Acórdão nº 01110/08.1BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A…………..

veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista do Acórdão proferido em 11/7/2018 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, “TCAS” (cfr. fls. 1239 e segs. SITAF), o qual confirmou a sentença, de 31/12/2014, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, “TAF/Almada” (cfr. fls. 873 e segs. SITAF) que julgara procedente a presente ação administrativa especial intentada pelo Ministério Público contra o Município de Setúbal e, em consequência, declarara a nulidade dos atos impugnados (atos da Câmara Municipal de Setúbal, de 10/10/2003, que licenciou a construção de uma obra e, de 15/12/2004, que deferiu o pedido de emissão do correspondente alvará) e condenara o Município de Setúbal a “determinar a demolição da obra e a reposição do terreno no estado em que se encontrava”.

  1. Inconformada com este julgamento do “TCAS”, a Recorrente, Contrainteressada, interpôs para este STA o presente recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1281 e segs. SITAF): «1ª No Acórdão Recorrido é abordada a questão do valor jurídico/consequências jurídicas do silêncio do Parque Natural da Arrábida quando consultado para emitir parecer no âmbito de procedimentos de licenciamento de operações urbanísticas, a qual, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental, sendo também a revista claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que deve o presente Recurso de Revista ser admitido, devendo funcionar esta válvula de segurança do sistema, até numa interpretação do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA conforme à garantia constitucional de uma tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, de que é corolário o princípio pro actione vertido no artigo 7.º do CPTA; 2ª O Acórdão recorrido, praticamente, limita-se a transcrever e a adotar acriticamente a fundamentação constante de outros arestos, ignorando completamente os argumentos da Recorrente constante das alegações de recurso, ficando, por vezes a dúvida, se o Tribunal a quo adota toda a fundamentação das decisões judiciais que transcreve, o que, por cautela de patrocínio, se assumirá que sim.

    1. Um dos acórdãos invocados no Acórdão recorrido - o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo («STA»), de 18.06.2005, proferido no proc. n.º 589/14 -, não tem qualquer aplicação ao caso concreto, não se tendo pronunciado sobre a questão do valor jurídico do silêncio do PNA, considerando que, na situação que o STA analisou, pura e simplesmente, não havia sido promovida a consulta do PNA pelo Município, consulta que foi promovida no caso vertente.

    2. Não decorre da nulidade cominada no artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98 para os atos que contrariem o nele disposto que o parecer vinculativo do PNA, a que está sujeita a realização de obras de construção na área do Parque nos termos do seu artigo 12.º, al. a), continua a ser vinculativo mesmo após o termo do prazo legal para a sua emissão nem que não se forma parecer favorável tácito mesmo que o parecer não seja recebido pelo Município dentro do prazo, estando o Município vinculado a não deferir o licenciamento enquanto não for emitido parecer expresso do PNA.

    3. Ao assim entender, por adesão à Sentença da 1.ª instância, o Acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98, a qual contraria o disposto nos artigos 19.º, n.ºs 9 e 11.º, 20.º, n.º 2, al. c), 21.º, n.º 4, al. c), 111.º, al. a) e 112.º do RJUE e ainda o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do CPA.

    4. Ao acolher o entendimento do Tribunal da 1.ª instância de que, mesmo que se formasse parecer favorável tácito do PNA, o mesmo seria nulo e acarretaria a nulidade dos atos impugnados nos termos do artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98, sem sustentar a nulidade do parecer favorável tácito em qualquer violação do disposto neste diploma ou nas normas materiais da Portaria 26-F/80, o Acórdão recorrido faz uma errada aplicação desta norma.

    5. As normas dos artigos 12.º, al. a), e 19.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar 23/98, interpretadas no sentido de exigir parecer expresso favorável do PNA à realização de obras de construção, tal como decidido no Acórdão em crise, por adesão ao Acórdão do TCA Sul de 24.06.2018, no proc. n.º 312/08.5BEAL, conduz à sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da hierarquia das normas e do primado da lei consagrados no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, já que equivale a admitir a derrogação, por decreto regulamentar, do disposto em diploma legislativo – considere-se o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) ou o anterior Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro – que prevê, no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE, que a ausência de parecer no prazo estabelecido equivale a concordância.

    6. A lei habilitante do Decreto Regulamentar 23/98 – o Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 janeiro, que estabelecia o regime da Rede Nacional de Áreas Protegidas – apenas lhe confere habilitação, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, al. b) para definir os atos e atividades condicionados ou proibidos e não para regular os efeitos do silêncio do PNA em derrogação do regime legal geral, pelo que, os artigos 12.º, al. a), e 19.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar interpretados no sentido de excluir o parecer favorável tácito, tal como preconizado no Acórdão recorrido, são inconstitucionais por violação do princípio de precedência de lei vertido no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição.

