Acórdão nº 0561/19.0BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações Z…………., S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 13 de maio de 2020, a qual julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Município do Seixal e consequentemente o absolveu da instância.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: A. A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida.

  1. Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

  2. A ilegalidade da repercussão da TOS é, aliás, confirmada, quer pela entidade Recorrida, quer pela sentença do Tribunal a quo.

  3. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º FT RN1908/00655, emitida em 12 de fevereiro de 2019 pela X……….., S.A. Sucursal em Portugal, e na qual foi incluída a TOS no montante de €48.639,04.

  4. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 11 de março de 2019, ao pagamento da fatura e da TOS, tendo, no dia 12 de março de 2019, apresentado reclamação graciosa necessária junto do Município do Seixal por forma a reagir contra a repercussão ilegal.

  5. Perante a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Recorrente deduziu impugnação judicial, cujo objeto era o ato de indeferimento tácito, a anulação da TOS incluída na fatura n.º FT RN1908/00655 e o reembolso do seu montante acrescido de juros indemnizatórios.

  6. O Tribunal a quo concluiu pela total improcedência da ação, declarando a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva do Município.

  7. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito.

    I. Em suma, o Juiz a quo decidiu a favor da Recorrida porquanto entende não existir entre sujeito ativo e repercutido vínculo jurídico, mas duas ou mais relações jurídicas distintas, a saber: uma de natureza tributária (entre sujeito ativo e sujeito passivo da relação jurídico-tributária); e uma outra de natureza civilística regulada pelo direito privado que se estabelece entre a distribuidora de gás natural e o repercutido.

  8. Neste ponto, discorda-se totalmente do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, já que o lançamento da TOS pelo Município do Seixal e a sua repercussão ao consumidor final – a ora Recorrente – integram ainda uma mesma relação jurídico-tributária.

  9. Nos termos do artigo 18.º da LGT: “[o] sujeito ativo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer diretamente quer através de representante.” e que o “sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”, acrescentando o número 4 que “[n]ão é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”.

    L. Neste sentido, dispõe também o artigo 54.º, n.º 2, da LGT, que “[a]s garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.”.

  10. Ainda, nos termos do artigo 9.º do CPPT, “[t]êm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

  11. Ora, nos termos do artigo 18.º, n.º 4, da LGT, o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, também nos termos do artigo 9.º do CPPT, terá direito de agir em processo.

  12. Sem prejuízo da posição que se possa ter, do ponto de vista teórico, quanto à composição da relação jurídica tributária, sempre será de aceitar que, apesar de a Recorrente não ser sujeito passivo, suporta a TOS por repercussão legal, pelo que, nos termos das normas acima transcritas terá direito de ação, dispondo, portanto, do direito de impugnar, de reclamar, de recorrer e de lançar mão de todas as garantias processuais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses que tenham sido lesados por aplicação do mecanismo da repercussão.

  13. De modo que, estando o direito do repercutido à impugnação judicial previsto na LGT e no CPPT, que preveem relações jurídicas de direito público, não se pode considerar a repercussão uma relação jurídica de direito privado.

  14. Não se pode ignorar que a lei – a LGT – atribui ao repercutido o direito de ação.

  15. Aliás, a doutrina tem defendido consistentemente que o repercutido está munido quer pela LGT quer pelo CPPT de um conjunto de direitos para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.

  16. Os direitos de defesa dos repercutidos abrangem os seus direitos e interesses legítimos, em suma, todos os atos suscetíveis de gerarem uma lesão.

  17. Ademais, a LGT, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, relativo ao seu âmbito de aplicação, regula as relações jurídico-tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas, U. E não as relações de direito privado, pelo que, encontrando-se o direito de ação do repercutido previsto na LGT, considera a lei que o repercutido é ainda parte de uma relação jurídico-tributária (de direito público) e não de uma relação de direito privado.

    V. Tratando-se de uma relação jurídico-tributária, será o sujeito ativo da mesma quem deverá estar em processo, o que justifica a legitimidade passiva do Município do Seixal no presente processo.

  18. Por outro lado, como foi exposto na petição inicial e demais articulados o que se discute na presente ação a “repercussão” é ainda um elemento da TOS, pelo que é a ilegalidade da TOS que se discute na presente ação.

    X. Não podemos esquecer que a repercussão se trata de matéria tributária e, como tal sujeita à jurisdição dos tribunais tributários.

  19. Conforme decorre expressamente do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: b) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;”.

  20. A repercussão não é matéria contratual, não se encontra na disponibilidade das partes, não podendo, nunca, configurar uma relação de direito privado.

    AA. Sem prejuízo de neste caso a repercussão ser ilegal a obrigação de suportar a TOS por repercussão resulta como se explica abaixo de um bloco legal não contratual.

    BB. Contrariamente ao que é sustentado pelo Meritíssimo Juiz na sentença que ora se impugna, são vários os excertos das peças processuais que permitem concluir que a discussão gira em torno da ilegalidade da taxa – TOS.

    CC. Tanto assim é que o próprio Magistrado Ministério Público não aponta dúvidas relativamente ao objeto da ação: “[v]em o sujeito passivo acima identificado impugnar judicialmente a liquidação da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS), referente à fatura nº FT RN 1908/00655, de 12 de fevereiro de 2019, no valor de € 48.639,04, da X………., ………, SA, liquidada pelo Município do Seixal. Defende a impugnante a ilegalidade da repercussão da TOS, por violação do artigo 85º, nº 3 do OE de 2017.”.

    DD. A ser procedente a tese defendida na sentença, as garantias dos contribuintes estariam irremediavelmente comprometidas visto que não poderiam discutir, em sede judicial, elementos de uma taxa como acontece com o erro no montante apurado, desde que esta fosse legalmente repercutida.

    EE. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.

    FF. Assim, no contexto de uma relação jurídico-tributária, o Município do Seixal é o sujeito ativo dado que é ele quem cria e liquida a TOS, e arrecada a receita, GG. Dispondo, por conseguinte, do direito de exigir o cumprimento da prestação tributária junto do sujeito passivo.

    HH. Acresce que o Município tem intervenção na própria fixação da repercussão legal, i.e., não é alheio a este elemento da vida da taxa, o que, ademais, justifica a sua legitimidade passiva no presente processo.

    II. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.

    JJ. A título de exemplo, a Cláusula 7.ª, n.º 2, de cada uma das minutas de concessão prevê que “[a]ssiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.”.

    KK. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal do Seixal liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a V………………., S.A.), que é...

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