Acórdão nº 036/16.0BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I.Relatório.

I.1.

A……………., S.A. – Zona Franca da Madeira, inconformada com a sentença proferida a 13-3-2020 no Tribunal Administrativo e Funchal do Funchal, que julgou procedente a exceção peremptória de caducidade do direito de ação, absolvendo em consequência a Fazenda Pública do pedido vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em que apresentou alegações e conclusões, as quais, após, convite para sintetizar e clarificar as questões de constitucionalidade suscitadas, ficaram conforme a seguir se reproduzem: 1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial proposta pela Recorrente na sequência da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º 30.51, relativa ao ato de liquidação adicional de IRC n.º 2014 231001758, na parte correspondente à derrama regional; 2. O Douto Tribunal a quo concluiu pela extemporaneidade da impugnação judicial, tendo sentenciando que: (i) os tribunais arbitrais carecem de competência para conhecer da legalidade dos atos colocados em crise no litígio; (ii) a Recorrente ultrapassou o prazo de caducidade do direito de propositura da ação, verificando-se a exceção de caducidade do direito de ação, conducente à absolvição da Fazenda Pública do pedido (cfr. art. 576.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 3. Perante o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, entende a Recorrente enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento, pelo que requer a esse Douto Tribunal ad quem que diligencie pela sua anulação; 4. A questão objeto do presente recurso reporta-se assim à vinculação do Douto Tribunal ao quo ao sentenciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T, transitada em julgado, relativamente ao reinício da contagem do prazo de propositura da impugnação judicial acima identificada; 5. Entende o Douto Tribunal a quo que tal decisão arbitral, porquanto versa sobre o vício de incompetência absoluta, não produz efeitos fora do processo em que foi proferida, não relevando a reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial nela reconhecida ao abrigo do art. 24.º, n.º 3, do RJAT (cfr. art. 100.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 6. Tal entendimento bule com o princípio do respeito pelo caso julgado (cfr. arts. 580.º, 581.º, 619.º, 621.º e 625.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 7. A figura do caso julgado visa evitar que determinada questão venha a ser dirimida em termos distintos por diferentes tribunais, conferindo força obrigatória dentro e fora do respetivo processo a decisões que se pronunciem sobre a relação material controvertida (cfr. arts. 619.º e 621.º do CPC); 8. O legislador distingue os casos julgados formal e material: o primeiro possui eficácia intraprocessual (cfr. art. 619.º, n.º 1, do CPC); o segundo possui eficácia extraprocessual (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC); 9. A questão atinente à tempestividade sentenciada na decisão arbitral integra o role de questões abrangidas pela relação material do litígio, beneficiando por isso de eficácia extraprocessual; 10. Logo, tendo a decisão arbitral reconhecido o direito à propositura de impugnação judicial no prazo de três meses a contar da notificação da decisão arbitral, ao abrigo do art. 24.º, n.º 3, do RJAT, não poderá outro tribunal refutar esse direito, sob pena de preterição do caso julgado material já formado; 11. Padece assim a sentença recorrida de erro de julgamento, com fundamento na preterição do caso julgado material formado aquando do trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T, na parte respeitante ao reinício da contagem do prazo de propositura de ação judicial por força da aplicação do art. 24.º, n.º 3, do RJAT (cfr. art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 12. Acresce que, contrariamente à posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo, não se reputa aplicável à presente situação o regime ínsito no art. 100.º do CPC, no sentido de obstar a que o sentenciado na aludida decisão arbitral releve no âmbito dos presentes autos; 13. Neste contexto cumpre ter presente que a aludida decisão arbitral se divide em dois segmentos decisórios: (i) o primeiro reportado à incompetência do tribunal arbitral (cfr. arts. 4.º do RJAT e 1.º da Portaria de Vinculação); (ii) o segundo atinente ao preenchimento dos pressupostos da reabertura do prazo de propositura de nova ação judicial (cfr. art. 24.º, n.º 3, do RJAT); 14. Quanto ao primeiro não se verifica a violação do caso julgado formado, porquanto não existe discordância entre a sentença recorrida e a decisão arbitral, tendo o Douto Tribunal a quo reconhecido que “(…) a apreciação do litígio “sub judice” não se incluía na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, conforme foi decidido na decisão arbitral junta aos autos”; 15. Dado que a dissonância entre as decisões se reporta apenas ao segundo segmento decisório – relativo à reabertura do prazo de propositura da ação e, concomitantemente, à tempestividade da petição de impugnação apresentada, à luz do art. 24.º, n.º 3, do RJAT –, não se mostra aplicável o art. 100.º do CPC; 16. Isto porque a questão de caducidade do direito de ação não constitui uma questão de competência; 17. Nessa medida, mostra-se antes aplicável o regime-regra previsto no art. 619.º do CPC, de onde decorre que o referido segmento decisório (relativo ao reinício da contagem do prazo de propositura de ação) reveste a força de caso julgado material, pelo que se impunha a sua aceitação pelo Douto Tribunal a quo; 18. Mesmo que assim não se entendesse – o que só por cautela de patrocínio se admite, sem, no entanto, conceder –, a eventual subsunção desta matéria a uma questão de (in)competência sempre configuraria uma situação de incompetência relativa, insuscetível de subsunção no art. 100.º do CPC, circunscrito a situações de incompetência absoluta; 19. Com efeito, não está em causa nos autos uma questão de incompetência em razão: (i) da matéria(os tribunais arbitrais beneficiam, em abstrato, de competência para aferir da legalidade de atos tributários e em matéria tributária concernentes aos primeiros); (ii) da hierarquia (os tribunais arbitrais operam enquanto tribunais de 1.ª instância); (iii) das regras de competência internacional (não se coloca qualquer questão transnacional no litígio) ou (iv) da preterição de tribunal arbitral (as partes não se encontravam obrigadas a recorrer à arbitragem tributária); 20. Em face do exposto, o Douto Tribunal a quo estava vinculado à decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T, na parte respeitante à aplicação do art. 24.º, n.º 3, do RJAT, de onde resulta a tempestividade da propositura da impugnação judicial, nos termos do art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT, impondo-se por isso a anulação da sentença recorrida; 21. Acresce oporem-se os princípios da confiança e da segurança jurídicas ao sentido decisório perfilhado na sentença recorrida (cfr. art. 2.º da CRP); 22. Admitir-se que um tribunal possa desatender ao sentido decisório (já transitado em julgado) adotado por outro tribunal coloca em causa os princípios da confiança e da segurança jurídicas, na medida em que obstaculiza a que uma parte possa prever com certeza se os direitos reconhecidos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT