Acórdão nº 049/19.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recursos de revista de acórdãos dos TCA Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1. “FUTEBOL CLUBE DO PORTO – FUTEBOL, SAD (FCP)” interpôs no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo do disposto nos arts. 4º, nºs 1 e 3 a) da Lei nº 74/2013, de 6/9, na redação conferida pela Lei nº 74/2013, de 6/9, alterada pela Lei nº 33/2014, de 16/6 (LTAD), contra a “FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (FPF)”, recurso de impugnação do acórdão, de 28/11/2017, do Conselho de Disciplina da “FPF”/Secção Profissional (em confirmação de decisão singular de 31/10/2017), que o condenara a pagar, a título de sanção disciplinar, a multa de 1.148,00€, por infrações disciplinares p. e p. pelo art. 187º nº 1 a) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (“RDLPFP”).

2. O TAD, por acórdão de 4/2/2019, no âmbito do seu processo arbitral nº 75/2017, negou provimento ao recurso interposto pelo “FCP”, assim confirmando a decisão punitiva - cfr. fls. 1 e segs. (págs. 4 a 58) da paginação “SITAF”.

3. O “FCP”, inconformado com esta decisão arbitral, interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 10/12/2019 (cfr. fls. 192 e segs. “SITAF”), concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão arbitral recorrida, anulou o ato disciplinar punitivo ali confirmado.

4. O Ministério Público junto do TCAS, nos termos dos arts. 70º nº 1 a) e 72º nº 1 a) e 3, 75º nº 1 a) e 75º-A nº 1 da Lei 28/82, de 15/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC), por referência ao disposto no art. 280º nº 1 a) da CRP, interpôs, em 16/12/2019 (cfr. fls. 304/305 SITAF), recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional deste Acórdão do TCAS, de 10/12/2019, por este ter desaplicado, com fundamento em inconstitucionalidade material, as normas constantes do art. 214º do “RDLPFP” – na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da edição do respetivo ato punitivo (com fundamento na violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa do arguido preceituados nos arts. 32º nº 10 e 269º nº 3 da CRP) - e do art. 13º f) do mesmo “RDLPFP”, quando aplicada ao procedimento disciplinar sumário – na medida em que contém uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga (por violação dos princípios da culpa e da presunção de inocência preceituados no art. 32º nºs 2 e 10 da CRP, bem como por violação dos direitos ao contraditório e ao processo equitativo previstos no art. 20º nº 4 da mesma CRP).

5. O Tribunal Constitucional, por seu Acórdão nº 594/2020, de 10/11/2020, proc. 49/20 (cfr. fls. 430 e segs. SITAF) decidiu: «a) Julgar inconstitucional a norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar, no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional; b) Julgar inútil a apreciação da conformidade constitucional da norma do procedimento disciplinar sumário, que estabelece a presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, resultante da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f), com o artigo 214.º, ambos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional; e c) Em consequência, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e confirmar a decisão recorrida».

6.

Por seu lado, a “FPF”, inconformada com o Acórdão proferido pelo TCAS, interpusera, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista - cuja subida a este STA aguardou pela decisão do Tribunal Constitucional, por determinação da Senhora Desembargadora Relatora -, tendo terminado as suas alegações (cfr. fls. 314 e segs. “SITAF”) com as seguintes conclusões: «1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 10 de dezembro de 2019, que revogou a decisão recorrida e anulou a deliberação que condenou a ora Recorrida a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor total de € 1.148,00 por infrações disciplinares p. e p. pelo artigos 187.º, n.º 1, al. a) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional; 2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogo de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno; 3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito; 4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes; 5. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com agressões físicas entre os próprios adeptos e para com as forças policias, entre outros, tudo por ocasião de jogos de futebol; 6. São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição; 7. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar; 8. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em mais de vinte e nove processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo, contra apenas cinco em sentido coincidente; 9. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos; 10. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo TAD, ao contrário do que entendeu o TCA Sul; 11. O FCP não colocou, em momento algum, em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do FCP os responsáveis pelos mesmos; 12. Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra a fls. … do processo arbitral, os Delegados da Liga, bem como as forças de segurança, são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do FCP, sem deixar qualquer margem para dúvidas; 13. Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos perpetrados, o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo disciplinar à Recorrida; 14. Ao mencionado processo disciplinar foi junto, como não poderia deixar de ser, entre outros documentos, o relatório elaborado pelos delegados da Liga. Este relatório goza, consabidamente, da presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP); 15. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube; 16. Assim, quando os Delegados da LPFP colocam nos seus relatórios que foram adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso coloquem nos seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar; 17. Ainda, para formar uma convicção para além de qualquer dúvida razoável que permitisse chegar à conclusão de que a ora Recorrida devia ser punida pelas infrações pelas quais foi condenada, o CD coligiu ainda outra prova, que consta dos autos, tal como, por exemplo, o Relatório das Forças Policiais; 18. Neste particular, os relatórios das forças policiais, por serem exarados por “autoridade pública” ou “oficial público”, no exercício público das “respetivas funções” (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (art.º 363.º, n.º 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369.º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. art.º 371.º, n.º 1 do Código Civil); 19. Sucede que, não obstante os relatórios de jogo juntos aos autos serem claríssimos ao afirmar que foram adeptos afetos ao FCP que levaram a cabo estes comportamentos, o TCA alega que nada existe nos autos que permita concluir que os atos sub judice – punidos pelo RD da LPFP – foram praticados por sócio, adepto ou simpatizante do clube recorrido; 20. Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a presunção de veracidade...

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