Acórdão nº 0530/07.3BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE SINTRA - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 19 de abril de 2018, que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, de 22 de novembro de 2010, que julgou improcedente a ação administrativa comum proposta pela Recorrente contra o ESTADO PORTUGUÊS, em que pede o reconhecimento do direito de receber a transferência de 25% sobre o valor proveniente das entradas nos Palácios de Sintra e da Pena, com efeitos desde julho de 2000.

Nas suas alegações, a Recorrente formulou, com relevo para o julgamento do mérito do recurso, as seguintes conclusões: «(...) 4. Mal andou a douta sentença recorrida ao entender que operou a revogação tácita da Lei do Congresso da República de 24 de junho de 1912, por incompatibilidade do regime.

  1. Isto porque o regime geral introduzido na nossa ordem jurídica pelo Decreto-Lei n.º 512-G2/79, de 29 de dezembro, não expressa a intenção inequívoca do legislador de proceder à revogação do regime especial estabelecido pela Lei do Congresso da República de 24 de junho de 1912, nos termos exigidos pelo n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil.

  2. Assim, não se revela de todo suficiente a preencher os pressupostos da revogação tácita o argumento que está na base da argumentação do Tribunal a quo, do desenquadramento histórico da norma.

  3. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 512-G2/79, de 29 de dezembro e o Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, manifestaram, expressamente, a intenção inequívoca do legislador de não afetar os regimes especiais vigentes à época, para as instituições particulares de solidariedade social abrangidas pelo novo regime geral.

  4. Pelo que, também por este prisma, se concluiu pelo erro de julgamento perpetrado pela douta sentença recorrida ao entender que operou a revogação tácita da Lei do Congresso da República de 24 de junho de 1912.

  5. Errou ainda a douta sentença ora recorrida ao considerar a vigência da norma da Lei do Congresso da República de 24 de junho de 1912 viola o princípio da igualdade, ínsito na Constituição da República Portuguesa.

  6. É o próprio Tribunal de Contas que assume que os apoios concedidos às instituições particulares de solidariedade social são concedidos por outras vias que não apenas os acordos de cooperação instituídos pelo Decreto-Lei n.º 512-G2/79, de 29 de dezembro.

  7. Sendo certo que nem se poderá reconduzir a regalia concedida pela norma em causa a um apoio financeiro do Estado, porquanto tal receita é originariamente afetada à Recorrente, sendo o Estado como depositário que intermedeia a operação de cálculo do montante a que corresponde, em cada ano, a percentagem legalmente definida.» 2.

    O Estado Português, ora Recorrido, não contra-alegou.

  8. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 22 de outubro de 2018, onde se entendeu que, ainda que o direito atribuído à Recorrente pela Lei do Congresso da República de 24 de junho de 1912 possa parecer arcaico ou anacrónico, a recusa do seu reconhecimento «depende da demonstração segura – e não meramente aproximativa – de que a revogação implícita deveras ocorreu», o que em sua opinião não foi feito «em termos absolutamente constringentes», por falta de «um rigoroso cotejo entre as normas da lex praeterita e da lex nova».

  9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Matéria de facto 5.

    As instâncias consideraram como provados os seguintes factos relevantes para a decisão: «A) Em 28 de Junho de 1912, foi publicada no Diário do Governo n.º 150, a Lei do Congresso de 24/06/1912, da qual se retira, designadamente que: “Art.º 1º. A guarda, conservação e administração dos móveis e imóveis dos extintos paços reais, ficam a cargo do Ministério das Finanças, por intermédio da Direcção Geral da Fazenda Pública; (…) Art.º 6º Ficam pertencendo à Fazenda Nacional, e, portanto, abrangidos nas disposições do artigo 1º., os Palácios da Ajuda, de Belém, de Cintra, de Mafra, das Necessidades, da Pena e de Queluz.

    (…) Art.º 9º : Os demais palácios, quintas, jardins, tapadas e cercas, a esta data sem aplicação especial ou enquanto não a tiverem, serão destinados à visita do público mediante taxas e condições a regulamentar.

    § único. A taxa a cobrar nunca será inferior a 100 réis, excepto aos domingos e dias feriados, em que a entrada será gratuita.

