Acórdão nº 01709/05.8BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSSO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"SOCIEDAD A…………………….., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto que julgou totalmente improcedente a presente oposição, intentada pela ora recorrente e visando a execução fiscal nº.3182-2003/100286.4, a qual corre seus termos no 6º. Serviço de Finanças do Porto, sendo instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A. e juros compensatórios relativas ao ano de 1998, no montante total de € 737.415,28.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.451 a 483-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: 1-Conforme o princípio conhecido como iura novit curia ou da mihi factum dabo tibi ius, com assento legal no artigo 5.º, n.º 3 (anterior 664.º), do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, os Tribunais gozam de “liberdade nas qualificações de direito” e “mesmo a própria arguição de um vício concreto não implica que o juiz não possa qualificar diversamente os factos” (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 5914/01 e do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0631/11); 2-Portanto, mal andou o Tribunal a quo ao recusar conhecer da violação do direito europeu com o fundamento de que tal representaria uma ampliação da causa de pedir, porque, em primeiro lugar, não se trata de modificar o quadro factual relevante mas sim de apresentar argumento jurídico de suporte ao fundamento legal invocado para deduzir a oposição e, em segundo lugar, porque o Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos e na determinação do direito aplicável; 3-Quando se analisa a presunção de notificação das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda à Recorrente sob a égide do direito da União Europeia (i.e. o argumento jurídico) não se está, de forma alguma, a pretender alterar o quadro factual alegado pela executada e delimitado pelo Tribunal na sentença (i.e. a causa de pedir); 4-Ou seja, a apreciação do argumento de direito não interfere com a causa de pedir, pelo que não há qualquer efeito de ampliação da causa de pedir nos autos em virtude de tal argumento jurídico ter sido suscitado pela Recorrente; 5-A compreensão da diferença entre estas duas noções (i.e. causa de pedir e fundamentação jurídica) releva na medida em que o nosso sistema processual é dominado pelo princípio, “Na fundamentação da ação, é mais premente a menção das razões de facto do que das razões de direito. Enquanto, na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes (art. 664.º), na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente: Da mihi factum dabo tibi ius”; 6-O Acórdão do STA n.º 0631/11, de 12 de outubro de 2011, vai mais longe ao decidir que “Não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que no julgamento da questão suscitada pela impugnante da ilegalidade do ato de liquidação da taxa impugnada, alargou o quadro jurídico à luz do qual a questão lhe fora colocada, considerando argumentos não invocados pelas partes, pois que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º do CPC)”; 7-Trazer à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 00774/03, de 25 de novembro de 2003, como faz o Tribunal a quo, não infirma estas conclusões, pois; 8-Subjacente ao referido aresto estava uma situação em que, num primeiro momento, o executado deduziu oposição à execução fiscal a arguir a ilegalidade concreta da dívida exequenda – o que lhe era vedado pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT – e a prescrição – fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT – e a ação foi julgada improcedente pelo Tribunal de primeira instância; 9-Não se tratou, aí, de introduzir um mero argumento de direito em suporte de um fundamento legal da oposição oportunamente suscitado (i.e. um dos fundamentos elencados no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT); 10-Tratou-se, outrossim, de alterar os próprios fundamentos legais da oposição à execução; 11-Mas, como se constata nos termos supra, não é isto que sucede nos presentes autos; 12-Acresce que o Tribunal não podia deixar de conhecer de matéria relacionada com o direito da União Europeia por ser, conforme o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, de conhecimento oficioso; 13-A presunção de notificação das liquidações de IVA e juros que consubstanciam a dívida exequenda não podia operar in casu por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais contidos no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT; 14-A Recorrente nunca se recusou expressamente a receber as notificações das liquidações de imposto e juros que representam a dívida exequenda pelo simples facto que as mesmas não chegaram à sua esfera de conhecimento, uma vez que foram devolvidas com a menção de “ausente” aposta pelos serviços postais (cf. pontos 4, 5, 8, 10 e 11 dos factos provados); 15-Ora, quem não conhece determinada notificação não a pode recusar! 