Acórdão nº 063/20.2BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

Federação Portuguesa de Futebol (FPF), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 01.10.2020, que negou provimento ao recurso que interpôs do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). Este último, por acórdão de 06.07.2020, Proc. n.º 38/2019, julgou procedente o pedido de invalidação das multas aplicadas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, no âmbito do processo disciplinar n.º ……… movido contra a Futebol Clube do Porto, SAD (FCP, SAD) e A………… 2.

Inconformada, a FPF recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo, na parte que agora mais interessa, do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 159 a 183 – paginação SITAF): “A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112.º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.

  1. Os Recorridos sabiam ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do árbitro a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.

  2. As expressões sub judice não se limitam a propalar críticas objetivas à atuação dos elementos das equipas de arbitragem, antes incutem a ideia de que estes atuaram ao arrepio de critérios de objetividade e isenção, imbuídos da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial, lançando sobre os mesmos a suspeição de que estariam a proteger (beneficiando) outra sociedade desportiva que disputa competições profissionais.

  3. Lançar suspeitas de que a atuação dos agentes de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome do árbitro da partida e, por inferência, da sua equipa de arbitragem consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão.

  4. Não se diga, como fez o tribunal a quo, que basta um árbitro ter uma má prestação das suas funções enquanto tal cometendo, nomeadamente, erros de apreciação de lances durante o desenrolar de um jogo, que acabem por favorecer uma das equipas, que se pode utilizar as expressões que a Recorrida utilizou e que o tribunal considerou serem consequência lógica de tais erros e sua implicação no resultado final do jogo. A apreciação errónea de um lance ou acontecimento é resultado da falibilidade do ser humano enquanto tal, que, ajuizando determinados lances julgando estar a fazer a apreciação correta dos mesmos, erra.

  5. Por outro lado, muito diferente, é imputar ao árbitro um comportamento doloso de favorecimento da equipa adversária, a partir do erro propositado na apreciação de lances que, a final, resultaram na concessão de uma vantagem desportiva àquela, em violação dos valores e princípios que devem reger a competição e o desporto.

  6. Através das declarações proferidas, os Recorridos pretenderam, de forma expressa, lançar suspeitas quanto à atuação dos agentes de arbitragem, caracterizando tal atuação como violadora das suas competências, dos deveres funcionais a que se encontram adstritos, lançando ainda suspeitas de as suas atuações terem a intenção de favorecer de determinados interesses.

  7. A verdade de uma opinião, por definição, não é suscetível de prova. No entanto, pode, particularmente na ausência de uma qualquer base factual, ser excessiva.

  8. E é uma opinião, sem qualquer base factual, que aqui está em causa.

  9. O Recorrido, não demonstrou estarem as opiniões, por si difundidas, assentes em um qualquer facto, por mais insignificante que fosse.

  10. A verdade é que aqueles dizeres, para além de imputarem a tal equipa de arbitragem a prática de atos ilegais, encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.

  11. Temos ainda quatro Acórdãos recentes do Supremo Tribunal Administrativo referentes aos processos 107/18.8BCLSB, 154/19.2BCLSB, 139/19.9BCLSB, e 156/19.9BCLSB que partilham do mesmo entendimento.

  12. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.

  13. Ao decidir da forma que fez, o Tribunal a quo violou o artigo 112.º e o artigo 136.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, pelo que deve ser a revista admitida e o Acórdão recorrido revogado, tendo em vista uma melhor aplicação do direito”.

  14. A FCP, SAD, ora recorrida, apresentou as suas contra-alegações, formulando, no que para agora mais interessa, as seguintes conclusões (cfr. contra-alegações de fls. 188-211 – paginação SITAF): “G. Limitou-se, no entanto, o Recorrido A………… a emitir aquela que é a sua fundada convicção sobre a insatisfatória prestação dos Srs. Árbitros …………, …………, …………, …………, ………… e …………, a qual, do seu ponto de vista, resulta reiteradamente em benefício do Sport Lisboa e Benfica e, consequentemente, em detrimento dos demais clubes em competição.

    1. Como bem reconheceu a decisão recorrida, as afirmações propaladas no espaço de antena que o Recorrido detém no programa “Universo Porto - Da Bancada” transmitido a …………, ancoram-se num determinado desempenho (ou juízo valorativo sobre esse desempenho), tendo uma base factual concreta e real, que legitima a formulação de tais afirmações, ainda que abstractamente lesivas da honra e da reputação de terceiro.

      I. Trata-se da emissão de meros juízos de valor – ainda que depreciativos, é certo – sempre voltados para o desempenho profissional dos árbitros …………, …………, …………, …………, ………… e …………, apreciando-se de forma crítica as suas decisões naqueles jogos em concreto, pois que, na opinião do Recorrido, as mesmas revelaram-se lamentáveis e atentatórias da verdade desportiva, padecendo de demasiados erros que prejudicavam a competição.

    2. Convicção para a qual concorreram diversas realidades a ter em conta, nomeadamente: as imagens do jogo, as opiniões dos diversos intervenientes nos jogos e as notícias divulgadas na comunicação social acerca da arbitragem realizada nos jogos de 07.04.2019 e 28.04.2019, aqui em apreço.

    3. As quais, confirmando a existência de erros grosseiros de arbitragem, e um desempenho profissional que fica muito aquém daquele que seria o esperado de árbitros desta categoria, levaram o Recorrido a concluir pela parcialidade na arbitragem do jogo em apreço.

      L. Note-se que, à data dos factos, o campeonato de futebol encontrava-se numa fase decisiva, sendo cada jogo e cada resultado especialmente importante para a competição, exigindo-se rigor e um acrescido profissionalismo às equipas de arbitragem.

    4. Principalmente, em face de um panorama futebolístico marcado por sucessivas revelações de suspeitas de corrupção na arbitragem, as quais deram, inclusive, origem a vários processos de natureza criminal, sendo incontáveis as denúncias públicas de suspeitas de favorecimento e de falseamento de resultados a favor e por parte do Sport Lisboa e Benfica.

    5. Como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na protecção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um “ataque pessoal gratuito”. O que está longe de suceder in casu! O. Seguindo de perto o entendimento jurisprudencial e doutrinal dominante, os juízos de valor cairão fora da...

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