    O Governo determinará, em regulamentos adequados, as taxas a cobrar por quaisquer distracções que dentro das propriedades do Estado se estabeleçam ou já estejam estabelecidas. Do rendimento da taxa cobrada nas propriedades do Estado, em Cintra, 25 por cento serão destinados à Misericórdia de Cintra.

    Art.º 10º. A receita desta proveniência, bem como a de quaisquer arrendamentos de imóveis não compreendidos na aplicação fixada nos artigos anteriores, a da venda de frutos ou ainda outras de qualquer proveniência, constituirão receitas do Estado (cfr. Doc. n.º 1, junto com a P.I.).

    (…) B) Em 15/12/2000 foi registado no Livro 12, sob o n.º 137, a fls. 30, a resposta do Sr. Presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Sintra, Dr. ……………., ao ofício n.º 123, da qual se retira, nomeadamente: “Assunto: Receitas dos Palácios da Pena e de Sintra Tenho presente o conteúdo do ofício em epígrafe, hoje recebido.

    Reafirmo a informação telefónica oportunamente transmitida pelo meu Gabinete, e por mim próprio, à Instituição que V.ª Ex.ª dirige, de que ordenei a suspensão dos pagamentos de 25% das receitas dos Palácios da Pena e de Sintra até que o Governo se pronuncie sobre a legalidade actual de tais pagamentos e sobre o modo como têm vindo a ser processados.

    Mais informo que foi elaborado um parecer jurídico sobre esta matéria, que submeti, no passado dia 2/12/99 à decisão superior de Sua Excelência o Ministro da Cultura.”(Cfr. Doc 3, junto com a P.I.); C) A Autora, dirigiu ao Presidente do IPPAR pedido de emissão de passagem de certidão dos fundamentos que estiveram na base da suspensão dos pagamentos de 25% das receitas dos Palácios da Pena e de Sintra, com o seguinte teor: (…) “1. Em 14 de Fevereiro de 2000, foi a ora requerente notificada do ofício n.º 2340, do Senhor Presidente do IPPAR, no qual constava a sua decisão de suspender os pagamentos de 25% das receitas dos Palácios da Pena e de Sintra.

    Sendo que a fundamentação subjacente a este acto foi apresentada pelo Presidente do IPPAR, de forma sucinta e resumida.

  10. Com efeito, não foram dados conhecer à ora requerente os fundamentos que estão na base da decisão de suspensão de entrega de 25% do valor das entradas Palácios da Pena e de Sintra, que tem constituído desde 1912 a principal receita desta instituição, na medida em que não foi feita uma enunciação explícita das razões que levaram a esta decisão.

    Nomeadamente, não foram indicados quais os critérios de objectiva e estrita legalidade orçamental em que assentou a presente decisão.

    Mais acresce que, não foi sequer dado conhecimento, à ora requerente, sobre o conteúdo do parecer jurídico elaborado no âmbito desta matéria que também serviu de base à decisão em apreço.

    Pelo que, a ora requerente não consegue alcançar minimamente os fundamentos da presente decisão, vendo deste modo reprimida a sua capacidade de defesa.

  11. Nestes termos, não tendo a ora recorrente alcançado a fundamentação do acto administrativo sub judice requer-se a V. Ex.ª, nos termos e abrigo do disposto no art.º 31º da LPTA a passagem de certidão dos fundamentos que estiveram na base da decisão em apreço, nomeadamente a emissão de certidão do parecer jurídico elaborado sobre esta matéria, e bem assim certidão dos alegados “critérios de objectiva e estrita legalidade orçamental” em que assentou a presente decisão. (Cfr. Doc. n.º 4, junto com a P.I.) D) O Sr. Presidente do IPPAR remeteu ao Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Sintra o Parecer n.º 165/GAB.PRES/99, sobe o assunto “Receitas dos Palácios de Sintra e da Pena”, o qual se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (Cfr. Doc. n.º 5, junto com a P.I.).

    E) Em 20/03/2000 a Autora apresentou requerimento, junto do Ministro da Cultura, solicitando a emissão de certidão, do qual se retira, designadamente: “1. A Ora requerente aufere, desde 1912 e a título legal, 25% das receitas resultantes da venda de bilhetes dos Palácios Nacional de Sintra e da Pena.

  12. Recentemente, e como V. Ex.ª terá certamente conhecimento, tal direito da requerente foi posto...

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