Acórdão nº 01282/10.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO Farmácia A…………, Ldª, com sede na Rua ………., nº …… e ….., Vila Nova de Gaia, devidamente identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a presente acção administrativa especial contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.

, doravante INFARMED, indicando como contrainteressada B…….., Ldª, peticionando: “a declaração de nulidade/anulabilidade do despacho de 29/1/2010 do Vice-Presidente do Conselho Directivo do Infarmed, que autorizou a transferência da Farmácia C……., propriedade da contrainteressada, para a Rua …….., ………., Vila Nova de Gaia.”*Por decisão do TAF do Porto, datada de 30 de Abril de 2015, a presente acção administrativa especial foi julgada improcedente e, em consequência, absolvida a Entidade Demandada do pedido.

*A Autora apelou para o TCA Norte, tendo a contrainteressada, pedido a ampliação do âmbito do recurso, e este, por acórdão proferido a 31 de Outubro de 2019, negou provimento ao recurso e consequentemente não tomou conhecimento da ampliação do recurso.

*A Autora, Farmácia A…………, Ld.ª, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1) Deve ser admitida a impetrada revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 150º, nº 1, do CPTA, como propugnado em questão prévia e preliminar, concitando pronúncia pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre o regime normativo da transferência da farmácia de oficina.

2) Configura temática e questão de indiscutível relevância jurídica e económico-social, a merecer tratamento e solução judiciosa em vista à aplicação criteriosa e generalizada do atinente direito.

3) Subjaz à decisão recorrida não considerar ilegal a impugnada autorização de transferência de uma farmácia a menos de 100 metros do Centro Médico D………., não o considerando e fazendo subsumir na previsão do artigo 2º da Portaria nº 1430/2007, de 2 de Novembro (actualmente Portaria nº 352/2012, de 30 de Outubro).

4) Ao bastar-se exclusivamente num argumento formal e literal, importará convocar o sentido teleológico da norma e sua hermenêutica e fazer subsumir esse Centro Clínico na sua previsão, como extensão de saúde.

5) É que a decisão recorrida suscita o problema de se saber se a razão de ser da citada norma não deverá ser extensiva a entidades que, ainda que privadas, mas que, por acordos com as Administrações Regionais de Saúde, assumem a plena substituição funcional - e portanto de serviço público de saúde – aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, ou seja, assumem, por delegação, o exercício de uma actividade pública.

6) Acresce que a questão sub judice configura novidade jurisprudencial e relevará para disciplinar o quadro legal e o respeitante sector económico e social da farmácia de oficina, potenciando confiança, certeza e segurança jurídicas quer para o Infarmed, quer para os cidadãos e empresas que pretendam beneficiar do regime de transferência de farmácias.

7) Diga-se ainda que a temática em dissídio comporta e convoca ponderação e atenção ao princípio da concorrência entre farmácias, a dever ser leal e incompatível com angariação ilegítima de clientes/utentes do Serviço Nacional de Saúde e com abuso de posição de mercado, como a situação dos autos inculca.

8) Finalmente, a temática da transferência de farmácias, no concernente aos requisitos de distâncias a observar já foi jurisprudencialmente entendida como relevante para efeito de admissão de revista excepcional - Acórdão de 3/2/2011, in Processo nº 057/11, da 1ª Secção do STA.

FUNDADO DA REVISTA 9) No Centro Médico D………, Ldª, à Rua ………… em ……….., 4 médicos, únicos sócios e gerentes desse centro, prestam cuidados de saúde primários, na especialidade de Medicina Geral e Familiar, aos utentes do SNS da área do Centro de Saúde de ………. ao abrigo de contratos de prestação de serviços, celebrados após concurso público com a Administração Regional de Saúde do Norte, aí atendendo os utentes do Serviço Nacional de Saúde que antes eram atendidos no centro de saúde e optaram por se transferir para o Centro Médico D……….

10) Na prestação desses serviços, os médicos contratados estão sujeitos aos deveres estatuídos nos seus contratos e nas normas reguladoras, fixadas pela Portaria 667/90, maxime artº 16º, cujo cumprimento é controlado, na terminologia legal, pelo “centro de saúde onde se inserem” isto é, o centro de saúde de …………, que, aliás, lhes fornece os impressos de prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico.

11) Esta unidade de saúde composta pelos 4 médicos, também conhecida por Medicina Concorrência 1, é havida por extensão de saúde quer pelo Município de Gaia quer pelo Ministério da Saúde no Portal da Saúde e pelo próprio ACES- Agrupamento de Centros de Saúde do Grande Porto VIII – GAIA (ut docs. 4,5,6,e 8 da p. i., levados ao nº 10 do probatório).