16-A outra hipótese prevista no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT em que a presunção de notificação aí consagrada pode funcionar (o não levantamento da carta pelo destinatário no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, mesmo avisado para este efeito) não tem aplicação no caso concreto, dado que as notificações em questão foram todas devolvidas (cf. pontos 4, 5, 8, 10 e 11 dos factos provados); 17-Da aposição do motivo “ausente” nas primeiras notificações não é possível retirar que tenha sido deixado aviso para levantamento das cartas, assim como a devolução das segundas notificações não atesta que o destinatário tenha sido informado para proceder ao seu levantamento, antes comprova que não teve conhecimento das mesmas (cf. pontos 5 e 8 dos factos provados e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0460/09); 18-Ademais, conforme decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º03874/10, “a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando”, algo que no caso sub judice não sucedeu na medida em que as notificações das liquidações não foram enviadas para a sede da Recorrente, em Espanha; 19-Não se diga que a presunção em referência deveria funcionar por a Recorrente ter alterado o seu domicílio fiscal sem a correspondente comunicação à AT e sem estar impossibilitada de efetuar esta comunicação, pois o que sucedeu foi o encerramento de um estabelecimento em Portugal e não a alteração da sede da Recorrente, que nunca deixou de estar situada em território espanhol (cf. pontos 1 e 2 dos factos provados); 20-Tal não equivale a uma alteração do domicílio fiscal para os efeitos previstos no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, porquanto a sede da única pessoa coletiva em causa (i.e. a ora Recorrente) sempre esteve localizada em Espanha (cf. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0270/09); 21-A presunção de notificação prevista no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT só será compatível com o artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da CRP quando a notificação for introduzida pela AT na esfera de cognoscibilidade do destinatário mas este, por causas que apenas a si próprio podem ser imputadas, prescinde do direito de conhecer os contornos exatos do ato notificado, e.g. recusa expressa de receção da notificação ou não levantamento após comunicação deixada pelos serviços postais no domicílio (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 489/97, n.º 579/99, n.º 130/02, n.º 383/2005 e n.º 72/2009); 22-A celeridade e a eficácia processuais que presidem à presunção de notificação não são um valor absoluto e devem ser aplicadas com ponderação e em obediência à proporcionalidade para que as exigências de segurança e de certeza e a garantia do efetivo conhecimento do ato pelo seu destinatário não sejam afetadas; 23-Aceitar como válida uma presunção de notificação de um contribuinte que não recusou expressamente receber a comunicação, nem se absteve de levantar a carta apesar de avisado para tal, e cuja sede não foi alterada, ou seja, quando existe prova segura de que o ato não chegou, de todo, à sua esfera de cognoscibilidade, afronta o disposto no artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da Lei Fundamental; 24-As notificações das liquidações de imposto e juros compensatórios foram enviadas para a Sucursal da Recorrente, em Portugal, e não para a sua sede, em Espanha, ou para a residência ou outro local onde se encontrassem os seus gestores, como determina o n.º 1 do artigo 41.º do CPPT; 25-Inexiste exceção ao artigo 41.º do CPPT para as pessoas coletivas não residentes que tenham em Portugal uma sucursal, precisamente porque para o direito a sucursal é uma parte da própria pessoa coletiva, e não, ressalvada a ficção fiscal no que concerne à questão específica da repartição do lucro tributável da empresa, uma realidade juridicamente independente e diversa da pessoa coletiva; 26-Por conseguinte, a Recorrente, enquanto sujeito passivo, devedora originária do imposto e dos acréscimos legais e, por conseguinte, parte legítima na execução fiscal, tal como decidido em primeira instância, não foi regularmente notificada na sua sede ou domicílio dos atos de liquidações nos termos previstos no artigo 41.º do CPPT e dentro do prazo legal de caducidade do direito à liquidação; 27-O STA, no Acórdão n.º 0460/09, de 8 de julho de 2009, conclui que “a mera constatação de que os avisos de receção foram devolvidos sem assinatura do destinatário nada nos elucida a respeito do conhecimento que o mesmo possa ter tido da existência das cartas nos serviços dos CTT a fim de serem levantados”; 28-E, decidiu o TCA Sul no Acórdão n.º 03874/10, de 27 de abril de 2017, que “se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela...

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