de novo impugnada, tendo o Conselho de Justiça concluído que se estava perante uma impossibilidade absoluta de reconstituir a situação existente antes da decisão anulada, porquanto seria impossível – e é impossível – publicar os critérios de avaliação com efeitos retroativos, na medida em que o tempo é irreversível; 12. Ora, o artigo 173.º do CPTA dispõe que “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.

    4. De referir que, o Conselho de Arbitragem não usou de tais critérios à revelia dos árbitros visados. Não, os árbitros visados não só tinham conhecimento dos critérios, como assinaram, inclusivamente, uma declaração nesse sentido, até porque, foram os próprios árbitros e o Conselho de Arbitragem, na época 2017/2018 e por decisão unânime, que aprovaram o modelo avaliativo que o Demandante vem colocar em crise perante o Conselho de Justiça.

    5. Na sequência da avaliação técnica dos árbitros, são anualmente despromovidos à categoria C2 os 3 (três) últimos classificados da categoria C1. Assim, ao ter concordado com tal modelo e posteriormente ter dele recorrido, por preterição de formalidade de publicação dos critérios, que serve um propósito que é dar conhecimento aos visados de tais critérios, mas que no caso em crise, foi alcançado por outra via, salvo o devido respeito pelos seus direitos, o Recorrido agiu em manifesto abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, porquanto o Conselho de Arbitragem apenas adotou este procedimento porque os árbitros, unanimemente e dando o seu assentimento de forma clara e inequívoca, assim o quiseram; 15. Diga-se, aliás, que o Recorrido sabe e não pode ignorar que a descida de categoria é sempre uma...

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