    7. Não existe nem nunca existiu qualquer norma na legislação aplicável no PNA a prever que a falta de resposta do PNA no prazo previsto vale como discordância, parecer desfavorável ou negativo, pelo que a interpretação do Tribunal recorrido de que existe “legislação específica” aplicável na área do PNA que afasta a regra geral de concordância tácita contida no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE viola o disposto nesta norma e, ainda, o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil por não ter o mínimo de apoio na letra da lei.

    8. O Acórdão recorrido, ao acolher o entendimento de que é exigível parecer expresso favorável do PNA e de que não se formou parecer favorável tácito, com esse fundamento confirmando a declaração de nulidade dos atos impugnado, fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 12.º, al. a), 19.º, n.º 2, e 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 93/98, violando o disposto no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE.

    9. O Município de Setúbal estava vinculado a deferir o pedido de licenciamento face ao parecer favorável tácito do PNA, entidade a quem cabe tutelar os valores naturais em causa, pelo que improcede a censura efetuada no Acórdão recorrido ao Município no sentido de que se deveria ter abstido de licenciar as obras (censura que inexplicavelmente nunca dirige ao PNA que, durante mais de 1 ano, não emitiu qualquer parecer), sendo que, no caso concreto, apesar do parecer favorável tácito que se produziu, o Município teve a preocupação de analisar e confirmar a conformidade da operação urbanística com a Portaria 26-F/80 (cfr. al. h) da Fundamentação de Facto).

    10. O parecer desfavorável do PNA emitido extemporaneamente (mais de 1 ano depois de ter sido promovida a consulta), além de não ser vinculativo por não ter sido recebido no prazo legal nos termos do artigo 19.º, n.º 11, do RJUE – até porque também não invoca qualquer condicionalismo legal ou regulamentar à pretensão, nomeadamente não se fundamenta em qualquer violação de normas materiais da Portaria 26-F/80 – sempre constituiria uma revogação ilegal do anterior parecer tácito favorável, que é constitutivo de direitos, à luz do disposto no artigo 140.º e 141.º do CPA então aplicáveis, pelo que nunca poderia fundamentar o indeferimento do licenciamento.

    11. O artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98, aplicado pelo Acórdão recorrido para fundamentar a nulidade dos atos impugnados decorrente da alegada violação do disposto nos artigos 12.º, al. a), e 19.º, nº 2, do mesmo diploma (que exigiriam, na tese do Tribunal a quo, parecer favorável expresso do PNA), contraria o princípio de precedência de lei dos regulamentos administrativos plasmado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição, considerando que, nos termos do artigo 133.º, nº 1, do CPA só são nulos os atos “para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, e o Decreto-Lei n.º 19/93, de 21 de janeiro, não confere qualquer habilitação ao decreto regulamentar para disciplinar o desvalor jurídico dos atos praticados em sua desconformidade.

    12. Ainda que o ato de licenciamento camarário fosse desconforme com os artigos 12.º, al. a), e 19.º, nº 2, do Decreto Regulamentar 23/98 seria meramente anulável nos termos do artigo 135.º do CPA vigente – anulabilidade sanada à data da propositura da ação pelo Ministério Público – e não nulo como declarado pelo Acórdão recorrido, que assim preteriu o estabelecido no artigo 135.º e 133.º, n.º 1, do CPA.

    13. O Decreto Regulamentar 23/98, donde constam as normas que imporiam parecer favorável expresso do PNA pretensamente violadas, não é um instrumento de gestão territorial, mas sim o diploma que regulava a aprovação de um instrumento de gestão territorial – o Plano de Ordenamento do PNA - pelo que, o Acórdão impugnado, ao concluir pela nulidade dos atos impugnados com fundamento nos artigos 2.º, n.º 2, al. c) do RJIGT, 68.º, al. a), do RJUE e 103.º do RJIGT, faz uma errada aplicação dessas normas e contraria o princípio da tipicidade dos instrumentos de gestão territorial vertido nos artigos 8.º e 9.º da Lei de Bases e no artigo 2.º do RJIGT, na versão então em vigor.

    14. Com o Decreto Regulamentar 23/98 a realização das obras de construção passou a estar sujeita a parecer vinculativo e não a autorização, nos termos do artigo 12.º, al. a), o qual revogou, assim, por força do disposto no artigo 20.º do Decreto...

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