Acórdão nº 0350/08.8BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………, S.A., com os sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé de 20 de Fevereiro de 2019, que julgou improcedente a impugnação judicial dos atos que, em 2.ª avaliação, fixaram o valor patrimonial tributário de várias frações autónomas de prédios urbanos, inscritos na matriz predial urbana de Armação de Pera.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

  1. Conforme jurisprudência dos Supremos e do Tribunal Constitucional há muito estabilizada, impõe-se ao tribunal ad quem conhecer questões de inconstitucionalidade ainda que só tenham sido suscitadas pelas partes na sua alegação do recurso (por todos, vd. Acórdão do STA de 08/08/93, Recurso n.º 31.012).

  2. As normas que ditaram o conteúdo dos atos tributários impugnados nestes autos, tal como interpretadas pelo M.mo Juiz de Loulé, atentam contra os princípios da tutela jurisdicional efetiva e contra o da legalidade tributária, pelo que estão esses atos feridos de vício de violação de lei e devem por isso ser anulados.

  3. Atentam contra o princípio da tutela jurisdicional efetiva, porque toleram que qualquer zonamento escape totalmente à fiscalização e controlo dos tribunais, contanto respeite a amplíssima moldura legal prevista no n.º 1 do artigo 42.º do CIMI, bem como a amplíssima moldura regulamentar prevista no anexo I da Portaria 982/2004.

  4. Uma tutela jurisdicional que se quer plena e efetiva não se permite cumprir com a singela constatação de ter sido observada uma moldura legal e regulamentar tão ampla quanto aquela que se discute nestes autos, que permite que entre prédios rigorosamente iguais, mas localizados em diferentes pontos do município, um possa valer, para efeitos fiscais, até 686% mais do que o outro.

  5. Atentam contra o princípio da legalidade fiscal, porque a alínea b) do nº 2 e o nº 3 do artigo 62º do CIMI, ao consentirem, por exemplo no caso do município de Silves, que seja o ministro das finanças a definir por portaria que, em virtude da localização dos seus prédios, determinado munícipe deva pagar IMI 686% mais que o IMI do vizinho, em igualdade dos demais fatores, violam ostensivamente os artigos 165º, nº 1, al. i), e 103º, nº 2, da Constituição da República (Tatbestandsmässigkeit).

  6. A tanto se acrescente que os nºs 1 e 3 do artigo 42.º do CIMI violam o princípio da determinabilidade das leis tributárias, que a doutrina reconhece enquanto decorrência do Estado de direito democrático e da legalidade fiscal (Bestimmtheitsgrundsatz).

  7. O M.mo Juiz de Loulé confirmou que a subscritora da proposta de zonamento se “arrogou da qualidade de perita local”, mas “não tinha ainda sido nomeada pelo órgão competente, nem tomado posse perante o Chefe do Serviço de Finanças de Silves, como perita local”.

  8. Concedeu, por isso, que “faltava-lhe legitimação para actuar dentro do domínio das atribuições do Ministério das Finanças e no âmbito das competências do órgão Perito Local de Silves.” I) Isto é, a sentença aqui recorrida confirmou que as propostas de regulamento que vieram a instituir o zonamento aprovado pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, aplicado às avaliações aqui em crise, foram elaboradas por pessoa não nomeada como perito local pelo Diretor-geral dos Impostos nem empossada pelo chefe de finanças.

  9. De igual modo, o M.mo Juiz a quo confirmou que a proposta do zonamento que veio a ser aprovado pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, foi elaborada sem a coordenação de um perito regional, uma vez que este apenas foi designado para o efeito pelo Diretor Geral dos Impostos cerca de um ano depois.

  10. E no entanto, concluiu o M.mo Juiz do TAF Loulé que a competência legal para “elaborar proposta do zonamento do município ou parte do município em que exercem a actividade”, que o CIMI atribuiu ao perito local, se afigura como uma competência para emitir um “ato opinativo”, que é suscetível de ser subscrito por “agente putativo”.

  11. A total ausência de perito regional foi também julgada de irrelevante, posto que, na aceção do M.mo Juiz do TAF Loulé, também essa coordenação, cuja competência a lei atribuiu ao perito regional, é suscetível de ser omitida ou até mesmo “realizada em termos deficientes por um putativo perito coordenador da região do Algarve.” M) Ao decidir como decidiu, o M.mo Juiz de Loulé feriu a sua sentença de erro de julgamento, por violação de todas as normas relativas à constituição, competência e funcionamento dos organismos de avaliação e dos peritos, em particular as previstas nos artigos 62º a 67º, 69º e 70º do CIMI.

  12. A legitimidade dos poderes legais em que são investidos os peritos provém única e exclusivamente do ato de sua nomeação pelo diretor-geral dos Impostos. Sem este ato prévio, não se consideram naturalmente peritos na aceção da lei.

  13. Sem que se considerem peritos na aceção legal, as pessoas que se arrogam a essa qualidade não podem elaborar propostas de zonamento. São obviamente nulos os atos assim praticados por alguém que se arroga à titularidade de um órgão em que não está investido.

