Acórdão nº 01123/15.7BEPRT 0504/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução10 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO A………..

, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30-11-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2010, no montante de € 65.712,71.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais e prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens de património particular a actividade empresarial ou profissional exercida em nome individual pelo seu profissional.

  1. A própria Sentença em causa refere como certo que a actividade profissional do marido da ora Recorrente era a construção e venda de imóveis.

  2. Não há aqui qualquer acto fortuito ou ocasional, como também não há a retirada de algo particular para a esfera profissional. Nem tal faria sentido, não se fala da venda de um ou outro imóvel que estivesse na esfera jurídica dos insolventes, como por exemplo, uma casa de morada de família.

  3. Assim sendo, quaisquer rendimentos que porventura houvesse a cobrar, sempre o seriam por força da categoria B e nunca tributáveis como uma mais-valia.

  4. Tal sempre configuraria uma desvirtuação do princípio da proporcionalidade ínsito ao sistema fiscal.

  5. A tal vem acrescer que as mais-valias que a Autoridade Tributária pretende cobrar, reportam-se somente à venda judicial dos prédios à entidade que financiou a construção em causa, sendo certo que, tanto quanto a Recorrente sabe, não resultou qualquer lucro da sua venda, às quais, do que resulta claro do Código do IRS deveriam ainda ser abatidos os custos da construção entre outros gastos que não foram tidos em conta aquando da liquidação.

  6. Assim, nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado a liquidação em causa válida, porquanto a mesma tributa erroneamente rendimentos de mais-valias e não rendimentos profissionais, ou seja, rendimentos da categoria B.

  7. Por muito que a Autoridade Tributária não tenha que aferir custos de construção, não poderia tributá-los conforme os tributou. Por essa via, a liquidação em causa padece de erro e a impugnação em causa deveria, salvo melhor opinião, ter sido julgada procedente.

  8. Se a Autoridade Tributária não tem que aferir custos de construção, a Autoridade Tributária, sendo até parte no processo de insolvência em causa não pode, de boa-fé, considerar que havia lucro e, muito menos, considerar que seriam rendimentos de mais-valias.

  9. Todo o raciocínio seguido pela douta Sentença omite este simples facto.

  10. Não só vai inquinada a qualificação, como o próprio valor da liquidação.

  11. Certamente o Credor Adquirente há-de ter cumprido as inerentes obrigações fiscais, pelo que claramente a causa de transmissão não pode ser do desconhecimento da Fazenda Nacional.

  12. Mais, em 16 de Outubro de 2014, foi elaborado projecto de despacho do qual resultava que não havia sido cumprido pela Recorrida o ónus da prova relativamente aos factos geradores do tributo.

  13. Se é verdade que a quem alega incumbe o ónus da prova, nos termos do Artigo 342º do Código Civil e do Artigo 74º da LGT, também é verdade que existem factos de conhecimento pessoal cuja existência não pode a contraparte, no caso a Autoridade Tributária negar.

  14. A prova dos factos extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a alegação é feita.

  15. No caso em apreço, o direito será o de liquidação e o facto extintivo, o de não terem sido auferidos quaisquer rendimentos.

  16. Compete à Autoridade Tributária provar que tais rendimentos existiram.

  17. Mais, nos termos da LGT, quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta densificação junto da administração tributária.

  18. A Autoridade Tributária dispõe de todos os elementos referentes à venda dos imóveis em causa.

  19. A Sentença em causa foi notificada às partes em Janeiro de 2018, posteriormente à entrada em vigor do Orçamento de Estado do corrente ano de 2018.

  20. O Artigo 268º/1º do CIRE prevê agora conforme se segue: “Os rendimentos e ganhos apurados e as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido, verificadas por efeito da dação em cumprimento de bens e direitos do devedor, da cessão de bens e direitos dos credores e da venda de bens e direitos, em processo de insolvência que prossiga para liquidação, estão isentos de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas, não concorrendo para a determinação da matéria coletável do devedor.” 22. Verifica-se que o Legislador directamente prevê que os rendimentos e as variações patrimoniais positivas estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor.

  21. Estabelece-se um benefício de isenção, não concorrendo os valores obtidos para a determinação da matéria colectável do devedor.

  22. De facto, o que existia era uma verdadeira lacuna da Lei, integrada pelo Supremo Tribunal Administrativo do modo que acima transcrevemos, com o fundamento também transcrito - Cfr. Artigo 10º do Código Civil.

  23. Tal lacuna, deixou de existir a 1 de Janeiro do corrente ano de 2018, pelo que, sempre salvo todo o devido respeito, mal andou a Sentença a quo quando integra a lacuna em causa como se o Legislador não tivesse deixado claro o seu pensamento.

  24. Se é certo que, nos termos do Artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei”, não menos verdade é que não pode “ser considerada pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da Lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

  25. À altura em que é proferido o Acórdão em causa, não havia ainda um pensamento expresso. O mesmo não se verifica no momento em que a Sentença é notificada.

  26. Assim sendo, a liquidação em causa não poderia ter sido considerada senão uma liquidação que, ao abrigo do disposto no Artigo 103º/3º da CRP, não foi efectuada nos termos dispostos em Lei.

  27. Se já a situação de tributar rendimentos aos quais os insolventes não têm acesso e dos quais não beneficiam se nos afigura violar o princípio constitucional de proporcionalidade, ínsito no Artigo 268º/1º da CRP, sempre cremos que a não aplicação do Artigo 268º do CIRE, com uma redacção que já se encontra em vigor à data da notificação da Sentença a quo, aplicando-a somente para futuro, colocará os Contribuintes numa situação de verdadeira desigualdade, violadora do Artigo 13º da CRP.

  28. Mesmo que assim não se entenda, o que não concedemos que o Legislador estabeleceu um benefício fiscal ex novo, a verdade é que o princípio ínsito no Artigo 103º/3º da CRP, é estatuído em benefício do Contribuinte fiscal, por forma a proteger a confiança no sistema fiscal e a segurança do Contribuinte.

  29. Nesta senda, julgando-se provado e procedente o presente recurso far-se-á, inteira e costumada JUSTIÇA!” A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

    O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

  30. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar a natureza (qualificação e quantificação) e imputação dos rendimentos em causa bem como analisar a relevância da alteração legislativa introduzida pelo artigo 287º...

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