Acórdão nº 0469/06.0BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO: 1.

O Município de Santa Maria da Feira vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA do acórdão do TCAN proferido em 30.04.2020, que negou provimento ao recurso que interpusera da decisão de 13.03.2019, proferida pelo TAF de Viseu que, no âmbito de ação de responsabilidade civil extracontratual, que lhe moveram, na sequência de acidente de viação ocorrido na via pública, o condenara solidariamente com a Junta de Freguesia de Caldas de S. Jorge, no pagamento às AA e outros intervenientes, no âmbito da referida ação, nas seguintes quantias: a) à A. A……………. a importância de € 8.750 (oito mil setecentos e cinquenta euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.

  1. à referida A. a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da sentença.

  2. ainda à mesma A. a quantia de 7.500.00 € (sete mil e quinhentos euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até ao seu efectivo e integral pagamento.

  3. à A. B……………… a importância de 6.530.00 (seis mil quinhentos e trinta euros), acrescidos de juros à taxa legal em vigor desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento; e) à referida A. B………….., a importância de 40.000.00 € (quarenta mil euros), acrescida dos juros à taxa legal em vigor desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.

  4. à A. B……….. a importância de 2.000.00 € (dois mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

  5. ao interveniente Hospital de S. Sebastião, E.P.E. a importância de 984,20 € (novecentos e oitenta e quatro euros e vinte cêntimos) [Conforme resulta de despacho de fls. 770 dos autos, que procedeu à rectificação de erro de cálculo existente na sentença], acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação – 15/01/2007 – até efectivo e integral pagamento.

  6. ao interveniente Instituto de Segurança Social, I.P. a importância de 5.315,23 € (cinco mil trezentos e quinze euros e vinte e três cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação – em 13 de Julho de 2016 – até efectivo e integral pagamento.

    2.

    Para tanto, alegou em conclusão: “A. Nos autos procura-se apurar a responsabilidade civil pelos danos decorrentes de um acidente de viação ocorrido em 12.12.2004, sendo a seguinte a factualidade considerada provada quanto à dinâmica do sinistro e à matéria da culpa e responsabilidade referentes ao mesmo (...).

    B. Tendo em conta a data dos factos que nos ocupam (12.12.2004), o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública encontra-se no DL 48 051, de 21.11.1967, considerando-se ilícito o ato omissivo que é apontado ao aqui recorrente (falta de sinalização de uma estaca/“obstáculo” numa via rodoviária sob sua jurisdição) se ele infringiu regras de ordem técnica e de prudência comum que deviam ter sido observadas (artº 6º do DL 48051), sendo a culpa dos titulares dos órgãos e agentes apreciada em abstrato, considerada a diligência exigível a um funcionário típico (cfr. art.º 487º do CC, por remissão do artº 4º, nº 1, do citado DL nº 48 051), sendo a conduta omissiva considerada culposa quando não corresponde à que é exigível de um funcionário zeloso e cumpridor ( 26) (27) [26) cfr. doutos Acórdãos do STA de 20.10.87, in BMJ, 370, p. 392 e de 22.02.96, in AD, 413, p. 561.] [27) Cfr. douto Ac. do STJ de 27.09.1994, proferido no processo 084991].

    C. Tendo ficado provado nos autos que o acidente de viação em apreço ocorreu em virtude de o ……. ter embatido numa estaca não sinalizada que se encontrava “cravada” no piso da via rodoviária por onde seguia, estaca essa que aí fora colocada por terceiro e nos instantes que imediatamente antecederam tal sinistro, o que não foi autorizado nem sequer conhecido do Município, aqui recorrente, não é inexigível ao Município que providenciasse pela pronta sinalização de tal “obstáculo, pois nem seria humanamente possível fazê-lo em tempo útil de prevenir tal acidente uma vez que este aconteceu nos instantes que imediatamente se seguiram à colocação do dito obstáculo.

    D. Impendendo sobre o Município um dever de vigilância das vias rodoviárias que estão sob sua jurisdição, tal dever não implica que todas essas vias sejam em todos os momentos e em todos os locais objeto de inspeção / fiscalização pois tal seria, para além do mais, humanamente impossível.

