Acórdão nº 01760/15.0BELRS 0819/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1– Relatório Vêm interpostos dois recursos jurisdicionais, um pela Fazenda Pública e o outro pelo A……………, S.A., que mudou a sua designação para B………….

, S.A., melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 28-03-2017, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando o acto de liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2012, no montante de €4.223.714,06, na parte que resultou da correcção referente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, mantendo-se tal acto quanto ao demais e condenando-se a Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação de garantia, relativa à parte da liquidação ora anulada, em termos a liquidar em execução de sentença.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Fazenda Pública as seguintes conclusões:

  1. A Fazenda Pública não se conforma que o Tribunal “a quo” tenha considerado que não se aplica a limitação prevista no art. 45º n.º 3 do CIRC às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 18º n.º 9 al. a) do CIRC.

  2. As razões que presidiram à introdução no ordenamento jurídico do art. 45º n.º 3 do CIRC e ainda a sua manutenção durante vários anos (desde a sua introdução no CIRC com a Lei n.º 32-B/2002, até à sua revogação pela Lei n.º 2/2014), demonstram que a regra fiscal aplicável à valorização do justo valor não tem de ser igual à da desvalorização do ativo, não existindo assim qualquer violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (neste sentido foram as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 87/2016-T, em 29/10/2016 e 25/2015-T, de 24/09/2015).

  3. O Tribunal Constitucional não considerou esta norma inconstitucional, nomeadamente atento os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real (“vide” acórdão n.º 85/2010).

  4. Importa ainda ter presente que a manutenção desta norma legal durantes todos estes anos, decorre do facto do valor dado pelo mercado não pode ser considerado como imune a manipulações; o limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista; mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objetivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º n.º 3 do CIRC, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se refletem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (cf. nota 9).

    (conforme decisão arbitral dada no processo n.º 25/2015-T, de 24/09/2015).

  5. Discorda-se ainda do sentenciado, por se afigurar que a opção pelo justo valor, com a consequente não aplicação da limitação prevista no art. 45º n.º 3 do CIRC, não afasta de forma alguma as razões de prevenção da fraude e evasão fiscal, que foram algumas das preocupações do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico-fiscal o ex art. 42º n.º 3 (atual art. 45º) do CIRC, pela Lei n.º 32-B/2002, para além ser uma medida de moralização, neutralidade e de consolidação orçamental, e que as manteve ao alterar a redação daquele preceito através da Lei n.º 60-A/2005.

  6. Conforme ficou melhor demonstrado nas alíneas 8) e 9) das alegações, e seguindo os entendimentos dos autores ali referidos, a mensuração pelo justo valor revela incertezas, com reflexos na realidade económica, e com repercussões nas receitas fiscais, além de que a subjetividade inerente à contabilização pelo justo valor gera uma maior dificuldade do controlo da sua operacionalidade para efeitos fiscais.

  7. A interpretação, segundo a qual, as perdas por justo valor aqui em causa, se subsumem no âmbito de previsão do art. 45º n.º 3 do CIRC, preconiza, por um lado, um tratamento mais igualitário relativamente às mais e menos-valias, uma vez que, sob certas circunstâncias, estas contribuem para o apuramento do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, e, por outro lado, concretiza um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.

  8. O sentenciado não tomou em consideração a natureza dos ativos financeiros que estão na origem das perdas por justo valor, ou seja, desconsiderou o sentenciado que o regime legal previsto na al. a) do n.º 2 do art. 57º da Lei n.º 53-A/2006, veio permitir que uma concreta parte dos ativos das sociedades sejam mensurados ao justo valor, em oposição ao custo histórico, ou ao valor de aquisição, conforme vigorou até à entrada em vigor do referido regime legal.

  9. Ou seja, até à ocorrência desta alteração legislativa, as perdas por justo valor não eram simplesmente aceites como custos fiscais, somente a partir daí veio admitir-se que as variações patrimoniais dos ativos e passivos financeiros mensurados pelo justo valor, nomeadamente, as perdas por justo valor, em participações inferiores a 5% do capital social, pudessem concorrer para a formação do lucro tributável.

  10. Posteriormente, visando a adaptação do CIRC ao SNC, através do Dec. Lei n.º 159/2009, o art. 18º n.º 9 al. a) do CIRC, veio admitir que os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor sejam considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.

  11. Contudo, afigura-se que o legislador, ao ter previsto sob a al. a) do n.º 9 do art. 18º do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”, e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, pretendeu pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no n.º 3 do art. 45.º do CIRC.

  12. Dado que, somente desta forma é concretizado um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.

  13. “In casu”, a regulamentação especial e a geral completam-se ou complementam-se, pois, não obstante a perda seja aceite nos termos da al. a) do n.º 9 do art. 18º do CIRC, tem, ainda, na mesma, de passar pelo crivo do art. 45º n.º 3 do CIRC.

  14. É certo ainda que, aquando a introdução do n.º 9 do art. 18º do CIRC (pelo DL n.º 159/2009, de 13/07), o n.º 3 do ex art. 42º do CIRC (atual art. 45º), que já existia no CIRC, não foi alterado, pelo que o mesmo se aplicaria em termos idênticos à situação de reconhecimento financeiro quando dissessem respeito a instrumentos de capital próprio.

  15. Pois atente-se que, o n.º 3 do art. 45º do CIRC limita-se a considerar todas as perdas relativas a partes do capital ou outras componentes do capital próprio, sem qualquer ressalva das perdas por justo valor de quaisquer instrumentos financeiros através de resultados, considerados fiscalmente relevantes nos termos do CIRC, como refere o art. 5º n.º 1 do Dec. Lei n.º 159/2009.

  16. Dos parágrafos 76 e 77 da Estrutura Conceptual do SNC resulta que “A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade. (…)” e no CIRC, após as alterações preconizadas pelo Dec. Lei n.º 159/2009, os conceitos “custos e perdas” são simplesmente substituídos por “gastos” no CIRC (art. 8º n.º 2 al. f) do identificado diploma legal).

  17. Afigura-se que o art. 45º n.º 3 do CIRC inclui todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo, os gastos resultantes da aplicação do justo valor.

  18. Não se nos afigura relevante a consideração feita pela lei fiscal entre gastos e perdas a propósito das duas normas em apreciação, porquanto na noção de gastos e da enunciação, a título exemplificativo dos mesmos descritos nas diversas alíneas do art. 23º do CIRC se refere a gastos e perdas, pelo que a mera referência a perdas feita no n.º 3 do art. 45º do CIRC não permite a conclusão de que não pretende abranger tais gastos, sob pena de todos os gastos previstos no n.º 9 do art. 18º do CIRC se encontrarem excluídos daquela limitação de dedutibilidade, o que não foi notoriamente o pretendido pelo legislador fiscal ao mencionar tais perdas.

  19. A decisão arbitral proferida pelo CAAD, no processo n.º 96/2016-T, de 26/10/2016, confirma este entendimento, conforme, sinteticamente, se reproduz: “100. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).” t) Ainda sem conceder, As decisões proferidas pela jurisprudência arbitral (CAAD - processos n.ºs 87/2016 –T, de 29/10/2016, e 25/2015-T, de 24/09/2015, e ainda o voto de vencido dado...

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