12) À luz duma interpretação estritamente literal, a unidade de saúde existente no Centro Médico D……… poderá parecer que não é uma extensão de saúde por não constituir uma unidade periférica do centro de saúde de …………, gerida directamente pelo centro de saúde e com pessoal do próprio centro de saúde.

13) Porém, em termos substanciais, trata-se de uma autêntica extensão de saúde desse Centro de Saúde porque presta precisamente os mesmos cuidados de saúde primários aos utentes do centro de saúde que antes eram prestados neste e, por opção dos utentes e com transferência do seu processo clínico, passam a sê-lo no Centro Médico D……… ou Medicina em Concorrência 1, essencializando esse sentido teleológico.

14) Cotejando os cuidados que contratualmente os 4 médicos convencionados são obrigados a prestar - cuidados de saúde primários na especialidade de Medicina Geral e Familiar - aos utentes do SNS da área do centro de saúde de ………. com as funções legais (art. 42 nº 1 da Lei 56/79) do próprio centro de saúde - prestação de cuidados de saúde primários – fácil é de constatar que há equiparação, melhor, identidade, entre as actividades desenvolvidas no próprio centro de saúde e pelos 4 médicos contratados no Centro Médico D……….

15) Além disso, sendo os médicos contratados para superar a incapacidade de resposta do centro de saúde em relação à totalidade seus utentes do SNS, com transferência do processo clínico dos utentes, que façam a opção, do centro de saúde para os consultórios médicos, fácil é de ver que actividade desenvolvida é precisamente a mesma.

16) Constituindo a unidade de saúde instalada no Centro Médico D……… e designada por Medicina em Concorrência 1 uma extensão de saúde em termos substanciais, deve ser atingida e beneficiar das restrições impostas pelo artº 2, nº 1, al. c) da Portaria 1430/2007 em relação à distância de 100m exigida para instalação e transferência de farmácias, por força da interpretação extensiva da norma.

17) Na verdade, presidindo à teleologia da norma o propósito de que não se instalem farmácias demasiado perto dos locais onde se prestam cuidados de saúde primários aos utentes do SNS, estabelecendo uma zona de exclusão na distância de 100m, a razão da proibição verifica-se quer quando o serviço prestador é uma unidade gerida directamente por serviços oficiais, como quando é de gestão privada, contratualmente assumida com a administração da saúde, irrelevando a forma de prestação e privilegiando a sua substância.

18) O legislador não sendo perfeito, disse menos do que pretendia e o intérprete deve dar ao preceito um alcance correspondente ao pensamento legislativo, fazendo corresponder a letra com o espírito da lei.

19) Doutro modo, assistiríamos a uma suma fraude à lei, aplicando a distância de 100m do preceito em relação a unidades de saúde com poucas centenas de utentes só porque são geridas directamente pela Administração Pública e olvidando essa distância em relação a unidades de saúde, com milhares de utentes, que prestam os mesmos cuidados, só porque são de gerência privada, escapando ao escopo da lei.

20) A própria Provedoria de Justiça entendeu, numa interpretação teleológica e actualista, que o preceito e distância de afastamento que ele impõe eram de aplicação ao caso sub judice (cfr. fls.228 dos autos).

21) A interpretação da alínea c), do nº 1, do artigo 2º da Portaria 1430/2007 que o douto acórdão recorrido acolheu atenta ainda contra o objectivo da salvaguarda da “salutar concorrência entre farmácias”, plasmado no preâmbulo do DL 307/2007 e viola o princípio de igualdade de concorrência entre os operadores económicos, no caso a farmácia transferida e as circundantes, nomeadamente a da recorrente.

22)- Assim, o douto acórdão, vinculando-se a entendimento que não resulta da lei, mas como se dela derivasse, decidindo em contrário e em desconformidade, violou o sobredito preceito querido aplicar – art.º 2, nº 1, al. c) da Portaria 1430/2007-, incorrendo em erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogado, como propugnado».

*O recorrido INFARMED contra-alegou, concluindo do seguinte modo: «1.ª A presente revista não deve ser admitida, porquanto, nos termos do artigo 150º do CPTA, não se verificam os requisitos para o efeito.

  1. Desde logo, não se vislumbra qualquer relevância jurídica na admissão do presente recurso, na medida em que a...

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