    E. No douto Acórdão recorrido é efetuada uma interpretação da obrigação de vigilância das vias municipais que impende sobre os respetivos municípios e uma interpretação da presunção de culpa a que alude o nº 1, do artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil que, a prevalecer, importaria, no entender do recorrente, que tal presunção fosse inilidível e que tal dever de vigilância não tivesse como referência as regras de ordem técnica e de prudência comum a que alude o artº 6º do citado DL 48 051 para passar a ter por referência uma “prudência excecional”, o que seguramente não foi a vontade do legislador nem tão-pouco encontra expressão no texto da lei.

    F. Acresce que no mesmo douto Acórdão recorrido não se reporta a culpa dos titulares dos órgãos e agentes dos Municípios à diligência exigível a um funcionário típico, como determina o art.º 487º do CC, por remissão do artº 4º, nº 1, do citado DL nº 48 051, mas sim à diligência de um funcionário ideal, “sobre-humano”, defendendo-se ainda no douto Acórdão recorrido que a conduta omissiva não é considerada culposa apenas quando não corresponde à que é exigível a um funcionário zeloso e cumpridor mas sim a um tal “super” funcionário “ideal” .

    G. No caso que nos ocupa, justificou o Município aqui recorrente a razão pela qual não sinalizou o dito obstáculo (“estaca”): por mais zelosos e diligentes que fossem os seus órgãos, agentes e funcionários, não lhes era humanamente possível conhecer a existência de tal obstáculo e em tempo útil sinalizá-lo, pois ele fora aí colocado por terceiro e nos instantes que imediatamente antecederem tal sinistro e sem que o Município aqui recorrente disso tivesse qualquer conhecimento.

    H. Incumbindo ao R. Município, querendo afastar a presunção de culpa sobre si impende nos termos do art. 493º do CC, a prova de que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, entende o ficou demonstrado nos autos que a instalação naquele local de um circo não foi por si licenciada, nem autorizada, nem tão pouco lhe foi participada ou levada ao seu conhecimento, ocorrendo o sinistro no preciso momento em que a montagem daquele circo acontecia e a dita “estaca” / obstáculo era colocada na via.recorrente que logrou fazer tal prova pois, por um lado, I. Nos termos da lei (art. 483º, n.º 2, do CC), (…) “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei” (…).

    Por sua vez (…) “a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto” (…), sendo que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas fundada em facto ilícito está dependente da verificação cumulativa dos respetivos pressupostos: o facto do órgão ou agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Ora, como ensina A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I, pág 571, (…) “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” (…) – negritos e sublinhados nossos. E, no caso que nos ocupa, ao aqui recorrente não é legalmente exigível, porque, desde logo, é humanamente impossível, que “adivinhasse” que naquele concreto dia, hora e local alguém iria cravar uma estaca no piso daquele arruamento e ainda exigir-se-lhe que no mesmo instante a sinalizasse… Sem prescindir, J. Ainda que tal sinalização lá tivesse sido colocada ela não informaria a condutora do automóvel sinistrado mais do que aquilo que ela já previamente conhecia: que nessa via e nesse dia e hora decorria a montagem do dito circo, com os perigos daí decorrentes, pelo que os danos resultantes de tal acidente sempre ocorreriam e na mesma medida mesmo que tal “obstáculo” se encontrasse sinalizado, o que nos termos da parte final do disposto no nº 1, do artº 493º do CC isenta o Município de responsabilidade pelos danos decorrentes do mesmo. Na verdade, Ficou provado nos autos, para além do mais, que:) a A. (condutora do automóvel sinistrado) é natural e residente nessa freguesia; b) o Interveniente C…………. (proprietário do referido circo) havia anunciado à população dessa freguesia (na qual se incluem as AA. aqui recorridas) que na manhã desse dia 12.12.2004 iria proceder à montagem do circo (quesito 35º da B. I.); c) na ocasião do sinistro encontrava-se estacionado, junto ao local onde o mesmo veio a ocorrer e na berma da via rodoviária por onde seguiam as AA., o camião e o atrelado (cujo conjunto tem cerca de 15 metros de comprimento) que iria integrar a estrutura desse circo (o seu “chapiton”), o que era “bem visível a pelo menos 50 metros do local para qualquer condutor que, como a condutora do …., circulasse na referida via”; d) nesse local a via rodoviária é uma reta, na altura fazia bom tempo e a faixa de rodagem tem 10 metros de largura, sobrando ainda livre para a circulação...

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