  14. A CNAPU não se pode substituir aos peritos locais na elaboração da proposta do zonamento do município ou parte do município em que estes exercem a sua atividade, porque essa é uma competência exclusiva do perito local nos termos do artigo 64.º, b) do CIMI, cujo não exercício, ou o exercício por quem não foi investido como perito local, a CNAPU não dispõe de competência legal para suprir.

  15. Se o órgão perito local não elaborar a proposta de zonamento, o procedimento regulamentar não pode prosseguir; deve então o seu titular ser substituído (CIMI 70.2), prosseguindo o procedimento regulamentar os seus ulteriores termos assim o novo perito local seja nomeado, empossado e elabore a competente proposta regulamentar.

  16. O que se depreende à luz dos princípios da subsidiariedade, de descentralização administrativa e de autonomia do órgão periférico local, quer em face da independência funcional e jurídica que os peritos detêm relativamente à CNAPU.

  17. Naturalmente que a CNAPU pode adotar ou rejeitar, total ou parcialmente, a proposta do zonamento que lhe é apresentada pelos peritos. O que não pode, porque não dispõe de competência legal para o efeito, é elaborar por mote próprio uma proposta de zonamento ou, por maioria de razão, adotar como sua uma proposta de zonamento que não foi elaborada por um perito local legalmente nomeado e empossado.

  18. Não há órgão algum que legalmente se possa substituir aos peritos na elaboração da proposta do zonamento, nem órgão algum que possa optar entre pedir ou prescindir dessa proposta, consoante assim entenda ou não por conveniente.

  19. O artigo 64.º, b) do CIMI não estabelece, pois, a competência do perito para emitir um “ato opinativo”, como afirma o M.mo Juiz a quo. Um “ato opinativo” não se pode confundir com uma proposta regulamentar cuja respetiva elaboração só ao perito local compete.

  20. A lei é muito clara: o perito local é nomeado pelo diretor-geral dos impostos (CIMI 63.1), empossado perante o chefe de finanças (CIMI 70.1), elabora a proposta de zonamento municipal (CIMI 64.b), sob coordenação do perito regional (CIMI 66.1b) e orientação do chefe de finanças (CIMI 67), e apresenta, após ouvir a respetiva câmara municipal (DL 287/2003 13.3), a proposta de zonamento à CNAPU que a submete ao Ministro das Finanças (CIMI 62.1b) para aprovação por portaria (CIMI 62.3).

  21. No caso dos presentes autos, o perito local não foi nomeado pelo diretor-geral dos impostos, nem tomou posse perante o chefe de finanças, e elaborou a proposta de zonamento sem coordenação do perito regional, que igualmente não foi nomeado nem empossado.

  22. A decisão arvorada pelo M.mo Juiz de Loulé na tese de que a competência do perito para elaborar o regulamento seria consultiva, de modo a subsumi-la à disciplina prevista nos nºs 2 do artigo 98º e 3 do artigo 99º, ambos do CPA, está assim totalmente errada.

  23. De igual modo, o entendimento arvorado pelo M.mo Juiz de Loulé na teoria do “agente putativo” é, tão-só, ajurídico.

  24. A teoria do “agente putativo” não serve para tutelar a expectativa que o próprio Estado depositou na produção de efeitos de um regulamento ilegal que impõem ónus, deveres ou encargos; não há confiança da administração na produção de efeitos dos seus atos ilegais que mereça a tutela do direito.

    A

  25. B………… não tinha como não saber que não podia elaborar a proposta de zonamento sem que previamente tivesse sido nomeada e empossada para esse efeito; a CNAPU, presidida que é pelo Diretor-geral dos Impostos, não tinha como não saber que não podia submeter à aprovação da Ministra uma proposta de zonamento não elaborada por perito local nomeado pelo Diretor-geral dos Impostos; a Ministra tinha a obrigação de não aprovar um zonamento que não foi elaborado por um perito local nomeado e empossado para o efeito.

    BB) O exercício do poder de iniciativa regulamentar que a lei atribui em exclusivo ao perito não é confundível com os casos dos funcionários com alguns anos de exercício pacífico, contínuo e público de funções que vêm a juízo requerer o reconhecimento dos efeitos putativos da sua vinculação à administração, tendente à proteção da sua situação laboral. E só desses cuida a jurisprudência que aplica a figura do agente putativo.

    CC) A consolidação ou atribuição de efeitos putativos à atuação de B…………e por mero decurso do tempo não se coloca, nem se poderia colocar relativamente ao caso dos autos, uma vez que a recorrente promoveu em prazo as segundas avaliações do VPT dos seus prédios e destas deduziu impugnação, designadamente com fundamento na preterição do procedimento regulamentar que lhes deu causa.

    DD) B………… foi nomeada pelo Diretor-geral dos Impostos em 15 de setembro de 2004 (ponto 7 do probatório), apesar de a sua proposta de zonamento de Armação de Pêra ter sido elaborada em 05 de abril de 2004 (ponto 1 do probatório) e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT